Qual o estado da democarcia no Brasil? Veja as opiniões

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
“No nosso país, a democracia nunca foi respeitada de verdade”

Após uma sequência de crises políticas, um impeachment que parcela da população chama de golpe, reviravoltas em decisões do Supremo Tribunal Federal com impacto na disputa de poder e interferência das Forças Armadas na política, o Brasil chega a 2021 com um presidente da República que faz ameaças abertas de ruptura institucional. Para avaliar o estado da democracia do Brasil neste início de década, ouvimos representantes da sociedade civil, com atuação em diversas áreas. Leiam o que eles disseram:

ANDREA PACHÁ (Escritora e juíza)

Retrato da escritora e juíza Andrea Pachá

“A democracia que a gente experimenta hoje no Brasil, em 2021, é de baixa densidade. [O problema] não se trata do funcionamento burocrático das instituições ou de leis que garantam direitos fundamentais e princípios de igualdade, solidariedade e dignidade. A nossa Constituição é muito rica na formalização dos direitos humanos e garantias sociais. O problema é garantir a efetividade desses direitos. Os grupos mais vulneráveis têm sido excluídos da rede de proteção. E para que a democracia funcione adequadamente, o controle tem que ser impessoal, objetivo, republicano e com fortalecimento do Estado laico para impedir o retrocesso social. Quando políticas públicas de acesso à saúde, educação, justiça, arte e cultura são desmontadas, e quando os conselhos que garantem a igualdade de gênero e a igualdade racial são desconstruídos, seguramente a democracia é impactada. Democracia é matéria viva. E a gente tem que cuidar dela o tempo todo, todos os dias.”

ANNA MUYLAERT (Cineasta)

Retrato da cineasta Anna Muylaert

“Desde o golpe de 2016, a democracia saiu do trilho. Só que o golpe foi arquitetado para levar o poder de volta para um certo grupo e acabou na mão de um candidato zebra. E esse candidato desrespeita a democracia em todos os aspectos, é quase como um personagem louco. Mas o Congresso está apoiando isso, essa é a coisa mais grave da nossa situação atual. Não é só uma pessoa: tem um Congresso que não está aceitando os pedidos de impeachment, e deveria aceitar, porque vamos ter mais meio milhão de mortes se continuarmos com essa não-política — ou com essa necropolítica. Eu acho que, a médio e longo prazo, o que vai estabilizar a democracia brasileira é ter uma representação no Congresso espelhada [na composição] da sociedade. Ou seja: metade [do Congresso seria composta por] homens, metade por mulheres, com porcentagens de pretos e brancos iguais às da sociedade. No dia que tivermos um Congresso que espelha a sociedade, esse tipo de manipulação por parte das elites não vai ter como acontecer mais. No momento, nós estamos vivendo mais uma vez uma situação gravíssima a partir de manipulações de certos grupos que se acham donos da nação. Nós estamos vivendo um momento muito ruim.”

AILTON KRENAK (Escritor, líder indígena e ambientalista)

Retrato do escritor, líder indígena e ambientalista Ailton Krenak

“No nosso país, a democracia nunca foi respeitada de verdade. Houve sempre algum ensaio [de democracia]. O último foi na constituinte de 1988, quando o doutor Ulysses Guimarães disse que a gente agora tinha uma carta cidadã. Uma carta cidadã supõe que os governantes não cuspam na Constituição, não avacalhem com o texto constitucional. Quando isso acontece, a democracia parece uma florzinha roxa que só brota no coração dos ‘trouxas’.”

Elena Landau (Economista)

Retrato da economista Elena Landau

“Estamos passando por um momento muito difícil para a democracia brasileira, porque o presidente da República tira prazer cotidiano em desafiar a Constituição e desrespeitar os seus cidadãos. Ele vai contra os princípios da Constituição, tanto no que se refere ao equilíbrio entre os poderes, quanto à liberdade de expressão, à liberdade de imprensa e à dignidade da pessoa humana. O ataque ao Supremo Tribunal Federal, o desrespeito ao Congresso Nacional, o uso de expressões como o ‘meu Exército’, a apropriação de instituições do Estado como se fossem simplesmente apoio a questões pessoais dele e da família, o desrespeito ao meio ambiente, a mentira contumaz na condução da pandemia: é difícil escolher um único ataque à democracia brasileira. É um conjunto da obra. E também é um sintoma claro de fragilidade institucional que o Congresso Nacional não tenha dado ainda início a um processo de impedimento de um presidente que comete crime de responsabilidade a toda hora.”

Flávia Rios (Socióloga e professora na UFF (Universidade Federal Fluminense)

Retrato da socióloga e professora Flávia Rios

“As instituições brasileiras estão funcionando precariamente ou sequer estão funcionando. Um exemplo dramático dessa realidade é o Censo Demográfico, que deveria acontecer a cada dez anos, mas não ocorreu em 2020 devido à pandemia, e em 2021 sofreu cortes profundos, praticamente inviabilizando [sua realização]. Ora, o Censo é uma instituição central para a produção de políticas públicas e para o enfrentamento de desigualdades e da pobreza. Precisamos saber a realidade dos brasileiros, das brasileiras e das famílias em seus locais de moradia. Só o Censo Demográfico é capaz de realizar esse tipo de pesquisa. Então, nós temos uma situação dramática nesse país.”

Marcelo Knobel (Físico e ex-reitor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas)

Retrato do físico Marcelo Knobel

“Estamos mergulhados neste momento em uma crise sem precedentes, e o noticiário está tão carregado de notícias ruins. Nos últimos anos, temos vivido no Brasil um período de fortes ataques às universidades públicas, que vão desde acusações completamente infundadas até cortes substanciais em recursos para custeio, pesquisa e bolsas. Esses ataques têm ocorrido sistematicamente e surgem de diferentes esferas de governo e de diversos órgãos e instituições. Chama atenção o clima de acirramento, que, em muitos casos, extrapola o campo das ideias para entrar no terreno das hostilidades, que em nada contribuem para a consolidação de um regime democrático arduamente conquistado. Há diversos exemplos de interferência na autonomia universitária que ferem o artigo 207 da Constituição. Há também casos recentes de perseguições a professores que expressaram suas opiniões no âmbito de importantes debates contemporâneos. A liberdade de cátedra constitui condição indispensável para que as universidades cumpram sua missão de geração de conhecimento e formação de cidadãos nas mais diversas áreas. Afrontar o ambiente acadêmico com atitudes antidemocráticas e hostis compromete não apenas a missão primordial das instituições, mas sobretudo sua relação com a sociedade, que é a principal fiadora das universidades. Caso os ataques persistam, o Brasil corre sério risco de enveredar por um caminho de difícil retorno rumo à estagnação e ao obscurantismo. Assim, defender a liberdade acadêmica e a autonomia das universidades públicas significa zelar pelo futuro de um dos principais patrimônios do país.”

Zélia Amador (Escritora e professora na UFPA (Universidade Federal do Pará)

Retrato da escritora e professora Zélia Amador

“No Brasil, tivemos pouca experiência com a democracia desde que a República foi proclamada. A própria República, a Primeira República, era uma república de militares. Depois, mais recentemente, vivemos mais de 20 anos de uma ditadura militar. Agora, os militares estão no poder, ajudando o presidente Bolsonaro a destruir tudo que o movimento social democrático havia conseguido no período de 2003 a 2014. Não posso dizer que a gente está vivendo uma democracia plena. Aliás, democracia plena nós nunca vivemos no Brasil. Enquanto houver racismo, nós não teremos democracia plena. Uma das primeiras ações de um governo que entre no sentido de buscar democracia deve ser o combate ao racismo.”

Publicado originalmente no Nexo

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