Quais provas a CPI da Covid diz ter contra o governo federal

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
Após um mês e meio de trabalho, senadores afirmam que há elementos para incriminar a gestão de Jair Bolsonaro pela atuação na pandemia de covid-19

Em menos de dois meses de investigação, a CPI da Covid ouviu ex-ministros e integrantes do governo de Jair Bolsonaro, dirigentes de laboratórios de vacinas e especialistas em saúde, além de ter coletado documentos e pedido a quebra de sigilo de nomes próximos ao presidente.

Os senadores da comissão afirmam que já existem elementos para responsabilizar o presidente e agentes públicos por crimes sanitários e contra a vida na gestão federal da pandemia que já matou mais de 480 mil pessoas no Brasil. Temas como a negligência na compra de vacinas, a existência de um suposto gabinete paralelo que assessorou Bolsonaro na Saúde e a insistência em remédios ineficazes como política pública aparecem nas linhas de investigação dos senadores.

Os trabalhos da CPI da Covid, instalada em 27 de abril de 2021, devem durar 90 dias, prorrogáveis. Comissões parlamentares de inquérito podem sugerir indiciamentos, mas cabe ao Ministério Público Federal decidir se apresenta denúncias à Justiça. Os parlamentares podem também apontar possíveis crimes de responsabilidade do mandatário – nesse caso, caberia ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), decidir se dá prosseguimento a um processo de impeachment.

Neste texto, o Nexo lista sete evidências obtidas pela CPI que os senadores consideram pesar contra a atuação do governo federal na pandemia, e quais os próximos passos da comissão.

O vídeo com o ‘ministério paralelo’ da Saúde

Uma reunião realizada em 8 de setembro entre o presidente da República e médicos defensores da cloroquina, remédio ineficaz contra a covid-19, tem sido descrita pelos senadores da CPI como a principal prova de que, dentro do Palácio do Planalto, opera um grupo que tem sido chamado de “ministério paralelo” da Saúde.

Na reunião, sentado ao lado do deputado Osmar Terra (MDB-RS), Bolsonaro acompanha as intervenções dos médicos, entre eles a oncologista Nise Yamaguchi e o virologista Paolo Zanotto. Sem máscaras, os médicos alimentam o discurso de minimizar a importância das vacinas, criticar o isolamento social e turbinar o tratamento precoce, comprovadamente ineficaz contra a doença. Essas diretrizes têm sido a tônica das falas do presidente desde o início da pandemia.

Realizado numa sala fechada no Palácio do Planalto, o encontro foi divulgado nas redes sociais do presidente na ocasião, mas ganhou destaque quando revelado em vídeo pelo jornal Metrópoles, no dia 4 de junho. Os senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da comissão, e Renan Calheiros (MDB-AL), relator, consideraram a filmagem uma prova da existência do aconselhamento paralelo. Convocaram Terra para depor e pediram a quebra de sigilo telefônico e telemático de Zanotto.

A conversa de Nise Yamaguchi sobre cloroquina

Defensora da cloroquina, a oncologista Nise Yamaguchi apresentou à CPI um documento que reforça a existência do ministério paralelo da Saúde. Em seu depoimento em 1º de junho, ela negou que haja um gabinete paralelo aconselhando o presidente Bolsonaro, mas mostrou uma troca de mensagens suas com um dos médicos que integram o grupo. Na conversa, aparece a minuta de um decreto a ser assinado pelo presidente para determinar a distribuição de cloroquina, hidroxicloroquina e azitromicina à rede pública para tratar a covid-19.

Com data de 6 de abril de 2020, nas mensagens a médica discute com o colega o teor do decreto e afirma que, da forma como foi escrito, “exporia muito o presidente”, conforme revelou a jornalista Malu Gaspar no jornal O Globo. No mesmo dia, o presidente teve uma reunião com o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que viu uma minuta de Bolsonaro que determinaria o uso de cloroquina contra a covid-19.

Como revelou a colunista, a troca de mensagens exibida por Yamaguchi mostra que médicos agiam influenciando o presidente na elaboração de políticas públicas desde o início da pandemia.

Os 81 emails da Pfizer enviados ao governo

“Já temos provas suficientes de que o Brasil não quis comprar vacina”, disse em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, no começo de junho de 2021, o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM). Para ele, a comissão tem provas de que Bolsonaro seguiu as orientações do gabinete paralelo e que, por acreditar que o país conseguiria vencer a pandemia por meio da imunidade de rebanho, agiu para deixar o vírus circular livremente, atrasando a compra de imunizantes.

A tese da imunidade de rebanho propõe um estágio a partir do qual a transmissão do vírus estaria controlada devido à existência de uma quantidade significativa de pessoas infectadas. Essa ideia implica um altíssimo número de mortos.

Na sessão de 9 de junho da CPI, o senador Randolfe Rodrigues mostrou que a Pfizer enviou ao governo 81 emails entre março de 2020 e abril de 2021. Em 90% dos casos, não houve resposta. Em julho de 2020 foram quatro emails pedindo audiência urgente. Randolfe chegou a ler as datas dos emails para o ex-secretário nacional de Saúde, coronel Elcio Franco, que prestava depoimento.

Uma semana antes, o senador já havia localizado 53 emails da empresa. Com uma nova peneiragem nos endereços do governo, chegou-se a 81 correspondências. Segundo Franco, parte desses emails eram mensagens repetidas e outra parte eram respostas da Pfizer a demandas do Ministério. Em audiência, o gerente-geral da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, afirmou que a empresa fez sete propostas ao ministério para a aquisição da vacina.

A justificativa para não comprar vacina derrubada

O depoimento de Carlos Murillo ajudou a expor na CPI como o governo demorou em fechar um acordo com a empresa para comprar a vacina. O gerente-geral da Pfizer confirmou aos senadores, em 13 de maio, que a farmacêutica apresentou três ofertas para o Brasil em 14, 18 e 26 de agosto, que foram ignoradas.

A empresa propôs dois contratos, de 30 milhões e 70 milhões de doses, que começariam a ser entregues ainda em 2020. Outras propostas se seguiram, duas delas em novembro, mas o governo só fechou acordo com a farmacêutica em março de 2021.

O governo usou dois argumentos para justificar a demora: óbices contratuais em relação à legislação brasileira e preço elevado do imunizante. No entanto, a Pfizer queria tornar o Brasil uma vitrine de sucesso na vacinação e por isso, ofereceu as doses da vacina por metade do preço negociado com países da Europa e os Estados Unidos, conforme revelou a Folha de S.Paulo em 6 de junho. Assim, cada dose sairia por US$ 10, valor que acabou sendo fechado com o governo em março de 2021.

Ingerência externa ao Ministério da Saúde

No depoimento do dia 13 de maio, o gerente-geral da Pfizer afirmou que até Carlos Bolsonaro, filho do presidente e vereador no Rio de Janeiro, participou de reunião com a farmacêutica para acertar a compra de vacinas pelo Ministério da Saúde. A reunião ocorreu em 7 de novembro dentro do Palácio do Planalto. Filipe Martins, então assessor especial do presidente para assuntos internacionais, também participou do encontro, embora não seja de nenhuma área técnica afeita a esse tipo de contrato.

Outra pessoa do governo que não tem relação com a área de saúde, o ex-secretário de Comunicação do governo Fabio Wajngarten reuniu-se em dezembro com uma executiva da Pfizer para tratar da vacina, afirmou Murillo. Em seu depoimento à CPI, o ex-secretário recuou de declaração que deu à revista Veja sobre suposta incompetência do Ministério da Saúde na gestão da pandemia e acabou desmentido pela revista, que apresentou áudio em que o ex-auxiliar de Bolsonaro aparece tachando o ministério de incompetente.

As reuniões com assessores políticos do presidente, assim como a influência de outro assessor na formação do gabinete paralelo, Arthur Weintraub, apontam para uma visão ideológica do combate à covid-19. A mais recente intromissão do tipo nos assuntos de saúde pública foi feita pelo próprio Bolsonaro em 10 de junho, quando ele afirmou que pediria ao Ministério da Saúde um parecer para desobrigar o uso de máscaras aos brasileiros vacinados ou que já tenham tido a doença, uma medida que contraria evidências científicas.

A aposta num tratamento precoce inexistente

O Ministério da Saúde nega ter incentivado o uso de cloroquina, apesar de o assunto ser amplamente divulgado pelo presidente em lives em suas redes sociais, em conversas com os eleitores e em discursos públicos.

A CPI localizou um documento que comprova que a pasta agiu para que a rede de atendimento à doença usasse medicamentos como a cloroquina, de ineficácia comprovada, no combate à covid-19. Datada de 29 de junho de 2020, a circular, que se encontra ainda no site do Ministério, orienta a Fiocruz e outras duas instituições a usar o “tratamento medicamentoso precoce” contra a covid-19. O documento é assinado por Luiz Otávio Franco Duarte, secretário de Atenção Especializada à Saúde.

O Ministério da Saúde também chegou a lançar um aplicativo que orientava os brasileiros a usar o tratamento precoce, o TrateCOV, que foi desativado depois de denunciado pela imprensa e por especialistas em saúde, em janeiro. Há também provas de que o governo turbinou a fabricação do medicamento nos laboratórios das Forças Armadas e de que a cloroquina chegou a faltar para os pacientes que dela necessitam de fato, como os doentes de malária.

Falta de coordenação e orientação sobre recursos

Documentos internos do governo desenham, na opinião dos senadores da CPI, um caminho tortuoso do Ministério da Saúde na gestão federal da pandemia de covid-19. Num acórdão de maio de 2020, o TCU (Tribunal de Contas da União) estipula que o governo federal oriente estados e municípios nos gastos de recursos destinados ao tratamento da doença.

Segundo o Jornal da Cultura, o ex-presidente da Frente Nacional dos Prefeitos, Jonas Donizette, afirmou que essa orientação nunca foi feita. Líder do fórum de governadores contra a covid, o governador do Piauí, Wellington Dias (PT), também negou que tenha havido coordenação federal.

O governo tem reiterado de forma errada que foi “proibido” pelo Supremo Tribunal Federal de atuar na coordenação do combate à pandemia, quando na verdade a decisão do Supremo delegou aos estados e municípios a decisão sobre isolamento social, mas reafirmou que o papel da União é o de gestão do combate à pandemia.

Documentos do Tribunal de Contas da União enviados à CPI listam sete processos contra o Ministério da Saúde sobre a compra e disseminação de remédios sem eficácia. Há também uma investigação a respeito de suposta irregularidade na compra e utilização de sete milhões de testes de covid-19 que foram descobertos em um galpão usado pelo Ministério em Guarulhos, em novembro.

Os próximos passos

A comissão pretende avançar essas linhas de investigação com mais depoimentos e a quebra de sigilos telefônico e telemático de ex-auxiliares e outras pessoas ligadas ao governo. Também convocou um grupo de especialistas em direito para analisar quais crimes podem ser atribuídos ao presidente e a outras autoridades pelas ações e omissões na pandemia.

No sábado (12), o ministro do Supremo Ricardo Lewandowski manteve a quebra dos sigilos dos ex-ministros Eduardo Pazuello (Saúde) e Ernesto Araújo (Exterior) e da secretária de Gestão de Saúde, Mayra Pinheiro, negando suas contestações. Suspeitos de integrarem o ministério paralelo, como o ex-assessor internacional da Presidência da República Filipe Martins, o virologista Paolo Zanotto e o empresário Carlos Wizard, também são alvo da quebra de sigilos.

A CPI também convocou para depor o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) e o auditor afastado do Tribunal de Contas da União Alexandre Figueiredo, suspeito de ter incluído uma tabela feita de próprio punho em um relatório oficial, afirmando que as mortes por covid-19 registradas pelos estados poderiam estar superestimadas em até 50%.

Bolsonaro usou a tabela para dizer que o tribunal havia levantado que os números de mortes estavam forjados e que a pandemia era menor do que se supunha. Desmentido pelo TCU, o presidente teve de voltar atrás na divulgação dos dados, mas mantém o discurso de minimizar os dados da covid.

 Originalmente no Nexo

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