O caráter ideológico do Estado não tem existência abstrata, mas está presente na sua própria ossatura institucional
O Estado, enquanto objeto teórico, é uma preocupação de cientistas políticos, juristas, sociólogos, filósofos e outros, de modo que encontramos desde concepções formalistas até noções mais instrumentais, que abordam sua estrutura, historicidade, origem, função e institucionalidade.
Começando pelo Direito, podemos observar conceitos formalistas, que definem o Estado como poder soberano que organiza um povo presente em determinado território. Esta concepção, embora identifique elementos do Estado, cria uma noção estática do ente estatal, incapaz de identificar os seus movimentos e as disputas sociais que o atravessam.
Há concepções clássicas, como a de Weber, que o classifica como o ente que possui o monopólio do uso legítimo da força, ou ainda, noções mais instrumentalistas (vinculadas ao economicismo) que o caracteriza como um mero apêndice da estrutura econômica, sem nenhuma autonomia. No próprio marxismo, não há um consenso sobre a noção de Estado, embora uma das grandes contribuições para se pensar o político a partir do materialismo histórico tenha sido elaborada pelo pensador grego erradicado na França, Nicos Poulantzas.
Para abordar a relação entre Estado, poder político e classes sociais, Nicos Poulantzas afasta duas visões tradicionais e difundidas do ente estatal, classificadas como Estado como coisa instrumento e Estado como sujeito.
A primeira vê o Estado como um campo neutro, sem materialidade específica, podendo ser conduzido como um instrumento pelo grupo que o ocupará. Assim, o aparato estatal ocupado por conservadores, criaria políticas conservadoras e, quando ocupado por progressistas se converteria em um aparato estatal progressista. Entretanto, sabemos que o Estado continua sendo burguês mesmo se ocupado por indivíduos contra a burguesia, como Marx já havia demonstrado em O 18 brumário de Luís Bonaparte.
A segunda posição enxerga o ente estatal como o mero emanador dos interesses da burguesia, um bloco monolítico e sem fissuras, que produzirá os mesmos resultados a despeito da luta de classes. Esta concepção deve ser afastada para podermos visualizar o Estado como um campo atravessado pelas disputas sociais, pois embora ele possua uma natureza de classe, também possui contradições que abrem espaços para a luta política.
O Estado, como fator de coesão da unidade de uma formação social, é uma “estrutura na qual se condensam as contradições dos diversos níveis de uma formação”, como o nível político e o nível econômico, que possuem uma autonomia relativa, embora se influenciem reciprocamente. As contradições, por sua vez, dizem respeito aos conflitos inerentes de uma sociedade dividida em classes.
Embora o próprio Poulantzas tenha revisitado o tema posteriormente, na obra O Estado, o poder, o socialismo, dando ênfase à natureza do Estado, no presente artigo nos valemos da concepção do autor presente em Poder político e classes sociais.
Um dos conceitos elaborados por Poulantzas para compreender o Estado capitalista – considerando a cisão entre o político e o econômico neste modo de produção – é o de autonomia relativa. A perspectiva relacional adotada por Poulantzas não permite o uso de conceitos estáticos e formais, mas sim de categorias de análises que estão inseridas em totalidades mais amplas e só fazem sentido na relação que possuem com outros conceitos.
A compreensão de que as categorias de análise permitem o manuseio de diferentes níveis de abstração é essencial para se aproximar da noção de autonomia relativa do Estado. Assim, destacam-se três níveis de abstração, começando pelo mais geral e abstrato até o mais específico e concreto.
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I) modo de produção em geral, abarcando diferentes tipos de organização econômica existentes na história, como feudalismo, escravismo e capitalismo.
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II) modo de produção específico, como por exemplo, o modo de produção capitalista. Podemos perceber que esse nível de abstração já é mais concreto que o anterior.