Presidente culpa embargo americano pela crise, mas jovens se revoltam por liberdade
As autoridades cubanas cortaram o acesso às principais plataformas de redes sociais para tentar deter o fluxo de informação sobre as manifestações contra o governo. A informação é do grupo NetBlocks, com sede em Londres, que mostraram interrupções desde segunda-feira no WhatsApp, Facebook, Instagram e também em alguns servidores do Telegram.
Em outra reação às manifestações do fim de semana, o governo cubano deteve mais de 100 pessoas, entre elas alguns opositores conhecidos, como Guillermo Fariñas, o ex-preso político Daniel Ferrer e o artista Luis Manuel Otero Alcántara, de acordo com várias fontes.
O governo pode interromper o acesso por meio da estatal Empresa de Telecomunicações de Cuba (Etecsa) e o único serviço de comunicações móveis Cubacel, segundo o NetBlocks. O NetBlocks disse que alguns cubanos conseguiram contornar as restrições mediante o uso de redes privadas virtuais ou VPN.
No domingo, milhares de cubanos saíram às ruas espontaneamente em cerca de 40 cidades e povoados da ilha para protestar pela crise econômica, que foi agravada pela escassez de alimentos e medicamentos. As sanções americanas, impostas em 1962 e radicalizadas durante o governo de Donald Trump, e a ausência de turistas, devido à pandemia, mergulharam Cuba em uma profunda crise econômica e geraram forte insatisfação social.
O governo de Cuba reforçou o policiamento nas ruas do país enquanto o presidente Miguel Díaz-Canel acusa os cubano-americanos de usar as redes sociais para provocar uma rara manifestação contra preços altos e escassez de alimentos. Uma jornalista da agência de notícias espanhola EFE disse que havia uma “calma tensa” nas ruas. Sem internet na ilha, a jornalista diz ser difícil “saber ao certo” o que se passa em todo o país.
De acordo com uma lista publicada na segunda-feira à noite no Twitter pelo Movimento San Isidro (MSI), um grupo de intelectuais e universitários que exigem liberdade de expressão e criação, 114 pessoas foram detidas ou não estão localizadas. Até o momento, as autoridades não divulgaram ainda um número oficial de detenções, mas existe uma lista provisória elaborada por ativistas locais que conta com 65 nomes só em Havana.
Dada a gravidade da situação, Raúl Castro teve que sair da aposentadoria. Castro, de 90 anos e autor da revolução junto ao seu irmão Fidel, se aposentou e concedeu em abril o poder máximo como líder do Partido Comunista a Díaz-Canel, que é presidente de Cuba desde 2018.
Apesar de estar aposentado, no domingo participou de uma reunião do gabinete político do Comitê Central do PCC, na qual “analisaram provocações orquestradas por elementos contra-revolucionários, organizados e financiados pelos Estados Unidos com propósitos desestabilizadores”, disse o jornal Granma, órgão informativo do partido.
Direito a manifestação
“Vimos como a campanha contra Cuba estava crescendo nas redes sociais nas últimas semanas”, disse Díaz-Canel na segunda-feira em uma aparição na televisão nacional na qual todo o seu gabinete estava presente. “É assim que se faz: tente criar inconformidade e insatisfação manipulando emoções e sentimentos.”
Em comunicado, o presidente dos EUA, Joe Biden, disse que os manifestantes cubanos estavam reivindicando seus direitos básicos. “Apoiamos o povo cubano e seu clamor por liberdade e alívio das trágicas garras da pandemia e das décadas de repressão e sofrimento econômico a que foi submetido pelo regime autoritário de Cuba”, disse Biden. Os EUA exortam o governo cubano a servir ao seu povo “em vez de enriquecer”, acrescentou Biden.
Os Estados Unidos pressionaram nesta terça-feira (13) para que Cuba acabe com as restrições à internet e renovaram o pedido de libertação dos manifestantes detidos. “Pedimos aos líderes cubanos que mostrem moderação (e) respeito pela voz do povo, abrindo todos os meios de comunicação, tanto digitais como não digitais”, disse o porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price, em entrevista coletiva. “Parabenizamos o povo de Cuba por mostrar grande coragem”, disse Price, acrescentando que Havana respondeu tentando “silenciar suas vozes”.
O porta-voz adjunto da ONU, Farhan Haq, enfatizou a posição da organização “sobre a necessidade da liberdade de expressão e de reunião pacífica ser totalmente respeitada, e esperamos que seja esse o caso”.
As manifestações foram extremamente incomuns em uma ilha onde pouca dissensão contra o governo é tolerada. A última grande manifestação pública de descontentamento, por causa das dificuldades econômicas, aconteceu em 5 de agosto de 1994, milhares de cubanos saíram às ruas de Havana para protestar contra as políticas do governo, no primeiro levante contra o regime de Fidel Castro, que assumiu o poder em 1959.
Cuba enfrentava a depressão econômica após o fim da União Soviética. O combustível e a comida eram escassos na ilha, que enfrentava períodos de falta de energia, impossibilitando o uso de ventiladores em meio a um calor intenso, e de bombas de água.
No ano passado, houve pequenas manifestações de artistas e outros grupos, mas nada tão grande ou generalizado quanto o que estourou no fim de semana. “Estamos fartos das filas, das faltas. É por isso que estou aqui”, disse um manifestante de meia-idade à Associated Press. Ele se recusou a se identificar por medo de ser preso.