A fiscalização identificou trabalho forçado e condições degradantes em canteiro de obras da montadora chinesa em Camaçari; tanto a empresa quanto a prestadora de serviços foram responsabilizadas
Trabalho escravo em plena era moderna: operação resgata operários chineses da escravidão em Camaçari
Uma força-tarefa realizada na manhã desta segunda-feira (23) pela fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego, em parceria com a Polícia Federal e outras entidades, resgatou 163 operários chineses em condições análogas à escravidão nas obras da montadora BYD, em Camaçari, na Bahia. A operação, que contou com a participação de 40 servidores, identificou não apenas jornadas exaustivas e precárias condições de alojamento, mas também trabalho forçado, configurando uma situação de escravidão contemporânea.
Condições degradantes e risco à saúde
De acordo com os auditores fiscais, os operários estavam sendo submetidos a condições de trabalho extremamente precárias. A jornada de trabalho era de 10 horas diárias, seis dias por semana, somando até 70 horas semanais – mais que o dobro do limite estabelecido pela legislação brasileira, que é de 44 horas semanais. Além disso, os alojamentos, onde os trabalhadores se amontoavam em espaços insalubres, estavam sem colchões adequados, com alimentos armazenados de maneira irregular e com banheiros precários. Um dos alojamentos tinha 31 trabalhadores para um único vaso sanitário, e a comida era servida em condições de higiene comprometidas.
Trabalho forçado e retenção de documentos
A fiscalização também identificou a prática de trabalho forçado, com trabalhadores sendo impedidos de se desvincular do empregador devido à retenção de documentos e uma série de cláusulas no contrato que dificultavam o retorno ao seu país de origem. Embora os operários fossem inicialmente prometidos salários entre R$ 10 mil e R$ 15 mil mensais, o valor real recebido no Brasil não passava de R$ 300 a R$ 1.000. Além disso, parte do salário era descontado e enviado diretamente para a China. O pagamento de 60% do salário seria liberado somente após um ano de trabalho, o que impedia os operários de se desligarem das condições de trabalho, uma vez que, ao se demitirem, perderiam a maior parte do pagamento e ainda teriam que arcar com as despesas da viagem de volta para a China.
Responsabilidade da BYD e da prestadora de serviços
Embora a terceirização de serviços seja legal no Brasil, a fiscalização concluiu que a BYD, como contratante principal, também deve ser responsabilizada pelas condições de trabalho, uma vez que a obra estava sob sua supervisão. Em nota, a montadora chinesa afirmou que rompeu imediatamente o contrato com a construtora Jinjiang, responsável pela execução das obras, e que está colaborando com os órgãos competentes.
Alexandre Baldy, vice-presidente sênior da BYD Brasil, declarou: “A BYD Auto do Brasil reitera seu compromisso com o cumprimento integral da legislação brasileira, em especial no que se refere à proteção dos direitos dos trabalhadores.”
Legislação brasileira e a luta contra o trabalho escravo
O Brasil, desde a década de 1940, adota uma legislação rigorosa contra o trabalho escravo, que está definida no Código Penal como qualquer forma de trabalho forçado, servidão por dívida, condições degradantes ou jornada exaustiva. A situação identificada nas obras da BYD é classificada como escravidão contemporânea, já que os operários não tinham liberdade para escolher quando deixar o trabalho ou o país, e estavam expostos a riscos de saúde e segurança.
O Ministério Público do Trabalho (MPT) já anunciou que entrará com uma ação judicial para garantir que todos os salários e direitos dos trabalhadores resgatados sejam pagos, além de buscar a regularização da situação dos demais operários que ainda estão na obra.
O futuro dos trabalhadores resgatados
Para os trabalhadores que desejam retornar à China, a empresa será obrigada a pagar as passagens de volta, conforme a legislação brasileira. Aqueles que optarem por ficar no Brasil têm o direito de solicitar visto de trabalho, já que o Brasil é signatário de convenções internacionais que garantem a permanência de vítimas de trabalho escravo no país.
A situação chama atenção para a precarização das condições de trabalho em projetos de grandes dimensões, e reforça a importância da fiscalização e do cumprimento da legislação trabalhista.
Trabalho forçado não é ‘força’ de trabalho, é ‘falta’ de direitos… E os operários da BYD não estavam na ‘mão’ de obra, estavam na mão do patrão.