Duas ou três coisas que sei de poesia

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.

Por Afonso Barroso: Na minha santa ou profana e profunda ignorância, não consigo entender boa parte da chamada poesia moderna. Mas, espera: pode não ser ignorância, e sim senectude, velhice em exagero, incapacidade para captar e assimilar as mudanças havidas na modernidade da literatura poética.

Na condição de lídimo representante dos tempos clássicos, parnasianos e românticos, entendo e aprecio sonetos como os de Raimundo Correia quando diz que “Lá se vai a primeira pomba despertada/, vai-se outra mais… mais outra, enfim dezenas/ de pombas vão-se dos pombais apenas/ raia, sanguínea e fresca, a madrugada”. Entendo tudo isso. Vejo que dezenas rima com apenas e despertada com madrugada. Ou ainda quando diz: “Se a cólera que espuma, a dor que mora/ n’alma e destrói cada ilusão que nasce/ Tudo que punge, tudo o que devora/ O coração no rosto se estampasse”… Observe-se como é perfeita a métrica e como as rimas se sucedem harmoniosamente: mora com devora, nasce com estampasse. Isto é poesia.

Entendo quando Bilac escreve que “Ora direis, ouvir estrelas, certo/ perdeste o senso. Eu vos direi, no entanto/, que para ouvi-las muita vez desperto/ e abro a janela, pálido de espanto”. Dá pra acolher o que ele diz tão poeticamente. Aliás, até o nome de Bilac é poético. Veja só: Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac. Doze sílabas. Um verso alexandrino, portanto.

Entendo e curto (para usar o dialeto facebuqueiro) o que diz Jésus Rocha, nosso poeta vivinho da silva, no dia da Mulher e do Amor: “Poeta ou não, faço sonetos sim!/ Intensamente, sim! Parnasianos./ Não importa o tempo! Vou chegar ao fim/ Amando – danem-se os desenganos”.

Entendo o que expressam os versos de Castro Alves, Cassimiro de Abreu, Gonçalves Dias, Camões, Dias Adorno, Bocage e outros grandes poetas da língua portuguesa.

Não consigo entender, no entanto, o que quer dizer o grande poeta João Cabral de Mello Neto quando encadeia versos como no poema a que dá o título de Poesia: Escreve ele: “Ó jardins enfurecidos/ pensamentos palavras sortilégio/ sob uma luz contemplada/Jardins da minha ausência imensa e vegetal/ O jardim de um céu viciosamente frequentado/ Onde o mistério maior/ do sol da luz da saúde?“ Agora digo eu, sem verso: por favor, alguém aí traduza pra mim. Em outros poemas, porém, como em Morte e Vida Severina, João Cabral me faz entender, até porque se não usa rima, usa métrica com atraentes versos em redondilha maior, o que dá ritmo agradável à sua obra mais famosa.

E rumemos para Drummond. Quando ele diz que no meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho, eu entendo que havia (e há) obstáculos a transpor. Não há rima, mas há uma ideia poeticamente inteligível. Drummond é assim: tudo nele dá pra entender, e às vezes ele até rima, como no Caso do Vestido em que todos os versos têm apenas métrica, mas os dois últimos rimam. Termina assim o Caso: “O barulho da comida/na boca me acalentava,/ me dava uma grande paz,/ um sentimento esquisito/ de que tudo foi um sonho/,vestido não há… nem nada./ Minhas filhas, eis que ouço/ vosso pai subindo a escada”.

Mário de Andrade foi um dos primeiros escritores a fazer poesia moderna com graça e até, em um caso, com rimas até certo ponto ousadas, sempre do último verso de uma estrofe com o primeiro da seguinte. Gosto muito desse tipo de modernidade. Veja só: “Moça linda bem tratada,/Três séculos de família,/Burra como uma porta:/Um amor. Grã-fino do despudor,/Esporte, ignorância e sexo,/Burro como uma porta:/Um coió. Mulher gordaça, filó,/De ouro por todos os poros/Burra como uma porta:/Paciência…/Plutocrata sem consciência,/Nada porta, terremoto/Que a porta de pobre arromba: Uma bomba”. Entendo e aprecio a poesia moderna quando contém versos verdadeiramente poéticos, mesmo sem métrica e rima. E com sarcasmo e humor, como nesse poemeto acima do grande Mário de Andrade.

Não posso deixar de mencionar uma das letras mais poéticas da música brasileira, sem uma rima sequer. Foi a única criada pelo instrumentista Garoto (Aníbal Augusto Sardinha). Veja se rima faz falta nesta letra de Duas Contas: “Teus olhos são duas contas pequeninas/ São duas pedras preciosas/ Que brilham mais que o luar/ São eles guias do meu caminho escuro/ Cheios de desilusão e dor/ Quisera que eles soubessem/ O que representam pra mim/ Fazendo com que eu prossiga feliz/ Ai, amor, a luz dos teus olhos”. Nesse caso, meu caro amigo e minha amantíssima amiga, que falta fazem as rimas? .

Mas o certo é que muitos que se dizem poetas aproveitam a rasa maré vigente para enganar os incautos e a si mesmos com versinhos sem sentido, metidos a besta, liberados que são pelo habeas corpus da chamada licença poética. Desses, que muitos os há por aí, lamento dizer, não dá pra gostar.

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