Governo corre para aprovar obras na Transposição do São Francisco sem o licenciamento adequado, mas com grande publicidade. Em novo capítulo da exploração da crise hídrica, ministro Rogério Marinho beneficia seu estado e reduto político
Apesar de o Ministério de Desenvolvimento Regional – MDR ter anunciado recentemente 1,2 bilhão de reais para a realização de obras de infraestrutura no Rio Grande do Norte, estado de origem do atual ministro Rogério Marinho, “os projetos expostos com grande publicidade” não apresentam “novidades em termos de obras concretas” que solucionem os problemas perpetuados pela indústria da seca há décadas, diz João Abner Guimarães Júnior em entrevista concedida por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU. Ao contrário, argumenta, megaempreendimentos, como o da Transposição do Rio São Francisco, condicionam parte considerável das políticas na área do semiárido. O lobby político em torno dessas obras, assegura, “contaminou o Estado brasileiro ainda no governo Itamar Franco e vem se replicando e se fortalecendo em todos os seguintes governos federais, até o presente momento, no governo Bolsonaro, com a sua última cepa que chegou com a presença de Rogério Marinho no MDR”.
Segundo ele, “a chegada de Rogério Marinho ao MDR representou uma nova ênfase ao projeto tradicional de Transposição do Rio São Francisco, que se encontrava em fase de teste para conclusão das obras iniciadas em 2007”. Cerca de R$ 2 bilhões serão destinados a grandes obras vinculadas ao projeto de Transposição do Rio São Francisco no Rio Grande do Norte, como “a conclusão da Barragem de Oiticica, que receberá as águas da Transposição que chegarão ao Rio Grande do Norte pelo leito do rio Piranhas-Açu, e para os dispêndios das obras advindas da licitação de um novo ramal da transposição para a bacia hidrográfica do rio Apodi/RN”, informa.
A seguir, o engenheiro critica, questiona e denuncia a licitação do projeto do Ramal do Apodi, concedida no final do ano passado. “O Ramal do Apodi foi licitado sem as devidas licenças ambientais prévia e de instalação, fato esse reconhecido por despacho da Secretaria de Segurança Hídrica do MDR”, diz. Além disso, pontua, “o Licenciamento Ambiental do Projeto de Integração do Rio São Francisco – PISF, na versão atual, teve seus estudos de impactos ambientais contratados pelo governo federal em dezembro de 2013 e concluídos em 2014. Entretanto, o Relatório de Impacto Ambiental – Rima do projeto é de julho de 2004”.
João Abner (Foto: Blog Jair Sampaio)
João Abner Guimarães Júnior é doutor em Engenharia Hidráulica e Saneamento e professor titular aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. Sobre a transposição do rio São Francisco, publicou diversos artigos, tais como “A transposição do Rio São Francisco e o Rio Grande do Norte”, “O lobby da transposição” e “O mito da transposição”.
Confira a entrevista
Como a presença de Rogério Marinho à frente do Ministério de Desenvolvimento Regional – MDR tem impactado o Rio Grande do Norte?
O norte-rio-grandense Rogério Marinho assumiu um ministério de grande visibilidade e forte vínculo com a Região Nordeste, o MDR, que juntou os ministérios da Integração e Cidades e herdou um expressivo orçamento de um pacote de obras que, apesar de restrito pela ênfase nas grandes obras, engloba as áreas estratégicas de recursos hídricos no semiárido e o saneamento e a habitação no meio urbano. Sem dúvida, esse fato trará repercussões políticas ao Rio Grande do Norte. Tanto é que Rogério, deputado federal pelo Rio Grande do Norte por dois mandatos intercalados entre 2007 e 2019, já tenta viabilizar um projeto político seu para o Senado ou para o Governo do Rio Grande do Norte.
O ministro destinou, neste mês, 1,2 bilhão de reais ao Rio Grande do Norte, seu estado, para a realização de obras de porte, como construção de adutoras, cisternas, parques eólicos. Que tipo de empreendimento ele pretende ressaltar ou colocar em curso no estado?
Matérias jornalísticas recentes denunciaram um possível fisiologismo do ministro pelo direcionamento de ações do MDR para o seu Estado, o Rio Grande do Norte, fato esse desmentido pelo ministro, mas não contestado. Na prática, Marinho lamentaria a inverdade do fato.
Que problemas o senhor evidencia nos empreendimentos previstos com a verba destinada pelo MDR ao estado?
Em geral, muitos projetos têm sido expostos com grande publicidade no Rio Grande do Norte, porém, sem grandes novidades em termos de obras concretas, excetuando-se o direcionamento de R$ 2 bilhões, a médio e longo prazo, em grandes obras vinculadas ao projeto de Transposição do Rio São Francisco no Rio Grande do Norte: para a conclusão da Barragem de Oiticica, que receberá as águas da Transposição que chegarão ao Rio Grande do Norte pelo leito do rio Piranhas-Açu, e para os dispêndios das obras advindas da licitação de um novo ramal da transposição para a bacia hidrográfica do rio Apodi/Rio Grande do Norte.
Qual é a atual situação das obras da Transposição do Rio São Francisco? O senhor disse que a primeira iniciativa do ministro à frente do MDR foi resgatar o projeto dos últimos trechos 3 e 4 do Eixo Norte da Transposição não contemplados nas obras atuais, agora denominado de Ramal do Apodi, que foi licitado apressadamente e com inúmeras irregularidades no final de 2020 com um custo próximo de R$ 2 bilhões. Pode explicar de que se trata?
A chegada de Rogério Marinho ao MDR representou uma nova ênfase ao projeto tradicional de Transposição do Rio São Francisco, que se encontrava em fase de teste para conclusão das obras iniciadas em 2007.
De forma apressada, no final de 2020, poucos meses após a ascensão do novo ministro ao cargo, o MDR licitou o projeto do Ramal do Apodi resgatando os últimos trechos (3 e 4) não executados do projeto de Transposição do Rio São Francisco da mesma forma que foi concebido ainda em 1998 no governo FHC, tendo como base hoje o atendimento de condições projetadas totalmente inexistentes – as obras licitadas foram superdimensionadas para uma vazão de 20 m³/s irreal, dado que a outorga global de água do eixo norte para a Paraíba e Rio Grande do Norte deverá pouco superar os 3,0 m³/s para serem repartidos, em tese, entre as bacias do Piranhas-Açu (PB/RN), Salgado (CE) e Apodi (RN). E aqui já se aponta uma primeira e importante irregularidade no campo da improbidade administrativa facilmente comprovada.
Como sempre, o megaprojeto de R$ 2 bilhões é vendido como a redenção econômica e social da pretensa região beneficiada, englobando parte dos estados do Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. Promete-se agora, como no passado, de forma enganosa, atender as populações de dezenas de municípios e propiciar o desenvolvimento de centenas de milhares de hectares nos vales úmidos e chapadas férteis dos estados do Rio Grande do Norte e Ceará, sem a comprovação das mínimas condições para se assegurar a sustentabilidade hídrica e econômica do projeto do Ramal do Apodi. Destaca-se, nesse ponto, o vício de origem do licenciamento ambiental tendencioso, que nesse caso se torna de gravidade muito maior pela inexistência de licenciamento ambiental específico exigido pela Lei para obras de ampliação do porte e da natureza das licitadas para o Ramal do Apodi.
Licitação sem licenciamento ambiental
Sendo esta, portanto, de todas as ilegalidades cometidas pelo MDR na condução do Projeto, a mais flagrante: o Ramal do Apodi foi licitado sem as devidas licenças ambientais prévia e de instalação, fato esse reconhecido por despacho da Secretaria de Segurança Hídrica do MDR em resposta ao MPF/RN com respeito a uma denúncia que fiz da irregularidade no licenciamento ambiental do citado projeto (que teve início na Notícia de Fato nº 1.28.000.001776/2020-62).
Por conta da pressa em viabilizar a licitação das obras do Ramal do Apodi, o MDR apoiou-se indevidamente no Licenciamento Ambiental do Projeto de Integração do Rio São Francisco – PISF como um todo.
O PISF, na versão atual, teve seus estudos de impactos ambientais contratados pelo Governo Federal em dezembro de 2013 e concluídos em 2014. Entretanto, o Relatório de Impacto Ambiental – Rima do projeto é de julho de 2004.
Histórico do Licenciamento Ambiental do PISF:
2005 – Obtenção da Licença Prévia – LP-200/2005;
2007 – Obtenção da Licença de Instalação – LP-438/2007;
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38 Planos e Programas Ambientais,
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62 Condicionantes.
2013 – Renovação da Licença de Instalação – LI-925/2013;
2016 – Solicitação da Licença de Operação;
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Julho/2016 solicitação da LO conjunta,
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Dezembro/2016 – Requerimento da Licença de operação por Eixo.