A política israelita, entre o mau e o péssimo

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
Há vinte anos que o Estado de Israel está nas mãos da direita nacionalista. O que poderia ser pior?

Desde 1996, há 25 anos, que o partido Likud domina o parlamento de Tel-Aviv, mesmo sem maiorias absolutas; e desde 2009 que o governo é dirigido por Benjamin Netanayahu, um hábil político que tem conseguido sempre o que quer. Mas o reinado do “King Bibi”, como lhe chamam os desafetos, parece finalmente ter acabado. Parece, porque até quarta-feira, ainda pode acontecer o inacreditável.

Israel é, como toda a gente sabe e os israelitas fazem questão de salientar, uma democracia, com eleições diretas de grande adesão popular. Num país em estado de guerra permanente, cercado por inimigos próximos e distantes, é um caso de sucesso democrático difícil de superar. Mas isso não significa que o ambiente político seja pacífico e transparente, bem pelo contrário. No Knesset, o parlamento de 120 lugares, encontram-se representados partidos de todas as cores do espectro político, alguns com propostas antagônicas, obrigando a coligações variáveis e um jogo de cintura em desiquilíbrio constante.

O pano de fundo de todo o país, dirigentes e dirigidos, é a guerra. Quando não está ativa, o que já aconteceu muitas vezes desde a fundação do Estado, em 1948, é latente e exerce uma pressão iniludível sobre todas as decisões, coletivas e individuais.

As propostas para sair deste estado de conflito têm sido muitas e variadas ao longo dos anos, mas é hoje uma evidência que não terá fim à vista. Israel é um espinho cravado na carne viva dos árabes, que nunca aceitarão a sua existência; por sua vez, os israelitas jamais desistirão do seu projeto de nação bíblica, sediada na “Cidade do Templo”, Jerusalém. Os primeiros colonos judeus instalaram-se na Palestina, a terra de onde começaram a partir quando Roma era Império, ainda antes da 2ª Guerra Mundial, mas foi no fim do conflito que voltaram aos milhares, com o objetivo declarado de reconstituir o seu país. Os árabes, a quem tinha sido prometido pelas potências europeias que tal nunca aconteceria, sentiram-se traídos, e com o tempo esse sentimento converteu-se numa vontade inabalável de fazer desaparecer Israel.

Várias guerras e conflitos localizados terminaram sempre com a vitória dos israelitas, cada vez mais musculados e organizados. Depois de um longo historial de violência e acordos não cumpridos, chegou-se finalmente, em 1974, a uma proposta iniciada em 1947, que ficou conhecida como a “Solução de Dois Estados”. Este conceito, alterado territorialmente meia dúzia de vezes, foi sempre rejeitado, ora por um lado, ora pelo outro, e assim chegou à situação presente, que é a mesma de sempre: Israel consolida-se e expande-se, à custa da população árabe da região, que entretanto cresceu muito desde 1948.

Todos os governos de Tel-Aviv têm que lidar com este estado de coisas, e são as diferenças de opinião entre os israelitas que levaram à existência de tantos partidos – inclusive um deles, que representa os árabes residentes em Israel, cerca de 20% da população. Considerados cidadãos de segunda, também votam.

Em termos gerais, isto é, simplificando incontáveis minudências, os israelitas dividem-se entre os que não querem fazer qualquer concessão aos árabes – a “direita” nacionalista – e os que creem ser possível fazer um acordo com o inimigo – a “esquerda” liberal.

O Likud, partido de Benjamin Netanyahu e, antes dele, de Menachem Begin, Yitzhak Rabin e Ariel Sharon, é contra as concessões. Não sendo a agremiação mais à direita, note-se; existem partidos que querem simplesmente retribuir aos árabes o que os árabes querem fazer com os judeus, matá-los todos e atirar os corpos ao mar.

O problema de Netanyahu não tem sido a política internacional do país; embora existam outras opiniões, as suas decisões são suficientemente aceites pelo eleitorado, que tem sustentado maiorias do Likud – maiorias simples, que obrigam a coligações com outros agrupamentos de direita, mas que Netanyahu tem conseguido manobrar no Knesset. O apoio de Trump, que finalmente reconheceu a velha ambição israelita de tornar Jerusalém a capital do Estado, foi o ponto alto da sua política diplomática. Mas, precisamente no meio do que parecia o seu sucesso retumbante, Netanyahu viu-se a braços com graves acusações de corrupção e com um certo cansaço dos eleitores perante a sua agressividade. A corrupção deu origem a três processos graves, por fraude, violação de segredo (breach of trust) e corrupção. O resultado foi uma instabilidade parlamentar que obrigou a quatro eleições nestes últimos dois anos. Em todas elas o Likud foi o mais votado, mas sem um peso significativo: nas eleições de março obteve 30 lugares, quando precisaria de 61 para a maioria absoluta.

Como mandam as regras, o presidente encarregou-o de formar governo a 5 de maio. Mas, desta vez, o Rei Bibi não conseguiu pôr ordem nas hostes e não convenceu nenhum outro partido a apoiá-lo. Estão todos fartos dele e viram aqui uma oportunidade – não se sabendo exatamente como, mas ainda assim uma oportunidade.

E foi o que aconteceu. Ainda no cumprimento das regras, o presidente convidou Yair Lapid a formar governo o dirigente do segundo partido mais votado, “Yesh Atid”, centrista, que obteve 17 parlamentares. E também lhe deu um prazo, 28 dias.

Seguiram-se negociações intensas, que ninguém acreditava virem a dar em alguma coisa.

Só que deram.

No último dia, meia hora antes do prazo acabar, Lapid anunciou ter conseguido uma coligação surreal de oito partidos, completamente diferentes, mesmo opostos, cujo único ponto comum é o de não quererem que Bibi continue.

Esta coligação será liderada nos primeiros dois anos por Naftali Benet, do partido ultranacionalista religioso, Yamina, e nos dois anos seguintes por Lapid, cujo partido é considerado centrista no espectro político nacional.

Para se ter uma ideia do saco de gatos que se formou, veja-se quais são os oito felinos:

Yesh Atid (centro), Blue and White (centro), Yisrael Beytenu (direita nacionalista), New Hope (centro-direita), Trabalhistas (social-democrata) e Ra’am (árabe, liderado pelo islâmico Mansour Abbas).

Como é que o nacionalista religioso, milionário tecnológico e ex-ministro das Finanças, Naftali Benet, a favor dos colonatos e contra a solução dos Dois Estados, se vai entender com Mansour Abbas, do partido árabe, é a primeira pergunta a fazer.

As outras perguntas são como se vai lidar com o conflito com os palestinos, qual o programa para o relançamento da economia, e que lugar terá a religião nas decisões do Estado. Respostas, ninguém as tem. Talvez nem os próprios.

A tomada de posse terá lugar na próxima quarta-feira, dia 9 de junho. Até lá, Bibi ainda tem algumas possibilidades de sabotar a coligação, uma vez que o governo precisa de ser votado no Knesset e, nestas circunstâncias, basta que um deputado dos partidos “vencedores” mude de ideias para que caia tudo por terra, convocando-se novas eleições. Netanyahu já disse que “este governo será um perigo para a segurança do Estado de Israel. Este é o golpe do século!”.

Golpe do século, realmente. Mas pode ser um golpe vencedor.

Agora, governar, será outra história…

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