Brasil deixa milhares de cientistas no limbo

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
No momento em que ciência se mostra mais valiosa, governo nega bolsa a trabalhos de mais de 2.500 pesquisadores, inclusive ligados à covid. Cenário deixa muitos dos cérebros mais qualificados do país desempregados.

Entre seus muitos paradoxos, o Brasil hoje reforça o desmonte da pesquisa científica exatamente numa conjuntura global em que a covid-19 provou o quão crucial é a ciência para a humanidade. Em 2021, apenas 12,8% de 3.080 projetos de pós-doutorado no país vão receber bolsas de pesquisa científica. Ou seja, somente 396 pesquisadores poderão dar continuidade a seus estudos acadêmicos. 

As bolsas para os profissionais mais especializados do país são concedidas pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), órgão ligado a Ministério da Ciência e Tecnologia. É o CNPq que viabiliza o avanço de pesquisas científicas no Brasil com o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC). O valor das bolsas varia, sendo de R$ 2.200 para doutorado e de R$ 4.100 a R$ 5.200 para pós-doutorado.

O único edital lançado em 2021 reservou um montante orçamentário baixo para as bolsas já na largada, de apenas R$ 35 milhões. Entre as 4.279 propostas submetidas à análise do CNPq, 3.080 foram “avaliadas com mérito”, mas apenas 396 aprovados por conta de “limites orçamentários”, informou o Conselho à DW Brasil.

A divulgação do resultado do edital, no início desta semana, surpreendeu os pesquisadores brasileiros que, indignados, começaram a se organizar para tentar alguma reversão institucional da situação, cobrando respostas do governo.

Na prática, 2.684 projetos foram selecionados, mas não receberão verbas. Os pesquisadores denunciam que inúmeros projetos de pesquisas inovadoras deixarão de ser conduzidas, inclusive relacionadas ao desenvolvimento de fármacos para o combate da covid-19. 

Impacto

A área de humanas é a que sofre o maior impacto, o que não é uma novidade para os pesquisadores, dado o desprezo do governo atual pelo setor. Além de pesquisas relacionados à covid-19, os projetos abordavam também tratamento de câncer, energias renováveis, contenção da malária, tecnologias de mobilidade elétrica, agroecologia, astronomia, física, astrofísica estelar, geociências, psicanálise, teoria literária, políticas internacionais, cinema, comunicação, entre outras áreas.

Além do corte brutal, os pesquisadores alertam, ainda, que nem mesmo o montante previsto de R$ 35 milhões foi liberado. “A chamada previa um total de R$ 35 milhões. Para as bolsas no país, foi aprovado o valor global de R$ 23.455.000,00. O saldo é para as bolsas no exterior, a serem divulgadas quando o cenário de pandemia for mais adequado”, justificou a coordenação de comunicação do CNPq.

“Sou altamente especializado e não tenho como trabalhar, nem me sustentar aqui. Eu vou viver de bico. Estou desempregado. Se surgir oportunidade, vou deixar o Brasil. Infelizmente, a situação aqui está cada vez mais difícil. O rumo econômico do país é não investir mais em ciência e tecnologia”, lamenta o geólogo Guilherme Loriato Potratz, 30 anos. Ele tornou-se uma espécie de porta-voz do movimento de pesquisadores que tiveram as bolsas vetadas. 

“Meu projeto foi aprovado, teve o mérito reconhecido, porém fora do limite orçamentário”, complementa Potratz, que é formado pela Universidade Federal do Espírito Santo, fez mestrado e doutorado na Uerj, no Rio de Janeiro, e tem especialização em geologia e Inteligência Artificial (IA) pela PUC-Rio. O projeto de pós-doutorado que prevê o uso da IA para solucionar problemas geológicos foi interrompido.

“Pesquisadores com qualificação altíssima podem ter como única opção virar motorista de carro em aplicativos. E todo o investimento feito nesta pessoa, com mestrado, doutorado, vai para o lixo. O que está acontecendo com o setor de pesquisa do Brasil é completamente desastroso. E o pior: o Brasil tem um fundo constitucional para a ciência e tecnologia, FNDTC, mas os recursos não são utilizados”, denuncia o geólogo. Segundo ele, desde o governo de Dilma Rousseff (PT) os cortes em pesquisa começaram a ser mais significativos, prosseguindo a queda nos governos de Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (sem partido).

Reação

Presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado Federal, o senador Rodrigo Cunha (PSDB-AL) reconhece que a retração de investimentos para pesquisas é um problema que se aprofunda no país. O parlamentar disse à DW Brasil que teve um encontro recente com o ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes. “O ministro compartilhou comigo a preocupação com relação às bolsas do CNPq, algo vital para a manutenção da vida acadêmica e da pesquisa nacional.” 

Segundo o senador, Pontes destacou que faz esforços para preservar “as 184 mil bolsas do CNPq”. Para que isso ocorra, segundo o presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia, é preciso liberar R$ 7 bilhões que estão represados no Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). O que o Congresso fez, com meu voto inclusive, foi vedar o contingenciamento do Fundo para financiar a pesquisa. Isso é o que está em vigor.

“A liberação de R$ 7 bilhões do fundo traz um alivio para o setor, e sem dúvida alguma para os nossos bolsistas. É importante frisar que como ainda estamos sem Orçamento, dada a necessidade de ajustes à peça orçamentária, sigo acompanhando de perto para garantir que o que o Congresso decidiu em relação à preservação da pesquisa e das bolsas seja mantido”, comenta o senador.

O Congresso Nacional aprovou, no final de 2020, um projeto de lei complementar impedindo o contingenciamento do fundo e sua utilização para outros fins que não a pesquisa científica. Bolsonaro, porém, vetou esses dispositivos da lei, e os recursos do FNDTC seguem represados.

“Esse é um assunto caro pra mim desde antes de assumir a Comissão de Ciência e Tecnologia. Nos últimos dois anos apresentei emendas à LDO proibindo o contingenciamento de recursos para pesquisas. Sei que o setor tem feito grande mobilização em torno da manutenção da pesquisa, que se faz ainda mais indispensável em meio a uma pandemia de proporções devastadoras, haja vista que a maior parte das instituições públicas de pesquisa do país depende do orçamento do ministério para financiar suas atividades”, afirmou o senador Cunha.

Os pesquisadores pretendem conseguir uma interlocução com o Congresso para tentar preservar a pesquisa científica no Brasil. O orçamento global do CNPq em  2020 foi de R$ 1,02 bilhão, e em 2021 foram reservados para a pesquisa científica apenas R$ 560 milhões. Os doutores e pós-doutores do país alertam que os cortes para a ciência refletem as prioridades deste governo. Eles citam reportagens recentes da imprensa brasileira que apontam um gasto de R$ 1,8 bilhão em alimentação do Poder Executivo no ano passado. Há uma previsão de arrecadação de R$ 5,3 bilhões para o FNDCT neste ano, mas R$ 4,8 bilhões deverão ser colocados em reserva de contingência pelo governo, ou seja, o ministério “segura” esses investimentos por restrições orçamentárias.

DW – Brasil

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