Fusão, tokamaks e sustentabilidade

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
Ciência e a engenharia nos conduzirão à sustentabilidade

A fusão é a união de pequenos núcleos atômicos para formar outros maiores que liberam energia. Este é o mesmo processo que alimenta o sol. Alguns avanços significativos têm sido feitos no desenvolvimento de centrais termo nucleares, na tentativa de se utilizar o processo de fusão nuclear como uma alternativa para gerar energia limpa e sustentável. Embora avanços importantes também estejam acontecendo na geração de energia pelo processo de fissão nuclear, aqui o salto tecnológico que se busca alcançar é ainda maior. A tecnologia de fusão nuclear já vem sendo desenvolvida há décadas, mas ainda não alcançou viabilidade econômica uma vez que a energia gasta para gerar a reação ainda tem sido maior que a energia gerada pelos reatores. Mas este gap está diminuído e parece muito promissor o desenvolvimento de tokamaks esféricos compactos e sobre os quais explicaremos um pouco mais ao longo deste breve texto .

O processo de fusão envolve forçar partículas carregadas positivamente, e que normalmente se repelem, ao se juntar. Então isso só pode acontecer em temperaturas muito altas – mais de 100 milhões de graus celsius. Nessas altas temperaturas, os elétrons dos átomos se separam de seus núcleos para criar uma sopa de partículas carregadas que se movem muito rapidamente – um gás eletricamente carregado chamado plasma.

Em última análise, os combustíveis da reação de fusão serão dois isótopos1 de hidrogênio, deutério e trítio. A reação deutério-trítio (DT) é considerada o melhor ponto de partida para a geração de energia de fusão porque requer a temperatura mais baixa do plasma (cerca de 150 milhões de graus) para atingir um ganho de energia.

A fusão é a fonte de energia ideal porque é segura, os combustíveis são inesgotáveis e a reação não produz dióxido de carbono ou resíduos radioativos de longa duração. Além disso, uma planta de fusão não ocuparia muito espaço em comparação com as energias renováveis, que requerem uma grande área de superfície. O impacto disso para o desenvolvimento sustentável de nossa civilização é enorme.

A palavra “tokamak” é um acrônimo russo que significa “bobinas magnéticas de câmara toroidal“. Ou seja, o tokamak é um vaso toroidal – ou em forma de anel – com bobinas magnéticas que fazem uma armadilha para o plasma (mais adiante o diagrama da Figura 3 facilita a visualização destas bobinas assim como o significado da palavra toroidal). O plasma é aquecido por microondas ou poderosos injetores de partículas e deve ser estabilizado controlando cuidadosamente a forma dos campos magnéticos. Estes campos são necessários para conter o plasma cuja alta temperatura derreteria a própria estrutura do reator.

O tokamak convencional tem um formato que se assemelharia a uma “rosquinha”, enquanto o tokamak esférico (ST) é mais semelhante a uma maçã quando dela se retira o seu núcleo / caroço.

Figura 1

Tokamak convencional em operação no Instituto de Física da USP. Programa Nacional de Energia por Fusão

Figura 2

Diagrama de corte do Reator Termonuclear Experimental Internacional (ITER) International Thermonuclear Experimental Reactor, o maior tokamak do mundo, que começou a ser construído em 2013 e está projetado para entrar em operação plena em 2035. O objetivo é demonstrar que um reator de fusão prático é possível e produzirá 500 megawatts de potência. A figura humana azul na parte inferior mostra a escala.

No vídeo que se segue temos ainda a oportunidade para fazer uma visita virtual ao Tokamak experimental do MIT (Massachusetts Institute of Technology). Nas opções oferecidas pelo YouTube é possível colocar legendas em português.


Às vezes os termos mais técnicos podem assustar o leitor que não está acostumado com o assunto e acabam fazendo com que se afastem do tema o que é uma pena dada a sua importância.  Na verdade não há nenhum mistério, e com o esclarecimento de alguns poucos jargões, é possível ter uma visão bem holística do tema. Assim, por exemplo, vale a pena ter uma noção básica de como um tokamak convencional gera parte de seu campo magnético. E o diagrama abaixo ajuda a clarificar alguns termos:

Figura 3

Diagrama que mostra a direção poloidal, representada pela seta vermelha, e a direção toroidal, representada pela seta azul.

O campo magnético poloidal é criado conduzindo uma corrente toroidal, ou seja, uma corrente ao longo da coluna de plasma (toroidal). Essa corrente é acionada aumentando (ou diminuindo) a tensão de um solenoide2 central. Como comentamos mais acima, o tokamak convencional tem mais um formato de rosquinha, enquanto o tokamak esférico (ST) é mais semelhante a uma maçã quando dela se retira o núcleo e, portanto, tem menos espaço para um solenóide central. Isto significa que a corrente toroidal para gerar o campo magnético poloidal tem de ser conduzida por outros meios, e aquecimento por radiofrequência. Os termos toroidal e poloidal referem-se a direções relativas a um centro de referência. A direção poloidal segue um pequeno anel circular ao redor da superfície, enquanto a direção toroidal segue um grande anel circular ao redor de um vazio central.

Para tentar deixar ainda mais claro a figura abaixo mostra os formatos de rosquinha e de maçãs uma vez que dela se retire o núcleo: 

Figura 4

Um tokamak esférico é aquele que é comprimido de forma que se pareça mais com uma maçã sem caroço do que com um donut / rosquinha. Portanto, ele faz um uso mais eficiente do alto campo magnético no centro.

S.V. Mirnov Troitsk Institute for Innovation and Fusion Research (TRINITI): Do Spherical Tokamaks Have a Thermonuclear Future?
Vejam, caros leitores, que na apresentação da imagem acima há uma afirmação de que o formato esférico seria mais eficiente do que os tokamaks tradicionais e é exatamente este um dos pontos centrais que talvez possam nos levar ao salto tecnológico que buscamos há décadas. Uma nova análise de dados experimentais (Tokamak Energy) do Princeton Plasma Physics Laboratory e Culham Center for Fusion Energy demonstra que os tokamaks esféricos podem ter uma eficiência dez vezes maior do que os tokamaks convencionais, como o JET (Joint European Torus) e o Iter (“O caminho” em latim).

Na verdade, estes novos avanços científicos (ver Tokamak Energy) tem relação com o artigo de Alan Costley e Steven McNamara publicado em Plasma Physics and Controlled Fusion que mostra pela primeira vez como essa diferença de formato afeta o desempenho do reator. O artigo (revisada por pares – peer-reviewed) é um dos “mais lidos” da prestigiosa revista Plasma Physics and Controlled Fusion. Isso repete o sucesso de Alan Costley, que já havia liderado anteriormente as “mais lidas” com um artigo inovador de 2015 mostrando que os tokamaks não precisavam ser enormes para gerar energia.

O artigo indica como múltiplos desafios de engenharia ainda terão que ser superados para transformar a teoria em uma realidade que possibilite construir uma usina de fusão compacta. Por exemplo, supercondutores de alta temperatura (HTS) podem fornecer ímãs compactos de alto campo, e um progresso significativo está sendo feito com seu desenvolvimento na Tokamak Energy e em outros lugares. O projeto comprovado de ímãs HTS da Tokamak Energy parece ser  adequado exclusivamente para tokamaks esféricos. Os resultados deste último estudo de física e a nova tecnologia de ímã oferecem a tentadora possibilidade de um módulo de fusão compacto e de alto desempenho em uma escala de tempo relativamente curta. O próprio avanço recente do poder computacional e da inteligência artificial já estão dando e devem dar uma contribuição significativa naquilo que se refere ao próprio “domínio” sobre o plasma que é gerado. A física do plasma é muito complicada. Manter o plasma quente preso requer um bom entendimento de como ele se comporta. Com toda a pesquisa das últimas décadas, os físicos agora estão em uma posição melhor para melhorar o desempenho dos plasmas de fusão.

O poder de fusão que obtemos depende da eficiência da máquina, da força do campo magnético e do tamanho (volume) do vaso toroidal. A eficiência das máquinas e a força do campo magnético são limitadas pela tecnologia. Aumentar o tamanho parecia o único caminho a seguir. O mundo concordou em construir o tokamak gigante ITER na França. A construção está em andamento, mas o ITER ainda não estará operando por vários anos. Os tokamaks esféricos, por outro lado, embora promissores, também ainda têm desafios a serem vencidos. Em termos de estabilidade, o tokamak esférico se comporta de forma diferente do convencional. Outro ponto é a pequena distância das bobinas ao plasma no tokamak esférico, o que é problemático em uma situação onde você tem nêutrons (das reações de fusão) que precisam ser desacelerados para proteger as bobinas.

De toda forma, a alta eficiência é um requisito essencial para produzir eletricidade a partir de usinas de fusão compactas. Com sua compacta “maçã sem caroço” em vez de formato de rosquinha, os tokamaks esféricos são particularmente atraentes para a produção de energia de fusão. Eles operam em uma alta proporção de pressão de plasma em relação ao campo magnético e com altos valores de corrente de “bootstrap” auto-dirigida que surge espontaneamente dentro do plasma de fusão. Enfim, parece que estamos caminhando de um modo mais acelerado. O objetivo do qual não podemos abrir mão de forma alguma é o desenvolvimento sustentável. E é a ciência e a engenharia, com a extraordinária beleza a elas inerentes, que nos conduzirão a esta sustentabilidade.

[1]   Isótopos: São átomos de um mesmo elemento químico que possuem a mesma quantidade de prótons (mesmo número atômico), mas diferenciam-se pelo número de massa (A = prótons + nêutrons). O seu número de massa é diferente porque a quantidade de nêutrons no núcleo é diferente.

[2] Solenoide é apenas um termo usado para bobina de fio, como um eletroímã. … Em resumo: fio metálico condutor de corrente elétrica enrolado em hélice sobre um cilindro e que, percorrido por uma corrente, cria um campo magnético comparável ao de um ímã.

por Jose Antonio de Sousa Neto

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