Os familiares de Lourenço Pereira comunicaram o fato ao Ministério Público de Santo Cristo
A família do aposentado Lourenço Pereira, 69 anos, questiona na Justiça o uso de nebulização com hidroxicloroquina para o tratamento de Covid-19. O homem era morador da cidade de Alecrim no interior do Rio Grande do Sul, e foi internado no dia 19 de março, no Hospital de Caridade de Alecrim, vindo a falecer no dia 22. Segundo o prontuário a que a família teve acesso, o médico Paulo Gilberto Dorneles prescreveu no dia 20 de março o procedimento de nebulização com o medicamento que, de acordo com diversas pesquisas, não tem eficácia no combate ao coronavírus.
Filha do aposentado, Eliziane Pereira, 32 anos, conta que a família não foi comunicada nem consultada sobre o tratamento. De acordo com ela, Lourenço foi internado sem a presença de nenhum familiar, já que a mãe de Eliziane estava na casa da filha, em Porto Alegre, para tratamento médico. As informações entre os familiares e o paciente eram trocadas através do celular, e foi assim que Eliziane recebeu a notícia de que o pai estava se sentindo pior, justamente após a nebulização com cloroquina. “Não tivemos nenhuma informação do quadro do meu pai quando ele internou, o que o médico falou, ele mesmo nos repassou no dia 19”.
Embora o prontuário aponte que o tratamento tenha começado apenas no dia 20, Eliziane diz acreditar que a nebulização com cloroquina tenha iniciado já no dia 19. “Tem algumas informações escritas a mão e para nós que não somos da área não conseguimos entender, mas acredito que a medicação tenha iniciado já no dia 19 porque no decorrer do dia 20 meu pai me passou uma mensagem dizendo que estava se sentindo estranho porque no dia seguinte já não conseguia respirar sem ajuda do oxigênio”.
Lourenço era semianalfabeto, de acordo com a filha sabia apenas escrever o próprio nome e, mesmo assim, de forma incompleta. A família afirma que não foi consultada em nenhum momento sobre o tratamento que iria ser aplicado. “O fato de já no sábado o nosso pai não conseguir ficar sem oxigênio nos faz questionar essa conduta, que não nos foi repassada, questionada ou informada, por qual motivo ela foi usada, o que me leva a crer que ela tenha contribuído para a piora do meu pai”.
Os familiares de Lourenço comunicaram o fato ao Ministério Público (MP) de Santo Cristo e o caso ficou sob a responsabilidade do promotor Manoel Figueiredo Antunes. Ele já requisitou os prontuários médicos e documentos de Lourenço para requisitar a abertura do inquérito policial.
A reportagem procurou a direção do Hospital de Caridade de Alecrim, que alegou que não iria se manifestar à imprensa, mas apenas aos órgãos competentes.
Em busca de justiça
Eliziane afirma que se a família fosse consultada, não autorizaria o tratamento com o remédio reconhecidamente ineficaz no combate ao coronavírus. Agora, ela espera que o médico que prescreveu a medicação esclareça os motivos que o levaram a adotar o tratamento. “Queremos que o profissional prove que aquela medicação não piorou o caso clínico do meu pai e que ela não levou ele a óbito. Além do uso desse medicamento a falta de assistência dentro do hospital enquanto meu pai ficou internado, vivenciando o descaso e negligência”, afirma Eliziane ao citar que o pai não foi submetido a nenhum exame durante o período de internação.
Ela diz temer algum tipo de retaliação, já que a mãe ainda vive na pequena cidade de Alecrim, e o médico que está sendo questionado tem mais de 20 anos de trabalho na comunidade. De acordo com ela, nas redes sociais já foi possível sentir animosidades. “Não queremos aparecer, tanto que relutamos em conversar com a imprensa, mas sim buscar a verdade”.
Lourenço era um homem simples de uma cidade do interior, pai de sete filhos, entre eles Eliziane, que se formou em Direito no início de março. A formatura, mesmo on-line, não pôde ter a presença dele, já que a filha estava com Covid na época, e ele não pôde acompanhá-la em casa recebendo a graduação. Para Eliziane, uma marca ainda mais forte, já que o pai faleceu dois dias após seu aniversário.
Este não foi o primeiro caso no Rio Grande do Sul de pacientes que faleceram após receber nebulização de hidroxicloroquina. Entre os dias 22 e 23 de março, três pacientes internados no Hospital Nossa Senhora Aparecida, em Camaquã, cidade na região Sul do Estado, faleceram após receberem o tratamento. Diferente do caso de Lourenço, eles foram informados sobre o procedimento, chegando a buscar na Justiça a autorização para receber a nebulização por hidroxicloroquina. A médica que ministrou o tratamento foi afastada do hospital.
VOZ DO PARÁ: Essencial todo dia!
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