Abolição? Escravidão, capitalismo e cumplicidade do Estado

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
Escravizar é transformar o outro em uma ‘coisa’. Toda forma de trabalho escravo é trabalho degradante

O trabalho escravo atinge mais de 40 milhões de pessoas no mundo. Escravidão é relativo à condição de servidão com privação da liberdade. Escravizar é transformar o outro em uma “coisa”. Toda forma de trabalho escravo é trabalho degradante. Não se trata “apenas” de negação dos direitos trabalhistas.

A promulgação da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, decretou o fim do direito de propriedade de uma pessoa sobre outra. Escravizar uma pessoa é crime (Código Penal, Artigo 149) com pena de reclusão, de dois a oito anos, e multa e correspondente à violência. Pena aumentada se cometido contra criança. O fato de ser uma prática criminosa, portanto, clandestina, torna difícil determinar o número de pessoas escravizadas.

Porque o trabalho escravo persiste em pleno século XXI? A impunidade dos criminosos. Desemprego e a pobreza são terrenos férteis para a escravidão. Para garantir sobrevivência, milhares de pessoas são enganadas por falsas promessas de vida melhor. A ganância dos empregadores que escravizam pessoas conta com a cumplicidade do Estado.

Escravidão é categoria econômica. As conexões entre capitalismo e escravidão estão em todas as partes. A espoliação dos trabalhadores está na essência deste sistema desde suas origens, na conquista e colonização da América. A prioridade do capitalismo é acumulação de riqueza. Articula, para isso, formas antigas de violência com novas formas de espoliação.

A escravidão é alimentada pela divisão do trabalho das cadeias produtivas da economia que mantém a desigualdade social. “A escravidão assume sua forma mais odiosa . . . em uma situação de produção capitalista” (Karl Marx). A extensão do tempo de trabalho faz as pessoas escravizadas trabalharem, literalmente, até a morte. O capitalismo ajusta o trabalho escravo em função da acumulação de capital.

Em 2021, quase 2 mil pessoas foram resgatadas do trabalho escravo no Brasil. Aumento de 106% em relação ao ano anterior. Até abril deste ano, mais de 550 trabalhadores foram resgatados (Ministério do Trabalho e Previdência Social).

“O trabalho de pele branca não pode se emancipar onde o trabalho de pele negra é marcado a ferro” (Karl Marx). Quatro séculos de trabalho negro escravizado convivendo com trabalho branco livre deixou marcas profundas. Trabalho escravo tem cor predominante. Dos resgatados em 2021, 80% se autodeclararam negros.

A escravização de mulheres vem crescendo. Foram 27 resgates em 2021. Domésticas escravizadas por família abastadas escravocratas! Retrato dos ricos do Brasil. A perversidade econômico-social iniciada na escravização colonial se perpetua. As modalidades de espoliação não cabem num catálogo.

Escravizar uma pessoa é crime! Execrável! Canalhice! A elite, com a cumplicidade do Estado, não tem escrúpulos em escravizar pessoas para aumentar suas riquezas. Estado e capitalismo tratam seres humanos como meros recursos econômicos. Somos um país corrompido por séculos de escravidão.

Fiscalização e criminalização do trabalho escravo são relevantes. Mas insuficientes. Em 2003, foi aprovado o primeiro Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo. Uma Proposta de Emenda Constitucional prevê o confisco de terras onde trabalho escravo fosse encontrado, suspensão de crédito agrícola dos condenados e criação de políticas de reintegração social dos escravizados. Que foi feito?

De “boas intenções” o Congresso Nacional (e o inferno) está cheio! Dezenove anos se passaram. Em 2017, o mesmo Congresso aprovou a Reforma trabalhista. O que se viu foi um recuo absurdo dos direitos trabalhistas, desmonte dos sindicatos, aumento do desemprego, queda exponencial da renda do trabalho. A bancada ruralista/agronegócio defende projetos que permitam que empresas paguem seus funcionários com “remuneração de qualquer espécie”, como comida e abrigo. Para ganhar mais dinheiro, querem transformar seres humanos desesperados em animais de trabalho. Diabólico!

O colapso do Estado Democrático de Direito se traduz no desprezo da Constituição. Como exigir do Estado medidas eficazes, como contratação de fiscais, prisão dos criminosos, e apoio às vítimas?

Como exigir a criação de empregos, reforma agrária, políticas públicas de apoio a pequenos agricultores, quilombolas e comunidades indígenas?

Cenário desolador! O trabalho retrocedeu para as mesmas condições do século XIX. O Brasil é governado por inimigos dos trabalhadores. Uma tragédia: o país chegou à marca de 40,2% de informalidade no mercado de trabalho no primeiro trimestre de 2022 (IBGE). Quase metade da população trabalha sem nenhuma garantia de direitos.

O capitalismo foi longe demais!

Se não somos capazes de eliminar o crime da escravidão, teremos condições de enfrentar a exploração predatória do trabalho? A defesa dos direitos dos trabalhadores é pauta inadiável em ano eleitoral. A abolição do trabalho escravo é condição para a (re)construção do país.

Os pobres precisam ser defendidos dessa barbárie. Não haverá democracia de fato enquanto houver seres humanos trabalhando como escravos. Denuncie o trabalho escravo: Sistema de Denúncias DETRAE/SIT (trabalho.gov.br) ou pelo Disque 100.

“Que haja trabalho para todos. Mas trabalho digno, não de escravo” (Papa Francisco). (por Élio Gasda)

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