O texto bíblico não fala sobre homossexualidade

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
Justificar homofobia com base em textos bíblicos é desonestidade intelectual

O tema da homossexualidade continua como tabu em nossa sociedade. A Igreja, como parte do todo social, também enfrenta a grande dificuldade em dialogar sobre o assunto. Assim, falar sobre essa questão em ambiente cristão ainda é muito difícil e complicado, sendo motivo até mesmo para diversas brigas e divisões.

Ainda que nos últimos tempos a abertura para a questão homossexual tenha avançado, a Igreja como um todo, e principalmente a igreja evangélica brasileira, continua com grandes preconceitos em relação a esse tema, não sendo difícil presenciar discursos homofóbicos e discriminatórios.

Para justificar tais discursos, tomam por base textos bíblicos tirados de seus contextos, aplicando categorias modernas a escritos antigos. Para se ter uma ideia, o termo homossexualidade aparece pela primeira vez em 1869, como nos mostra Robert Di Vito, de tal modo que propor que a interação entre pessoas do mesmo sexo na Bíblia seja tomada de forma literal seria sem sentido. Essa deve ser vista no contexto de sua construção de papeis de gênero e da identidade pessoal, o que sem dúvida nos traz uma nova leitura sobre a questão.

Um ponto importante a se perceber é que, segundo o mesmo Di Vito, no Antigo Testamento não havia o que hoje se conhece como “eu” moderno. Não havia um caráter motivacional que deveria ser analisado, algo profundo que deveria ser descoberto por nós. O povo hebreu no Antigo Testamento não se fundava sobre a mesma noção moderna que temos da figura do eu. Esse “eu” está dentro de uma rede social e de papeis de gênero.

Os dois versículos mais usados por pessoas que se dizem cristãs para sustentar que a homossexualidade seja um pecado no Antigo Testamento são os de Levítico 20:13 e 18:22. Ambos têm estreita relação entre si, sendo o 20:13 variante de 18:22.

Em Levítico 18:22 lemos: “Não terás com um homem (lit. ‘deitar’) o deitar-se como com a uma mulher (miškĕbê ‘iššâ); é uma abominação (tô ‘êbâ)”. Em Levítico 20:13: “E quanto ao homem que tem (lit. “deita”) com um macho o deitar-se como com a uma mulher (miškĕbê ‘iššâ) – os dois cometeram uma abominação (tô ‘ēbâ); os dois serão réus de morte; seu sangue (culpa) cairá sobre eles mesmos”.

A expressão conturbada: “o deitar-se com uma mulher”, presente nos textos, não aparece em nenhuma outra passagem do Antigo Testamento, mas pode ter alguma indicação a partir da expressão “o deitar-se com um macho” atestada em Números e Juízes. Essa expressão se refere à penetração vaginal por um homem, dada que é usada para distinguir uma virgem de uma não-virgem. Por esse motivo, a expressão “o deitar-se com uma mulher” deve significar alguma coisa assemelhada.

Contudo, podemos perceber que “macho” e “mulher” não são um par de palavras, mesmo havendo certa área comum entre elas. Assim, as expressões com relação ao macho e à mulher não se trata de uma questão de experiência da mulher de penetração vaginal em oposição à experiência do homem de receptividade vaginal. Essa concepção do intercurso não sugere imediatamente a estrutura ativo-passivo/ domínio-subordinação, até mesmo porque há diversas coisas que a estrutura ativo-passivo deixa sem explicação quando aplicado ao texto bíblico.

Assim, para o Antigo Testamento os atos sexuais são manifestações de sociabilidade e a moralidade dos atos sexuais está ligada às expectativas dos papeis de gênero e não às questões de subjetividade e intimidade tão cara à nossa sociedade moderna. Nesse sentido, as restrições seriam uma estratégia para subordinar as metas e aspirações dos indivíduos aos objetivos da comunidade a que pertencem e exerceriam seu papel de fixação dos costumes e ordem da sociedade hebraica.

A concepção da experiência sexual na época do Antigo Testamento está em contraste com a concepção contemporânea da identidade sexual na contemporaneidade. Enquanto essa está para o privado e autônomo, àquela, a do Antigo Testamento, estava para o coletivo e a sociedade mais ampla.

Dessa forma o Israel bíblico e o Ocidente moderno se mostram em extremidades opostas quanto às experiências e objetivos da vida sexual, o que revela a grande dificuldade que encontramos hoje nos discursos que tentam trazer a moral sexual do Antigo Testamento para a contemporaneidade.

Esse texto é uma versão sintetizada do artigo Será que foi para o inferno? Uma possível releitura da homossexualidade no Antigo Testamento. (por Fabrício Veliq – protestante e doutor em teologia)

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