Suspeitas de irregularidades na compra de 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin ao preço total de R$ 1,6 bilhão são o novo front de desgaste para o governo Jair Bolsonaro na pandemia de coronavírus
Documentos obtidos pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid e revelados pelo jornal Estado de S. Paulo indicam que o valor contratado pelo governo brasileiro, de US$ 15 por vacina (R$ 80,70), ficou bastante acima do preço inicialmente previsto pela empresa Bharat Biotech, de US$ 1,34 por dose.
Além disso, o servidor Luís Ricardo Miranda, chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde, disse ao Ministério Público Federal ter sofrido uma “pressão incomum” de outra autoridade da pasta para assinar o contrato com a empresa Precisa Medicamentos, que intermediou o negócio com a Bharat Biotech.
Já nesta quarta-feira, o irmão do servidor, deputado federal Luís Claudio Miranda (DEM-DF), contou ao jornal Folha de S.Paulo que informou Bolsonaro a respeito da pressão sobre Luís Ricardo e que o presidente respondeu que acionaria a Polícia Federal.
Entenda a seguir em quatro pontos as suspeitas que cercam a contrato da Covaxin e os próximos passos da comissão para investigar o caso.
Segundo a reportagem do jornal Estado de S. Paulo, a CPI obteve telegrama sigiloso enviado em agosto ao Itamaraty pela embaixada brasileira em Nova Délhi informando que o imunizante produzido pela Bharat Biotech tinha o preço estimado em US$ 1,34 por dose.
Em fevereiro, porém, o Ministério da Saúde concordou em pagar US$ 15 por unidade (R$ 80,70 na cotação da época), o que fez da Covaxin a mais cara das seis vacinas compradas até agora pelo Brasil. Na ocasião, o ministro da Saúde ainda era o general Eduardo Pazuello.
O valor final aceito pelo governo chama atenção também porque Pazuello afirmou à CPI que um dos motivos para sua gestão recusar a oferta de 70 milhões de doses da americana Pfizer no ano passado seria o preço alto do imunizante. A vacina, porém, foi oferecida ao Brasil por US$ 10 dólares, metade do preço cobrado pela farmacêutica dos governos dos Estados Unidos e do Reino Unido.
Outra razão apresentada por Pazuello para rejeitar a oferta da Pfizer em 2020 foi o fato de a vacina, naquele momento, ainda não ter a aprovação da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa). No entanto, o contrato da Covaxin foi firmado sem essa aprovação prévia. Apenas no início de junho a importação foi autorizada, com algumas restrições.
O preço da Covaxin também tem gerado controvérsia na Índia. O imunizante foi vendido ao governo indiano por 150 rupias (cerca de US$ 2 ou R$ 10), enquanto o preço para os governos estaduais variou entre 400 rupias e 600 rupias (R$ 27 a R$ 40).
Já o valor praticado para fornecimento a clínicas privadas se assemelha ao cobrado do governo brasileiro: 1.200 rupias (cerca de R$ 80). Reportagens da imprensa indiana também indicam a intenção da Bharat Biotech de exportar a vacina por valores entre US$ 15 e US$ 20.
Em 15 de junho, a empresa emitiu um comunicado sobre as diferenças de preços, afirmando que o valor cobrado do governo indiano era insustentável e não cobria os investimentos para desenvolvimento da vacina. Dessa forma, argumenta a Bharat Biotech, é preciso cobrar mais de outros compradores para compensar.
A Precisa Medicamentos emitiu uma nota após a publicação do escândalo dizendo que a dose “vendida para o governo brasileiro tem o mesmo preço praticado a outros 13 países que também já adotaram a Covaxin”.
“O valor é estabelecido pelo fabricante, no caso a Bharat Biotech. No mercado internacional, o imunizante tem sido oferecido entre US$ 15 e US$ 20”, diz ainda o comunicado.
Segundo a Precisa Medicamentos, a vacina foi vendida por valor menor ao governo indiano devido aos investimentos estatais feito no seu desenvolvimento.
“A estrutura para produção da vacina com vírus inativo é maior, e isso acaba refletindo no custo final do produto. O governo federal indiano investiu no desenvolvimento do estudo clínico e do produto, antecipando o pagamento de 100 milhões de doses da Covaxin. Face a esse investimento, a fabricante estipulou em US$ 2 o valor da dose especificamente para o governo federal indiano”, afirma a nota.
2) Pressão para acelerar contrato
O Ministério Público Federal (MPF) está investigando se houve irregularidades no contrato com a Precisa Medicamentos, que intermediou o negócio com a empresa indiana. Aos procuradores do caso, o chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde, Luís Ricardo Miranda, relatou ter sofrido “pressão incomum” para fechar a compra, segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo, que teve acesso ao depoimento sigiloso do servidor.
Na oitiva, Ricardo Miranda apontou como um dos responsáveis por essa pressão o tenente-coronel Alex Lial Marinho, ex-coordenador-geral de Logística de Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde na gestão Pazuello.
Já o irmão de Ricardo Miranda, o deputado federal Luís Cláudio Miranda, contou ao jornal que alertou pessoalmente Bolsonaro sobre sinais de irregularidade na compra da Covaxin. Segundo ele, o presidente disse que acionaria a Polícia Federal para investigar o caso.
“No dia 20 de março fui pessoalmente, com o servidor da Saúde que é meu irmão, e levamos toda a documentação para ele”, disse o parlamentar à Folha de S.Paulo.
“Tem coisa mais grave, bem mais grave (do que a pressão sobre o irmão). Inclusive erros no contrato. Formas irregulares na apresentação do contrato. Datas de vencimento das vacinas incompatíveis com a importação, sem tempo de ser vacinada a população”, disse ainda o deputado.
Estava prevista para esta quarta-feira (23/06) o depoimento à CPI da Covid do sócio-administrador da Precisa Medicamentos, Francisco Emerson Maximiano. Sua defesa, porém, solicitou o adiamento sob a justificativa de que Maximiano retornou de uma viagem à Índia em 15 de junho e cumpre quarentena de 14 dias recomendada pela Anvisa.
Por meio de nota à reportagem, a Precisa diz que “as tratativas entre a empresa e o Ministério da Saúde seguiram todos os caminhos formais e foram realizadas de forma transparente junto aos departamentos responsáveis do órgão federal”.
“Importante destacar que o período entre a negociação e a assinatura do contrato para aquisição da Covaxin levou a mesma média de tempo de outros trâmites semelhantes. A empresa está à disposição dos senadores da CPI e dos órgãos de controle do país para prestar todos os esclarecimentos necessários”, afirma ainda a empresa.
No comunicado, a Precisa também ressalta que, sendo representante oficial da Bharat Biotech no Brasil, “é responsável por todos os trâmites e custos para a obtenção da vacina”.
Isso, acrescenta, “engloba as inspeções (como a que fez a Anvisa na fábrica na Índia), o estudo de fase 3 da vacina no Brasil – que será executado pelo Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein – assim como as missões comerciais à Índia. Além disso, é responsável pelos procedimentos necessários para a obtenção do registro do medicamento no Brasil e de todas as demais atividades e custos administrativos inerentes à representação”.
3) Outras suspeitas envolvendo a Precisa Medicamentos
A Global Gestão em Saúde, sócia da Precisa Medicamentos, tem suspeitas prévias de irregularidade em contrato com o Ministério da Saúde.
Em 2017, quando o ministro da Saúde era o deputado federal Ricardo Barros (PP-RS), hoje líder do governo Bolsonaro na Câmara, a Global Gestão em Saúde venceu um processo de compra emergencial para fornecer medicamentos à pasta, mas não entregou os remédios, mesmo tendo recebido o pagamento antecipado de R$ 19,9 milhões.
Em 2019, o Ministério Público Federal processou a empresa e o ex-ministro. Segundo o MPF, a empresa ganhou o processo de compra mesmo sem atender a todos os requisitos, como ter registro para importação dos medicamentos na Anvisa.
4) Próximos passos da CPI da Covid
O presidente da CPI da Covid, senador Omar Aziz (PSD-AM) classificou como “grave” a denúncia envolvendo possíveis ilegalidades no contrato para compra da Covaxin. Ele disse nesta quarta-feira (23/6) que solicitou esclarecimentos a Polícia Federal.
“Acabei de pedir ao delegado da Polícia Federal que trabalha com a gente para pedir informação ao diretor-geral da Polícia Federal, para saber se houve inquérito para investigar essa questão da Covaxin”, disse a jornalistas.
A CPI da Covid convidou o servidor Luís Ricardo Miranda e seu irmão deputado para prestarem depoimento na sexta-feira (25/6).
Também foi aprovada a quebra de sigilo telefônico, fiscal, bancário e telemático do tenente-coronel Alex Lial Marinho, apontado como responsável por pressionar pela aprovação do contrato dentro do Ministério da Saúde. Ele também será convocado a depor na comissão, mas a data ainda será marcada.
Já o sócio-administrador da Precisa Medicamentos, Francisco Maximiano, deve ser ouvido na próxima semana, em data ainda a ser confirmada.
Via: BBC Brasil
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