Um domingo que expôs as fraturas da democracia brasileira e nos fez perguntar: até onde o discurso do ódio pode nos levar?
Um domingo de destruição e incredulidade
O dia 8 de janeiro de 2023 será lembrado como um dos momentos mais sombrios da democracia brasileira. A invasão e depredação dos prédios da Praça dos Três Poderes em Brasília por manifestantes bolsonaristas chocaram pela violência e destruição, ainda que não tenham surpreendido muitos daqueles que acompanham de perto a cena política nacional. Entre jornalistas, parlamentares e analistas, o temor de um evento extremo rondava como uma sombra há tempos.
Relatos de parlamentares, jornalistas e artistas destacam a dimensão histórica e os alertas deixados pelos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023
O impacto imediato e a incredulidade
A senadora Eliziane Gama (PSD-MA) lembra-se com nitidez do momento em que recebeu as primeiras imagens da destruição. Em casa, em São Luís, após uma manhã tranquila de cultos e atividades na igreja, viu em um grupo de mensagens os vídeos que mostravam vidraças quebradas, multidão em frenesi e o avanço caótico pelas rampas do Congresso Nacional. “Eu falei: gente, isso aqui não pode ser verdade. Isso é uma montagem”, relata.
De volta ao Senado na segunda-feira, a parlamentar se deparou com um cenário que descreveu como apocalíptico: “Parecia um filme de terror. O prédio totalmente escuro, o chão encharcado e vidraças destruídas. Era difícil até caminhar”.
Raízes do extremismo: o discurso incendiário de Bolsonaro
A senadora, que atuou como relatora da CPMI do 8 de janeiro, afirma que o evento foi o desfecho previsível de anos de retórica inflamatória e de ataques às instituições democráticas. “Bolsonaro minou a confiança na urna eletrônica, incentivando teorias de fraudes e disseminando desconfiança. Isso criou um terreno fértil para que o extremismo se concretizasse”, diz.
A jornalista Bianca Santana compartilha dessa percepção e relembra sua própria experiência: ao aterrissar em Brasília na tarde daquele domingo, foi surpreendida pelas mensagens que recebia no celular. Em choque, decidiu se resguardar em casa. “Era uma assinatura muito clara. Bolsonaro sempre deixou evidente que não aceitaria os resultados das urnas”, afirma.
A inércia das autoridades e o temor de um golpe
O senador Randolfe Rodrigues (PT-AP) também destaca que esperava protestos e manifestações em virtude da derrota de Bolsonaro nas eleições de 2022, mas a omissão das forças de segurança o deixou perplexo. “O que eu não esperava era a negligência coordenada para permitir a invasão”, disse. A imagem dos manifestantes destruindo os símbolos da democracia brasileira evocou para Randolfe um temor histórico: “Tive receio de que aquele 8 de janeiro fosse um 11 de setembro chileno de 1973”, referindo-se ao golpe que derrubou Salvador Allende.
Humor e crítica social: a resposta ao medo
A possibilidade de um golpe esteve tão presente na consciência coletiva que inspirou esquetes do grupo Porta dos Fundos, como recorda o publicitário Antonio Tabet. “Há muito tempo já se falava sobre isso. O humor tem esse poder: ele joga um holofote na cara do absurdo”, comenta. Os vídeos irônicos alcançaram milhões de visualizações e serviram como um alerta bem-humorado sobre o perigo real de rupturas democráticas.
Um roteiro ensaiado de destruição
As ações daquele dia seguiram um cronograma que mais parecia um roteiro planejado: às 13h, manifestantes saíram do Setor Militar Urbano e iniciaram a marcha. Às 15h, romperam as barreiras do Congresso e iniciaram a invasão. Vinte minutos depois, subiram a rampa do Palácio do Planalto e invadiram o Supremo Tribunal Federal às 15h37.
Lições de 8 de janeiro: um alerta para o futuro
A destruição e o ataque coordenado às instituições democráticas deixaram uma marca profunda no Brasil. O 8 de janeiro permanece como um aviso de que a democracia é um processo frágil, que precisa ser defendido contra discursos que legitimam a violência e alimentam fantasias autoritárias. A reconstrução simbólica e física das instituições deve vir acompanhada de uma reflexão coletiva: o preço da democracia é a vigilância constante.