Seis décadas depois de sua morte, ocorrida em 2 de julho de 1961 (19 dias antes de fazer 62 anos), Ernest Hemingway continua sendo um dos escritores mais influentes de sua geração. Por mais que os politicamente corretos tentem desconstruir sua imagem aos olhos dos leitores, fato é que o velho Papa continua vivo no imaginário de fãs e imitadores pelo mundo afora.
Tanto é verdade que a rede americana de tevê PBS exibiu recentemente a série documental Hemingway, dirigida por Ken Burns e Lynn Novick. Inédito no Brasil, o programa de seis horas de duração foi estruturado a partir do processo criativo do escritor, cuja obra foi inspirava em sua rica experiência de vida. A produção reúne depoimentos de estudiosos e autores, entre eles Abraham Verghese, Edna O’Brien, Mario Vargas Llosa e Tobias Wolff, além de seu filho Patrick.
A série foi baseada em manuscritos originais, que comprovam o processo meticuloso de trabalho do autor de contos e romances famosos, como O sol também se levanta, Adeus às armas, Por quem os sinos dobram e O velho e o mar, que lhe valeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1954. Outra novidade é o livro Ernest Hemingway: a biography, escrito por Mary V. Dearborn, PhD em Literatura pela Universidade de Columbia.
Gênero ambíguo
Também inédita no Brasil, a obra e Dearborn discute o comportamento andrógino de Hemingway, que gostava que suas companheiras lhe cortassem o cabelo ou usassem cabelos curtos como rapazes. Em certo momento, deixou crescer os seus e passou a tingi-los de louro, algo incomum naquela época. Após sua segunda viagem à África, cismou de usar brincos, mas foi dissuadido da ideia pela esposa, Mary Welsh.
No romance póstumo e inacabado O jardim do Éden, o personagem David Bourne pede para a mulher penetrá-lo com um vibrador – experiência que teria sido vivida pelo próprio romancista. Quer dizer que Hemingway era gay? “Não”, responde a biógrafa, que o enquadra no “gênero ambíguo”. Segundo ela, tais fantasias “não falam sobre homossexualidade”, mas sobre a adoção do papel feminino na relação heterossexual.
Polêmicas à parte, fato é que Hemingway odiava a própria mãe. Grace era uma mulher castradora e ele a culpava pelo suicídio do pai. Quando era pequeno, ela o vestia de menina e isso também contribuiu para tal sentimento. Numa época de muitos preconceitos, é provável que o escritor se sentisse forçado a provar a virilidade, o que explicaria sua devoção pelos esportes violentos e a postura de machão, teimoso e briguento.
Morte trágica
Caçador, pescador, aficionado em boxe e touradas, Hemingway serviu nas duas guerras mundiais, trabalhou como correspondente e apoiou os republicanos na Guerra Civil Espanhola. Morou em Paris e em Cuba, casou-se quatro vezes, teve três filhos e sobreviveu a dois acidentes aéreos. Foi amigo de celebridades como Joyce, Pound, Fitzgerald, Gertrude Stein, Picasso, Ava Gardner e Gary Cooper. Inventou o daiquiri Papa Double, foi simpático à revolução cubana e investigado pelo FBI.
Independentemente das excentricidades, Hemingway será sempre lembrado por sua genialidade literária, resultado de muita disciplina no trato com as palavras. Numa entrevista à revista Esquire, em 1935, explicou seu método de trabalho: “A melhor maneira é sempre parar quando você estiver indo bem e quando souber o que acontecerá a seguir. Se você fizer isso todos os dias quando estiver escrevendo, nunca ficará bloqueado”.
A ironia é que um dos motivos de sua morte foi justamente o fato de se sentir bloqueado. Alcoólatra e paranoico, sofrendo de câncer e diabetes, mergulhou na mais profunda depressão. Costumava dizer que caçava animais para não ter que atirar em si mesmo. Depois de algumas tentativas malogradas de suicídio, disparou a espingarda de caça contra o céu da boca, encerrando uma das carreiras mais brilhantes da literatura americana. Sua trajetória inspirou vários livros e filmes, como Hemingway & Gellhorn (HBO) e Papa Hemingway em Cuba (Amazon Prime). (por Jorge Fernando dos Santos)
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