No Dicionário Marielle Franco, as lutas para democratizar o Ensino Superior através dos pré-vestibulares. Eles vão além do conteúdo curricular: tornam-se espaço de afetos e resistências — e instigam jovens periféricos a se conectar ao mundo
O ano de 2022 será decisivo em vários aspectos. No contexto das campanhas eleitorais, campanhas para as juventudes participarem da política também se somam, através de artistas, ativistas e educadores, a uma onda de necessária conscientização sobre a importância das eleições deste ano para o Brasil. E é também neste momento que a comunicação com as juventudes e o próprio acesso a uma educação crítica e transformadora ganham destaque no debate público: 2022 é o ano da implementação do Novo Ensino Médio, e da revisão da política de cotas nas universidades públicas.
A “lei de cotas” – como popularmente é conhecida – foi sancionada em agosto de 2012, após experiências consideradas satisfatórias em instituições públicas de ensino superior. O texto prevê que: i) 50% das vagas oferecidas em cada curso de graduação devem ser destinadas a alunos que cursaram o ensino médio integralmente na rede pública; ii) dessas vagas, pelo menos 50% devem ser preenchidas por estudantes com renda familiar per capita inferior a 1,5 salário mínimo; iii) o preenchimento dessas vagas deve seguir a mesma proporção de pessoas pretas, pardas, indígenas e com deficiência da unidade da Federação onde fica instituição de ensino, seguindo os dados do censo mais recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nestas duas décadas, houve um aumento de 9,8% no número de estudantes negros e pardos, de 10,7% de estudantes de escolas públicas e 14,9% de estudantes de nível socioeconômico mais baixo em universidades, segundo a revista Economics of Education. Além disso, pela primeira vez na história, a maior universidade pública do país, a Universidade de São Paulo (USP), tem mais alunos que vieram de escolas públicas. Em 2021, eles foram 51,7% do total de estudantes. Alguns desses resultados podem ser acompanhados através do verbete “Ações Afirmativas no acesso ao Ensino Superior”, de Laís Müller. Parlamentares favoráveis à pauta, por exemplo, têm receio de que o debate em meio à campanha eleitoral deste ano provoque “retrocesso” na lei e defendem o adiamento da revisão.
Ao mesmo tempo, os caminhos que levam os jovens ao ensino superior, para além do filtro social do vestibular, têm sido mais afunilados. O Novo Ensino Médio é resultado da alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBI) por meio da lei 13.415, de 16 de fevereiro de 2017, e começa a ser implementado de forma gradual a partir deste ano nas redes públicas de ensino. Entre as mudanças, estão o aumento da carga horária, uma nova grade curricular pautada em “itinerários formativos” e um ensino voltado para a formação técnica e profissional. Sem diálogo com professores(as) e estudantes(as), parte das mudanças dão margem ao desenvolvimento de currículos muito distintos entre os estados e, assim, podem aprofundar a desigualdade educacional regional, sobretudo para jovens pobres e periféricos.
No centro dessa disputa sobre os rumos da educação brasileira, é fundamental considerar a influência de um dos mais importantes movimentos populares do Brasil do começo do século XXI: o movimento de pré-vestibulares populares, ou pré-vestibulares comunitários. Desde os anos 2000, acompanhando a criação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e fortalecendo as lutas pela democratização do acesso ao ensino superior no país, os pré-vestibulares populares emergiram e se consolidaram como espaços fundamentais de formação profissional e cidadã, onde as juventudes periféricas se conectam não apenas com os conteúdos curriculares mas com o mundo à sua volta. É, inclusive, na atuação de pré-vestibulares populares nas favelas e periferias do país, por meio de iniciativas da sociedade civil organizada, que a política de cotas encontra seus resultados – levando mais jovens pretos e pretas para as cadeiras das universidades. Como aponta Angela Cristina da Silva Santos, do Fórum de Pré-Vestibulares Populares do Rio de Janeiro, “a atuação dos pré-vestibulares populares tem sido extremamente importante, tanto na formação política desses sujeitos, quanto na contribuição para que eles acessem à educação superior e se desenvolvam na educação, pesquisa e extensão, resgatando ou construindo novas epistemologias”. A formação política é indissociável da prática de pré-vestibulares populares, atuando também na cena política nacional como ator político na defesa da inclusão racial e social dos jovens das periferias, como é o caso da Rede Educafro.
No Dicionário de Favelas Marielle Franco, damos especial atenção a esta temática e pretendemos continuar construindo estratégias para acessar, permanecer e transformar o espaço universitário. Na primeira edição do projeto “Tamo Junto!” – que envolveu formação e capacitação técnica para coletivos de favelas e periferias do Rio de Janeiro, em 2021 -, tivemos como participantes algumas iniciativas promissoras no campo da educação popular, como o Instituto Entre o Céu e a Favela (Providência); o Marginal Coletivo (Cidade de Deus); o Coletivo Piracema (Santa Cruz); o Só Cria (Rocinha); e o Brota na Laje (Borel). A experiência da Rede Só Cria de Educação Popular foi documentada em verbete, trazendo relatos de jovens que passaram pelo curso e acessaram a universidade. Além desta, outras experiências são também contadas em nossa plataforma, como a do coletivo Núcleo Independente Comunitário de Aprendizagem (NICA), do Jacarezinho, e o pioneiro Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré, que atua há mais de 30 anos no Complexo da Maré, tendo formado a vereadora Marielle Franco e a deputada estadual Renata Souza, dentre outras.
Educação popular e comunicação popular andam juntas no processo de formação política das juventudes periféricas. Em um momento decisivo para a construção de alternativas para o futuro, o acesso à educação de qualidade deve ser prioridade para as políticas de garantia dos direitos de cidadania. No episódio #20 do programa “Papo na Laje”, parceiro do Dicionário de Favelas Marielle Franco, Cleiton Chagas, professor de história e educador popular, reafirma:
“Eu acredito na importância da educação popular. Então a gente poder garantir um ensino de qualidade pra fazer com que esse jovem periférico, pobre, que teve um ensino às vezes muito deficiente e possibilitá-lo a entrar na universidade, é o nosso maior sonho, o nosso maior objetivo (…) Além disso, a gente quer formar cidadãos, cidadãos com pensamento crítico, para refletir sobre o lugar em que eles se encontram”.
Nesse contexto, se de alguma forma os pré-vestibulares populares conseguem suprir as lacunas de conteúdo e de desenvolvimento acadêmico que a desfinanciada rede pública de educação oferece para o jovem favelado e periférico, não basta passar no vestibular: é preciso conseguir permanecer na Universidade por cerca de quatro anos. Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep)1 apontam que os cortes orçamentários nas políticas de assistência e moradia estudantil, que têm acompanhado a conjuntura de enxugamento dos gastos sociais no país desde 2016, têm afetado diretamente a capacidade dos estudantes de baixa renda de se deslocar, se alimentar e dedicar tempo aos estudos. Da necessidade de conciliar emprego, estágio e aulas (muitas vezes oferecidas apenas em turno diurno) à sobrecarga emocional de manter um bom desempenho acadêmico em contextos de discriminação racial e social, são inúmeros os desafios que esses jovens enfrentam da porta para dentro das universidades brasileiras.
Diante de um cenário no qual o próprio ministro da Educação chegou a afirmar que a universidade “deve ser para poucos”, os pré-vestibulares populares representam um dos mais importantes espaços de resistência aos retrocessos que a educação superior vem enfrentando no país. Com o objetivo de dar destaque e reconhecimento a estas iniciativas em diferentes favelas e periferias do Rio de Janeiro, abaixo apresentamos brevemente a pesquisa da ex-professora e coordenadora do CEASM – Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré, Angela Cristina da Silva Santos, resultado de sua dissertação de mestrado, “Pensando estratégias para o enfrentamento da evasão em pré-vestibulares populares: um estudo de caso na Maré – Rio de Janeiro/RJ”, defendida em 2020 na UFRJ, que traz um mapeamento dos pré-vestibulares populares no Rio de Janeiro, algumas de suas atividades e também seus desafios. (Seleção e introdução: Dicionário de Favelas Marielle Franco)
Pré-vestibulares populares no Rio de Janeiro
Historicamente as políticas públicas para a Educação Superior no Brasil têm demonstrado a ineficiência do Estado na gerência, financiamento e concretização do direito social e inalienável que é a educação. Se, por um lado, o Estado não tem disponibilizado recursos e investimentos suficientes para a educação pública de nível superior; por outro, ampliou as possibilidades para que o setor privado se estabelecesse no campo educacional, contribuindo para que a educação superior seja concebida como um serviço, regido pelas leis de mercado, e não como um bem social garantido a todos pela Constituição Brasileira.
Essas escolhas políticas feitas ao longo da história do Brasil refletem em fatores como: o crescimento descontrolado e sem a fiscalização adequada do setor privado, atingindo 75% das matrículas na educação superior; o contexto de lutas constantes das Instituições de Ensino Superior públicas pelos recursos humanos, estruturais e financeiros necessários para atender adequadamente suas diversas demandas na tríade ensino, pesquisa e extensão; a exclusão de diversos jovens das classes populares, que não conseguem dar prosseguimento aos seus estudos na graduação e pós-graduação.
Nesse sentido, concordamos com Paulo Freire de que não há esperança no esperar e, sabendo que não é possível esperar que a democratização do acesso à educação se concretize, as classes populares têm de esperançar-se e organizar-se para encontrar as brechas possíveis na defesa da educação como um direito de todos. Surgem, portanto, os pré-vestibulares populares, espaços alternativos de luta pela inclusão e permanência de pessoas das camadas populares na educação superior. Assim, apesar de sabermos que a escola, a universidade e mesmo a educação não darão conta de resolver os problemas socioeconômicos que vêm se acumulando há anos no Brasil, entendemos que o acesso à educação pode impulsionar, gradativamente, a sociedade para questionar esse sistema que nos uniformiza, subjuga, aliena, explora e mata.
Além disso, consideramos que a população precisa se apropriar dos códigos linguísticos e dos conhecimentos existentes nesses espaços de educação formal para que se ampliem as possibilidades de melhorar as condições de vida, atuar politicamente na sociedade e construir uma formação crítica. Como a universidade pública constitui os saberes acumulados historicamente pelos diversos grupos sociais que constituíram e constituem nossa sociedade, é dever dessa universidade democratizar o acesso a esses conhecimentos e, ao mesmo tempo, construir processos de valorização e divulgação dos saberes não-hegemônicos (história, cultura, produções da população africana e afrodescendentes e indígenas, por exemplo), que têm sido negados à população.
Sabemos que a universidade não foi pensada e construída para a ocupação das classes populares. No entanto, o espaço universitário também é um espaço de contradições, ambiguidades e disputas de narrativas. Por isso, a atuação dos pré-vestibulares populares tem sido extremamente importante, tanto na formação política desses sujeitos, quanto na contribuição para que eles acessem à educação superior e se desenvolvam na educação, pesquisa e extensão, resgatando ou construindo novas epistemologias. Portanto, devemos continuar construindo estratégias para acessar, permanecer e transformar o espaço universitário.
Mapeamento de pré-vestibulares populares
As informações referentes à quantidade de pré-vestibulares populares existentes no estado do Rio de Janeiro são imprecisas, já que não existe uma organização, coletivo ou grupo de pesquisa responsável por esse levantamento e acompanhamento sistemático e contínuo. Além disso, sabemos que muitos pré-vestibulares populares – por serem iniciativas coletivas, não institucionalizadas, sem financiamento e que dependem do trabalho voluntário – enfrentam diversas dificuldades para dar continuidade aos trabalhos ao longo dos anos, oscilando entre períodos com maior e menor engajamento dos voluntários, procura dos estudantes e apoio local. Por isso, o número de pré-vestibulares populares ativos pode variar bastante de um ano para outro, assim como o local onde esses projetos são desenvolvidos.
Este mapeamento foi construído a partir da pesquisa de mestrado intitulada “Pensando estratégias para o enfrentamento da evasão em pré-vestibulares populares: um estudo de caso na Maré – Rio de Janeiro/RJ”, de autoria de Angela Cristina da Silva Santos, desenvolvida sob a orientação de Priscila Saemi Matsunaga, no Programa de Pós-graduação em Tecnologia para o Desenvolvimento Social – NIDES/UFRJ, no período de 2018 a 2020.
Para que o pré-vestibular popular fosse contabilizado no levantamento, foram elencadas duas situações: 1) Pré-vestibular ativo nos anos de 2018 ou 2019 e 2) Pré-vestibular iniciando suas atividades no ano de 2020. Para delimitar esses critérios de seleção, levamos em consideração a instabilidade das ações dos pré-vestibulares populares, que podem ficar inativos por 1 ou 2 anos e depois retornar suas atividades, dada a rede de apoio que já possuem. Consideramos como unidade de contagem cada núcleo, unidade ou sede de pré-vestibular popular em endereço diferente. Como há algumas redes que possuem algumas unidades espalhadas pelo território do Rio de Janeiro, cada núcleo foi contabilizado como uma unidade de pré-vestibular popular.
Os pré-vestibulares populares encontrados nesse levantamento foram separados de acordo com as oito divisões regionais de governo e municípios do estado do Rio de Janeiro: I. Região Metropolitana do Rio de Janeiro; II. Região Centro-Sul Fluminense; III. Região Noroeste Fluminense; IV. Região Norte Fluminense; V. Região Serrana; VI. Região da Costa Verde; VII. Região das Baixadas Litorâneas; e VIII. Região do Médio Paraíba.
Conseguimos mapear 352 unidades de pré-vestibulares populares no estado do Rio de Janeiro. A Região Metropolitana, que inclui a Baixada Fluminense e o Leste Fluminense, concentra 84% dos pré-vestibulares populares mapeados nessa pesquisa (tabela 1), com destaque para a cidade do Rio de Janeiro, como verificaremos em seguida.
Na Região Metropolitana, encontramos 295 unidades de pré-vestibulares populares, das quais 60% estavam localizadas na cidade do Rio de Janeiro, conforme podemos ver na tabela 2.
Nos municípios de Duque de Caxias, Niterói, Nova Iguaçu, São Gonçalo e São João de Meriti, a quantidade de pré-vestibulares populares encontrados variou de 13 a 21 unidades, conforme apresentado na tabela 3. Depois do Rio de Janeiro, esses são os municípios mais populosos da região metropolitana. Houve municípios nos quais não conseguimos localizar nenhum pré-vestibular popular: Cachoeira de Macacu e Japeri.
Na cidade do Rio de Janeiro, localizamos 177 pré-vestibulares populares, com destaque para a Zona Norte (47%) e Zona Oeste (31%), que são as regiões mais afetadas pelas desigualdades sociais da cidade (tabela 4).
A maior concentração desses projetos estava no bairro de Campo Grande com 11 unidades de pré-vestibulares, seguido do Centro (8), Jacarepaguá (6), Tijuca (6), Cidade Universitária (5), Santa Cruz (5), Botafogo (4), Gávea (4), Maré (4) e Realengo (4). Cabe ressaltar que Campo Grande é o maior bairro da cidade do Rio de Janeiro com uma população de aproximadamente 336 mil habitantes.
Cabe ressaltar a necessidade de complementação e atualização desse trabalho de mapeamento, visto que há pré-vestibulares populares que atuam numa escala estritamente local (em associações, colégios, igrejas clubes etc) e não possuem redes sociais ou outras formas de divulgação virtual de seus trabalhos. Portanto, caberia uma interlocução com os equipamentos educacionais, culturais e de assistência social dos municípios e bairros para averiguação de outras iniciativas populares de preparação para os vestibulares.[1]
Principais características: atividades e perfil de alunos/as
Um questionário foi enviado para cerca de 375 contatos de e-mails, onde foi possível explicar o objetivo da pesquisa e solicitar colaboração e divulgação. Além disso, realizamos um segundo contato com cada um dos participantes, para lembrar da importância da participação. O WhatsApp também foi uma ferramenta importante para engajar a participação das pessoas, por meio de contato com coordenadores dos projetos. Por fim, realizamos uma publicação no Facebook, divulgando a pesquisa e pedindo a participação do público. Puderam responder o questionário alunos, ex-alunos, professores, ex-professores, colaboradores, ex-colaboradores, coordenadores, ex-coordenadores e diretores. Dessa forma, tivemos a participação de 128 pessoas, oriundas de 83 unidades de pré-vestibulares populares diferentes, das quais 64% eram coordenadores ou diretores dos pré-vestibulares populares.
Dos 128 respondentes do questionário, 82 eram coordenadores ou diretores de pré-vestibular popular e puderam dar mais informações sobre a estrutura dos projetos. Quando esses coordenadores e diretores foram questionados sobre as pessoas e grupos que compunham o projeto, 61 deles afirmaram que a composição era de ex-alunos do próprio pré-vestibular ou moradores da localidade que atuavam no projeto junto com outros grupos. Isso mostra que há uma tendência de criação de vínculos com a comunidade local e que os projetos apostam nessa construção de consciência coletiva e laços afetivos com seus estudantes, para que eles possam retornar ao projeto após aprovação nas universidades. Os outros 21 respondentes pontuaram a participação isolada ou em conjunto de alguns grupos, tais como: universitários integrantes de projeto de extensão, universitários sem vínculo com projeto de extensão, professores de escola, integrantes do movimento estudantil, voluntários que conheceram e gostaram do projeto, membro de grupos religiosos e/ou igreja, integrantes de um determinado coletivo e funcionários/servidores da instituição a qual está associado o pré-vestibular.
Dentre os pré-vestibulares populares participantes, o mais antigo foi fundado em 1992, o Pré-vestibular Comunitário Solano Trindade. Os 10 pré-vestibulares mais novos foram criados em 2019 e serão listados a seguir: Preparatório São Miguel, Pré-vestibular Brota na Laje, Pré-vestibular Comunitário Çape-Typa, Pré-vestibular Comunitário da Paróquia Nossa senhora da Conceição, Pré-vestibular Comunitário Esperança Garcia, Pré-vestibular Comunitário Marielle Franco, Pré-vestibular do Núcleo Independente e Comunitário de Aprendizagem (NICA), Pré-vestibular Popular Nós, Pré-vestibular Social Professor José Azevedo Tiúba e Só Cria Pré-vestibular Popular da Rocinha. Como apontado anteriormente, a conformação dos pré-vestibulares populares que participaram da pesquisa é diversa. Há pré-vestibulares populares independentes, que são organizados e geridos pelos colaboradores do projeto, sem que pertençam a nenhuma instituição ou coletivo específicos. Assim como há aqueles que são construídos a partir de coletivos, associações e movimentos sociais, ou em parcerias com esses, tais como: Associação de Moradores e Amigos do Bosque dos Caboclos, Associação de Moradores e Amigos da Vila Residencial da UFRJ, Movimento de Organização de Base, Coletivo Rexistir Campo Grande, Coletivo Tudo Numa Coisa Só, Coletivo Direito popular, Coletivo Fala Akari, SINTUPERJ, Biblioteca Comunitária do Engenho do Mato (BEM), Brigadas Populares, Movimenta Rocinha, Levante Popular da Juventude, TV Tagarela da Rocinha.
Tivemos a participação de pré-vestibulares populares ofertados ou organizados em parceria com Organizações Não Governamentais, tais como: Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (CEASM), Redes da Maré, Instituto Vida Real, Projeto de Ensino Cultural e Educação Popular (PECEP), Agência de Notícias das Favelas (ANF), Instituto Caminhantes, Instituto Edwirges, Novo Rumo Obras Sociais, Sociedade Brasileira para Solidariedade (SBS), Fórum Grita Baixada, Educafro e União de Núcleos de Educação Popular para Negras/os e Classe Trabalhadora (Uneafro). Houve também a contribuição de pré-vestibulares populares vinculados a instituições de ensino públicas e privadas – UFRJ, UERJ, UFF, UniRio, Cefet, Fiocruz, CEDERJ, PUC-Rio, Centro Educacional Anísio Teixeira (CEAT) – e outros que eram promovidos por igrejas católicas, igrejas evangélicas e outras instituições religiosas como a Casa Ilé Asé Ògún Àlákòró. Por fim, encontramos também pré-vestibulares vinculados a movimentos oriundos do Partido Socialismo e Liberdade (Psol).
A maioria dos pré-vestibulares populares participantes da pesquisa (55%) não estipula nenhum valor de contribuição mensal para os estudantes, enquanto que 45% sugere contribuições mensais que variam de 10 reais até 10% do salário mínimo (que atualmente corresponderia a cerca de 100 reais). A média dos valores de contribuição sugeridos estaria em torno de 43 reais. No entanto, muitos respondentes pontuaram que a contribuição acaba por ser optativa, na medida que uma parte dos educandos fica isenta da contribuição, por não ter condições de pagar, e outra parte deixa de contribuir ao longo do ano. A capacidade de atendimento dos pré-vestibulares participantes da pesquisa também variou bastante. Tivemos a participação do Pré-vestibular Brota na Laje, que admitiu 15 estudantes no ano de 2019. Ao mesmo tempo, o Pré-vestibular Social Doutor Luiz Gama (UFF) atendeu 500 estudantes no mesmo período. O número de vagas disponibilizado para matrícula dos estudantes depende bastante da estrutura física e dos recursos pessoais e financeiros do projeto. De acordo com as informações fornecidas pelos respondentes, a média de vagas ofertadas por pré-vestibular no ano de 2019 estaria em torno de 85 vagas.
A maioria dos projetos atua em apenas uma localidade ou sede, ofertando de uma a quatro turmas. No entanto, há pré-vestibulares populares que atuam em mais de uma sede como, por exemplo, as unidades da Rede Emancipa, +Nós, Redes da Maré, Educafro, Pré-vestibular Paulo Freire, Preparatório para o Enem da UFRRJ e Pré-vestibular Popular Educação para o Desenvolvimento (NIDES/UFRJ). O Pré-vestibular Social CEDERJ é a maior rede de pré-vestibulares populares, com 53 unidades espalhadas pelo Estado do Rio de Janeiro, sendo o projeto que mais consegue alcançar os municípios do interior do estado.
A evasão dos estudantes é um dos principais problemas enfrentados pelos pré-vestibulares populares. Além disso, os participantes da pesquisa pontuaram outros problemas que dificultam o desenvolvimento das ações dos projetos. A maioria dos problemas estão relacionados a falta de recursos financeiros para viabilizar demandas.
Segundo as informações compartilhadas pelos participantes da pesquisa, o perfil discente dos pré-vestibulares populares seria composto majoritariamente por mulheres, jovens, negras, oriundas de famílias das classes populares, moradoras das comunidades e arredores de onde os pré-vestibulares funcionam e estudantes do último ano ou que acabaram de terminar o Ensino Médio na rede pública. No entanto, também há a participação, em menor proporção, de educandos que são maiores de 29, trabalhadores, responsáveis por famílias e que finalizaram o ensino básico há algum tempo.
Estratégias para enfrentamento da evasão escolar
Compreendemos a relevância de avançar um pouco mais e possibilitar a construção de um panorama mais amplo sobre o fenômeno da evasão em pré-vestibulares populares, no que diz respeito às suas características e as possibilidades de enfrentamento desse problema. Para isso, realizamos um estudo de caso no Pré-vestibular Comunitário do Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (CEASM) e um levantamento das percepções sobre evasão de integrantes de pré-vestibulares populares do estado do Rio de Janeiro. A partir desse entrelaçamento de experiências e reflexões, pudemos construir a presente cartilha.
Compreendemos a evasão de pré-vestibulares populares como um fenômeno complexo, dinâmico e cumulativo, que é influenciado por múltiplas variáveis de caráter objetivo e subjetivo. Assim, a proposta da cartilha é oferecer um arcabouço amplo de ações que possam ser desenvolvidas, avaliadas e aprimoradas pelos pré-vestibulares populares, no intuito de favorecer uma maior permanência do(a)s educando(a)s nos projetos e possibilitar a reconquista do(a)s educando(a)s evadido(a)s, propiciando um maior alcance desses projetos entre a juventude dos espaços favelados e periféricos.
- Sensibilização inicial dos educandos
- Apoiando e acompanhando os educandos
- Construindo conexões afetivas
- Pensando as questões de ensino e aprendizado
- Construindo uma comunicação engajada
- Trazendo o vestibular para o jogo
- Enfrentando as dificuldades financeiras
- Construindo redes de apoio e parceria
A escolha das estratégias que serão desenvolvidas por cada pré-vestibular popular dependerá de localização do curso, do projeto político-pedagógico, da estrutura física disponível, do tamanho e composição da equipe de colaboradores, da dinâmica de organização e gestão do projeto, dos recursos financeiros possíveis de serem arrecadados, do engajamento coletivo. Por isso, cada proposta deve ser discutida, planejada e validada coletivamente a cada ano.
Ressaltamos a importância da realização conjunta de ações nas oito áreas apresentadas na cartilha, já que a evasão é causada por diferentes fatores que se conjugam em diferentes escalas. Por fim, destacamos a necessidade de persistência e (re)avaliação periódica das estratégias adotadas, visto que há melhorias no desenvolvimento das ações de um ano para outro, e de acompanhamento sistemático a médio (3 – 5 anos) e longo prazo (6 – 10 anos) das estratégias assumidas pelo coletivo, podendo o próprio coletivo desenvolver pesquisas sobre a temática.
1 https://theintercept.com/2022/03/22/universidade-corte-auxilio-educacao-baixa-renda/