Especialista esmiúça a “reforma” do Ensino Médio: gestada em fundações privadas, ela despreza as ciências e deixa jovens mais distantes das universidades. Usa discursos neoliberais para seduzi-los — e formá-los para o precariado
Debora Goulart em entrevista a Cátia Guimarães, no EPSJV/Fiocruz
Agora que o ano letivo de 2022 está começando, a Reforma do Ensino Médio, aprovada em 2017, terá finalmente que ser implementada. É verdade que haverá exceções – há estados em que o legislativo votou pelo adiamento, em geral com o argumento das dificuldades trazidas pela pandemia – mas essa é apenas uma das muitas diferenças (e desigualdades) que as mudanças promovidas na última etapa da educação básica brasileira promoverão. Trata-se, de acordo com a análise da professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Debora Goulart, da quebra de um pacto de universalização do ensino médio que o país firmou desde a Constituição de 1988. E que responde diretamente às necessidades de uma nova organização das relações de trabalho, cada vez mais precárias, flexíveis e subordinadas. Nesta entrevista, a pesquisadora, que integra a Campanha Nacional pelo Direito à Educação e a Rede Escola Pública e Universidade (Repu), desmistifica a crença de que a reforma valoriza o direito de escolha dos estudantes, avalia o modo como a formação técnica e profissional é abordada no novo ensino médio e comenta os interesses empresariais que atravessam todo esse processo de mudança.
Um argumento principal em defesa da Reforma que será implementada a partir de 2022 é que o ensino médio não é atrativo para os jovens. Era preciso reformar o ensino médio?
A pergunta é o que significa reforma. Quando a gente fala que a educação não atendia às necessidades de uma formação integral dos estudantes, que articulasse trabalho, cultura e ciência, nos termos das Diretrizes Curriculares Nacionais de 2012, isso é um indicativo de que se precisava melhorar o ensino médio. O ensino médio é um aprofundamento de conhecimentos científicos, inclusive porque você tem um desdobramento disciplinar: não dá mais para ensinar ciências simplesmente porque tem o campo da biologia, da física, da química… E esse aprofundamento implica você ter professores formados, ter laboratório, ter mais tempo de estudo, ter construção de maior autonomia, ter mais investimento. Falava-se da necessidade de se ter um diferencial de financiamento para uma educação que, por ser mais específica e mais aprofundada, exige uma estrutura que as escolas no Brasil não têm. Então, eu diria que uma reforma curricular como foi feita não seria necessária, mas uma reforma em termos de financiamento, formação e condições de trabalho sim, seria. Inclusive, isso os estudantes demandam na maior parte das pesquisas que se fez com os jovens nos últimos 15 anos. Mesmo nas pesquisas das fundações [empresariais da educação] isso aparece, mas elas não dão ênfase na divulgação.
Mas uma pesquisa encomendada pelo Sesi e Senai, divulgada em outubro de 2021, mostrou que os estudantes manifestavam satisfação ligeiramente maior com o novo ensino médio em comparação com o antigo. Como você avalia esse resultado?
As fundações [empresariais da educação] já vinham fazendo pesquisas como essa, com uma ênfase muito grande numa enquete sobre as percepções dos estudantes em relação ao ensino médio. Então, se pergunta: “Você acha que ensino médio precisava ser mais atraente?”, “O que você gostaria de ter: tecnologia, esportes, aulas em lugares diferenciados?”. O estudante pensa: “Bom, em vez de matemática eu vou ter uma aula de CAD, em vez de biologia, vou ter aula de, por exemplo, programação, em vez de sociologia, vou ter aula de redes sociais”. E a resposta é: “Sim, eu gosto mais desse ensino médio”. Ou seja, é uma enquete que vai pela superficialidade momentânea, que não justifica o que significa a importância do ensino médio. Tanto é assim que os itinerários formativos dos estados que conseguiram avançar durante a pandemia têm nomes que a própria secretaria de educação diz que são atrativos, como se fosse necessário fazer um marketing sobre o novo ensino médio para que ele possa engajar os estudantes. Em São Paulo, tem um itinerário, por exemplo, que se chama “Se liga na mídia”.
Existe mesmo uma crítica dos estudantes às metodologias, aos espaços limitados e à organização do tempo da escola, que não mudou. Tem uma crítica dos estudantes à sobrecarga do interior da sala de aula e a um ensino de transmissão. No entanto, eles gostam dos professores que dão aula com os conceitos porque percebem que aprendem. As aulas em que eles percebem que na verdade estão fazendo um debate simplesmente acabam sendo bastante criticadas porque eles reconhecem a necessidade daquilo que estão acessando na escola. Então, essa é uma pesquisa que mostra uma visão imediata do estudante sobre o seu querer. E, ainda assim, a diferença [entre quem prefere o novo ou o velho ensino médio] apontada na pesquisa é pequena.
Você e outros críticos têm apontado que essa reforma aumenta a desigualdade entre os jovens da escola pública e da escola privada. A reforma, no entanto, vale para todas as escolas. Por que essa diferença?
As escolas privadas pequenas não têm condições de diversificar [a oferta de itinerários] porque já trabalham com o sistema apostilado, por exemplo. Como é uma reforma curricular, se você oferecer quatro itinerários, tirando o profissionalizante, com as disciplinas aprofundadas, pode resolver o problema. O que você vai possibilitar é que o estudante tenha algum direcionamento de formação, mas que garanta as disciplinas comuns da matriz que já existe. O que as secretarias têm chamado de aprofundamento, a gente tem chamado de afunilamento e é isso que as escolas privadas não farão. Elas não precisam afunilar tanto porque têm a autonomia que a escola pública não tem. Então, ela pode fazer um itinerário com biologia 1, física 1, química 1 e todas as outras matérias se mantêm. E, nas escolas da burguesia mesmo, você pode fazer o contraturno com teatro, música, violino, natação, como já acontece. Muda muito na rede pública, na privada, muda muito pouco.
Isso é parecido com o processo que aconteceu na época da lei 5.692, da profissionalização compulsória?
É, só que a lei 5.692 não foi para frente. Trinta anos fazem muita diferença. Como é que formava um mecânico sem um laboratório de mecânica? Não tem como. Mas como é que você vai formar um empreendedor agora? Está fácil. Para formar um perito criminal, você precisa de um laboratório, mas para formar empreendedor de bolo de pote não precisa.
Um argumento a favor da reforma é o do direito de escolha dos estudantes, de que eles escolherão o que querem estudar, na forma do itinerário formativo. Qual a sua avaliação sobre isso?
Eu acho que esse é o ponto mais superficial da defesa do novo ensino médio. Na minha visão, o novo ensino médio atende a uma demanda de diversificação e fragmentação do sistema educacional. Cada estado vai ter o seu grau e sua especificidade. Na Constituição de 1988 e depois na LDB [Lei de Diretrizes e Bases da Educação], ainda existia um campo grande da educação que tinha um pacto de universalização e ampliação do ensino médio, de maneira que todos tivessem acesso ao mesmo ensino. A gente sabe que uma política universalizante também vai esbarrar em elementos sociais como classe, raça, gênero, localidade, regionalidade, etc., mas era a ampliação de uma política universalizante. O novo ensino médio quebra isso.
As mudanças em relação ao mundo do trabalho trazem a exigência de uma formação bastante diversificada. Então, uma parcela dos estudantes vai ser empregada em empregos mais qualificados, outros [em postos] menos qualificados e outros vão estar à própria sorte num mercado precário e flexível. Essa diversificação [do ensino médio] atende a essa necessidade, que não é só do mercado, mas das próprias relações de trabalho. É mais profundo. Essa escola não é mais nem de preparação para o trabalho, ela já é o próprio trabalho, já é o exercício dessa nova forma de trabalho. Daí os eixos formativos serem “processos criativos”, “empreendedorismo”, “investigação científica”, sempre pautados na ideia de elaboração de projeto e produto. E assim o estudante mesmo pode ser um produto mais empregável ou pode se colocar de maneira mais aceitável num mercado muito instável e precário.
O centro desse currículo são as competências socioemocionais, projeto de vida etc. E o derivado disso, que parece uma diversificação mas acaba não sendo, são os itinerários formativos. Essas competências socioemocionais são basicamente um civismo, um engajamento numa forma de trabalho flexível. O que parecia uma forma de diversificação do currículo, na verdade, é um afunilamento e um empobrecimento do currículo. E é claro que isso só é sustentável com a superficialidade do engajamento pelo gosto e pelas aptidões dos estudantes. Então, se eu gosto muito de maquiagem, vou fazer um curso de estética. E isso será o meu ensino médio, diferente de alguém que está num Instituto Federal que vai ter uma outra formação. Você, de fato, vai oferecer ensino médio diferente para jovens de classes diferentes.
Uma questão que foi criticada desde o lançamento da Reforma é que, com a carência de recursos e estrutura das redes, dificilmente essa escolha seria livre. O máximo que a lei determina é que é preciso oferecer mais de um itinerário formativo por município. Vai ter escolha de verdade?
Não. Primeiro temos que perguntar o que exatamente o estudante está escolhendo: uma profissão, uma área de conhecimento, uma profissão dentro de uma área do conhecimento? Na verdade, o que ele está escolhendo é, em grande medida, algo que ele entende que é do seu gosto. E ninguém está dizendo que isso não seja importante, mas a grande questão é que não deveria acontecer dessa forma, e não no ensino médio. Segundo, existem os itinerários “puros” – ciências da natureza, ciências humanas etc – e os itinerários combinados. Isso foi pensado no âmbito do Consed [Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação] e da Undime [União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação] com a assessoria das fundações [empresariais]. Diz-se todo tempo que não se deve mais formar para uma profissão porque a profissão está ultrapassada, agora é formar para as possibilidades de atuação. Para isso, você tem itinerários combinados: por exemplo, ciências humanas mais ciências da natureza, que ganham um nome. Não são cinco itinerários. No caso de São Paulo, são 11, dez puros mais os combinados, mais o itinerário formativo quinto [formação técnica e profissional], que se desdobra em 23 cursos. Vai ter uma enormidade de cursos que tiram o básico da formação e, no lugar, colocam o estudante, por exemplo, para aprender planilhas de Excel. Essa troca é que eu acho nefasta: você deixa de ter conteúdo da biologia e da física, das ciências humanas, para ter cursos rápidos de 30 horas sobre como montar planilhas de Excel. Então, não é profissionalizante também, é um aligeiramento. Ainda assim, vamos pensar no caso daquela estudante que gosta de maquiagem e quer fazer estética. Se na escola não tem esse itinerário formativo, ela vai para a área de ciências da natureza, que é a que mais se aproxima, porque tem a química, por exemplo. Mas a escola pode não ter também. Na verdade, quem dá a possibilidade de entrada é a rede, não é o estudante. No pior dos casos, as escolas terão um ou dois itinerários, algumas escolas três. Nas cidades menores, isso se torna ainda mais complicado. O estudante pode trocar de escola [para cursar o itinerário que escolher], só que isso implica aquela velha discussão sobre locomoção e mobilidade na cidade ou entre as cidades, no caso dos interiores.
Outro problema: se comecei a fazer ciências da natureza numa escola e por qualquer motivo tive que mudar, eu simplesmente não tenho mais condições de acompanhar, vou ter que entrar no itinerário que a nova escola, no meu outro endereço, vai me oferecer. Então, quanto mais a gente avança nas possibilidades de cursar o ensino médio na realidade no Brasil, mais essa ideia de que o estudante escolhe algo cai por terra. A ideia de escolha não se sustenta.
Um dos itinerários é o de formação técnica profissional, que pode ser ofertado como curso técnico ou como sequência de cursos de Formação Inicial e Continuada (FIC). Parece educação profissional integrada ao ensino médio mas não é. Por quê? Como você avalia esse itinerário?
O itinerário cinco deixa mais evidente o tipo de conhecimento, de prática, de ação, de atitude que esse jovem está sendo formado para ter na vida em sociedade. A relação de trabalho é o centro, mas uma relação de trabalho subordinada, precária, mal paga, instável. Se você olhar para o que as redes estão oferecendo no quinto itinerário, são cursos rápidos para atuar no trabalho precário: por exemplo, planilha de Excel, inglês básico, CAD, redes sociais, uso de internet, elaboração de sites etc. Esse tipo de curso de 30 horas, mais 30 horas, mais 30 horas materializa, em termos de currículo, aquilo que foi dito, por exemplo, num documento da Fundação Lemann: que os empregadores pequenos, médios e grandes esperavam dos jovens trabalhadores conhecimentos fundamentais de língua portuguesa e matemática, uso das tecnologias e proatividade. Se você olhar para o currículo profissional, é exatamente isso que tem lá. Ao mesmo tempo, um documento do Banco Mundial e da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico] diz que esse é o último corte populacional de jovens e que é preciso aumentar a produtividade no Brasil. Como? Ensinando o jovem a trabalhar. Então nós vamos ensinar redes sociais, internet, língua portuguesa e matemática, a tríade de competências científicas, socioemocionais e técnicas. O itinerário profissionalizante, que não é profissionalizante na verdade, vai justamente se direcionar para essa necessidade de formação da nova juventude. E se dá um grande grau de importância às relações de controle dessa força de trabalho, por isso o “projeto de vida” está no currículo de todos os estados. É uma forma de ensinar como se comportar, uma mistura de civismo com “como obter sucesso”. No PNLD [Programa Nacional do Livro Didático], aparece como um pouco de coach… É um conteúdo sobre o que eu desejo e como faço para alcançar os meus sonhos. E o material das fundações [empresariais] ensina isso.
Em algumas lives do Consed sobre a implementação da reforma se fala que o conhecimento que é inútil, a ciência de base, não precisa ter espaço no ensino médio. Deve ser ensinado aquilo que é útil, que vai ser utilizado imediatamente. Daí talvez a explicação para os jovens aprovarem o novo ensino médio, porque de fato o jovem tem uma imediaticidade da vida. “Eu vou usar para quê?” é uma pergunta razoável. E na medida em que você diz que ele vai usar isso para arrumar melhor um emprego ou ter condições de ter uma microempresa, essa é uma resposta superficial e que não é real, mas que o jovem pode aceitar como viável.
Tinha uma discussão nos anos 1950, 1960 sobre como você relaciona o tipo de trabalho com o tipo de formação, qual o diploma que abre quais caminhos. O diploma era a expressão de um conjunto de saberes e práticas. A partir dos anos 1990 isso não é mais verdade. Os dados mostram que se tiver um diploma universitário você tem possibilidade de aumentar sua renda, mas essa renda tem caído ano a ano, década a década e essa diferença entre escolaridade e renda também tem decaído. A gente tem uma queda da renda do trabalhador médio. Você ter uma disciplina de projeto de vida que ensina a ser empreendedor não garante que você vai ser um MEI [Microempreendedor Individual] e que isso vai ser bem sucedido. Na verdade, o que a escola tem feito é aprofundar a competitividade entre os trabalhadores, mas a dinâmica escolar não garante a alteração das relações de trabalho. Isso é que não é real, e é cruel. A reforma é cruel com os estudantes porque cria uma ideia de que, se fizerem tudo certo, se projetarem a sua vida, se conseguirem fazer tudo que a escola mandou, eles vão ter sucesso.
A mesma pesquisa encomendada pelo Sesc e Senai apontou que a formação técnica e profissional é o itinerário que mais desperta interesse nos estudantes, motivados pelo desejo de ingressar logo no mercado de trabalho, embora a grande maioria também queira cursar o ensino superior. Como você avalia esse resultado?
Querer ter uma boa formação, ingressar no mercado de trabalho e seguir para o ensino superior não são contraditórios. É contraditório nessa reforma porque ela coloca inclusive uma certa terminalidade, serve para frear o movimento de ampliação da escolaridade das camadas populares até o ensino superior. O que a gente tem que entender é que o ensino médio é, em grande medida, uma etapa da vida em que uma parcela da população deseja autonomia financeira e outra necessita de renda e já está no mercado de trabalho. Então, a questão é: “Eu posso estar no mercado de trabalho e ainda assim pensar em avançar para o ensino superior?”. Uma coisa não precisa ser separada da outra. Mas essa reforma dificulta muito porque, na medida em que segmenta, fragmenta e destina para o itinerário que vai estar centrado no trabalho, complica muito a vida de quem já está no mercado de trabalho, que vai ter uma formação somente voltada para isso, e depois vai ter dificuldade para prestar o Enem [Exame Nacional do Ensino Médio].
Isso é diferente da formação que é e continuará a ser feita nos Institutos Federais, por exemplo?
Completamente. No caso dos Institutos Federais, você tem uma concepção de um curso que é integrado, em que as ciências de referência orientam e se integram às práticas profissionais, aos métodos, ao que compõe um determinado campo do trabalho e uma profissão efetivamente. E isso está sendo pensado em termos de um projeto pedagógico que integra os professores, que têm condições de trabalho que permitem pensar esse projeto. A reforma do ensino médio não só não pensa isso, como todos esses projetos são feitos no âmbito da Secretaria de Educação e dos agentes privados e chegam às escolas prontos. E os professores que dão as aulas da parte profissionalizante não têm sequer relação com a escola: vão lá, dão aula e depois vão embora. Não há integração entre o corpo docente, os professores não sabem quem são os próprios estudantes e agora há a possibilidade de esses cursos serem dados por entidades privadas. Aí sim a gente está falando da clássica privatização, não tem outro nome. Está dada a possibilidade de o estudante se matricular em mais de um lugar: nem o local de estudo, de integração, de socialização, de construção de laços, de vínculos com a equipe docente e com seus colegas tem mais.
Entre os críticos, há quem aponte a prevalência de interesses empresariais na reforma. Você concorda? Em que aspectos a reforma poderia favorecer grupos privados de educação?
Eu acho que é preciso pensar em vários níveis, porque se não a gente simplifica. Uma primeira questão é pensar o quanto, num processo de crise intensa, que é mundial, com riscos de organização e convulsão social, é importante a formação de uma geração inteira de maneira a torná-la mais adaptável, mais conformada, mais competitiva. Isso é o que deseja e sempre desejou o grande capital. Essa é uma camada. A outra é o fato de, na reforma, os agentes privados poderem fazer política educacional como se fossem Estado. Quem faz a reforma não é o governo brasileiro, o governo brasileiro é o Estado onde atuam o Consed e a Undime com assessoria do Instituto Itaú Unibanco. Quem elabora a reforma é o Itaú Unibanco, quem implementa são as secretarias. A gente está falando aí de um outro debate sobre o que é público e o que é privado. É uma reforma empresarial feita pelo Estado. Por fim, lá na ponta, a gente tem os ganhos mais imediatos, como, por exemplo, com o PNLD, o Plano Nacional do Livro Didático, e o conjunto de editoras que fazem parte desses grandes holdings educacionais. Nos convênios para a oferta de cursos, a gente fica espantado com a qualidade. São empresas que, no popular, a gente vai chamar de fundo de quintal que estão oferecendo cursos [conveniadas com as secretarias de educação]. Só a título de exemplo, no contrato que está sendo feito pelo Centro Paula Souza junto com a Seduc em São Paulo, está definido que, se houver até 30% de evasão, a empresa recebe 90% do contrato.
2020 e 2021 foram anos difíceis em função da pandemia, com efeitos diretos sobre a educação, com escolas fechadas, ensino remoto etc. Um projeto de lei chegou a pedir o adiamento do calendário de implementação da reforma. Quais as consequências de se instituir uma mudança dessas em meio a essa crise sanitária?
A implementação está acontecendo de maneira diferente nos estados. Rio de Janeiro e Bahia, por exemplo, já adiaram a data… Isso vai gerar uma desigualdade maior ainda entre os estados. Um dos argumentos da reforma é exatamente que o ensino médio é muito desigual, que é preciso dar melhores condições para todos os estados e que para fazer isso é preciso flexibilizar. Bom, o que a gente está vendo é exatamente o oposto. Mas eu considero que tem sido feita uma opção política pelo autoritarismo mesmo. Trata-se de aproveitar a emergência sanitária para implementar uma reforma que tem muitas resistências tanto entre professores quanto entre estudantes. E, com as pessoas longe da escola, sem a comunidade escolar conseguir se reunir, isso se dissipa. Me parece que a implementação durante a pandemia é mais uma camada de todos os problemas que a gente viu no processo de implementação. É um processo completamente desigual, autoritário, e que vai trazer mais angústia para dentro do ambiente escolar. E isso aumenta a possibilidade de se ter projetos ainda mais autoritários dentro das escolas, porque a escola se transforma numa explosão de tensão. Aí você fala: “Bom, ninguém aguenta as escolas, os estudantes estão muito violentos, a escola não está dando conta”. Claro, você tirou todos os pilares do que é a convivência, do que é o currículo, do que é o ensino médio, de para que serve a escola e quer que a vida siga com tranquilidade? Difícil acontecer.
VOZ DO PARÁ: Essencial todo dia!