4 de setembro de 1939
Rubem Braga
Nestes dias em que a guerra começa, ando eu mergulhado no trabalho de traduzir, para o José Olympio, um livro de Cronin, o autor de A Cidadela. O livro tem um título lírico – sob o olhar das estrelas – mas não tem duas linhas sequer de divagações líricas. É vivo e realista. Conta a história de uns mineiros do Norte da Inglaterra. A ação começa antes da Grande Guerra e acaba depois. Não aparece uma única cena de guerra, mas nem por isso ela deixa de estar presente, influindo sobre os personagens que embarcam para a França e mesmo sobre os que não embarcam. Há o caso interessante de um rapaz que fez “objeção de consciência” para não ir à guerra. Havia na Inglaterra daquele tempo milhares de jovens que se negaram a combater não por medo – era preciso mais coragem para ficar do que para irmos por motivos espirituais. Arthur Barras, o filho de um proprietário de mina de carvão, é um deles. E tem de comparecer perante um tribunal presidido pelo próprio pai. Os outros membros do tribunal são: um açougueiro, um militar e um pastor protestante. O açougueiro, um tal Ramage, homem truculento de pescoço taurino, interroga:
– Por que se nega a combater?
– Não quero matar meus semelhantes.
– Mas, por quê?
– Minha consciência se recusa a isso.
Há um silêncio, e depois Ramage observa rudemente:
– Consciência demais sempre faz mal a uma pessoa.
Aí o reverendo intervém, olhando paternalmente o acusado:
– Vamos ver uma coisa. Você não é cristão? Não há nada, na religião cristã, que proíba matar legitimamente pela salvação do país.
– Não há assassinato legítimo.
– Como?
– Não consigo imaginar Jesus Cristo metendo uma baioneta na barriga de um soldado alemão. Não posso imaginar Jesus atrás de uma metralhadora derrubando homens inocentes.
O reverendo Low fica vermelho:
– Isso é uma blasfêmia!
Depois é o próprio pai que interroga. Em certo momento explica ao filho:
– Fazemos esta guerra para que seja a última.
– É o que sempre se diz. É o que se repetirá mais tarde para que os homens se trucidem, quando rebentar a próxima guerra!
Depois vem um rápido interrogatório do militar – e Arthur Barras acaba condenado a dois anos de cadeia, com trabalhos forçados.
Está visto que Arthur tinha razão – mas seu gesto não teve força nenhuma para deter a guerra, nem para evitar esta outra, que aí está. Nem muito menos para evitar que outro personagem – o bravo Joe Gowland – ficasse podre de rico dirigindo uma fábrica de munição.
Uma fada no front. Porto Alegre, Artes e Ofícios.