Óbvio que militar rouba

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
O fato de o servidor ser militar não o inocenta prévia e automaticamente de qualquer denúncia

Imagine se a Associação dos Funcionários Públicos Federais emitisse uma nota oficial protestando contra denúncias de corrupção de seus associados. Seria ridícula, tão ridícula quanto a nota assinada pelo ministro da Defesa, Braga Netto, e os comandantes militares contra o presidente da CPI, senador Omar Aziz, por ter observado que o lado podre das Forças Armadas envergonha o lado bom. Qual é o erro nesta afirmação? Nenhum, a menos que os militares honestos não se envergonhem dos malfeitos dos bandidos fardados.

O fato de o servidor ser militar não o inocenta prévia e automaticamente de qualquer denúncia. Para ser honesto, tem que praticar a honestidade. Pode ser que no estrito cumprimento de suas obrigações constitucionais, dentro dos quartéis, seja mais difícil ao servidor fardado aliviar os cofres públicos, em razão da disciplina rígida e do sistema punitivo próprio. Mas, ainda assim, rouba-se até mesmo na caserna. Em 1991, O GLOBO revelou um mega esquema de desvios no Exército através do superfaturamento de fardas e roupas de cama e banho para recrutas. Em 2017, o Ministério Público Militar denunciou 11 pessoas, seis militares e cinco civis, por desvios de R$ 150 milhões em contratos de obras entre 2005 e 2010.

Há dois meses o Ministério da Saúde exonerou seu superintendente no Rio, coronel George Divério, por autorizar obras sem licitação em prédios oficiais. As obras foram encomendadas a empresas altamente suspeitas e que já haviam se envolvido em outras mutretas na Indústria de Material Bélico, do Exército, na época em que a Imbel era dirigida Divério. O coronel exonerado foi substituído por outro coronel. Isso garante lisura para o órgão? Claro que não. Agora, no Ministério da Saúde, indícios de malfeitos apontam para outros oficiais que comandaram unidades da pasta durante a desastrosa, “imoral e antiética” gestão do general Pazuello.

Casos de corrupção ocorrem em maior ou menor volume diante das chances que o desonesto tem de roubar. Nunca, em tempo algum, militares ocuparam tantos cargos civis no governo federal. Nem no período mais fechado e tenebroso da ditadura militar, no governo do general Garrastazu Médici, houve tantos coronéis e generais em postos de primeiro e segundo escalões do Executivo federal. Considerando todas as patentes, mais de 6 mil postos civis foram entregues a militares no governo Bolsonaro. Claro que haveria de aparecer casos de avanços sobre o dinheiro público feitos por homens com estrelas nos ombros.

A nota irada e descabida da Defesa foi de uma sandice sem tamanho. Foi um ato político que não guarda nenhuma proximidade com o bom senso e a inteligência. Foi estúpida, por ser intransigente. E burra, por ser ameaçadora. Desde quando militar desonesto não pode ser citado por senador? Que conversa é essa de “as Forças Armadas não vão aceitar ataques levianos”? Primeiro, a fala de Aziz não foi leviana. E, mesmo que fosse, caberia tão somente ao Ministério da Defesa defender-se nos tribunais. Que processasse o senador, o que não podia era ameaçar a CPI, nem o Senado. Em última análise, a nota ameaça a democracia.

A nota erra gravemente em outro ponto. Diz que que Exército, Marinha e Aeronáutica “defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro”. Engano. Essas não são atribuições das Forças Armadas, que, de acordo com a Constituição, “destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos Poderes constitucionais e (eventualmente) da lei e da ordem”. Quem defende a democracia e a liberdade do povo é a própria Constituição. Obrigado, generais, mas o povo e a democracia defendem-se com a Constituição. A mesma que os senhores estão obrigados a obedecer.

Por fim, a nota mostra o grau de alienação dos seus signatários. O país passa por uma crise sem tamanho gerada por um presidente com cara, estilo e patente de militar. Sua gestão da pandemia resultou em milhares de mortes que poderiam ter sido evitadas se ele não desse tratamento político a uma crise sanitária e se o general que mandou chefiar a Saúde não fosse absurdamente incompetente. Com tanta coisa para se preocupar, inclusive recuperar a imagem para lá de manchada das Forças Armadas, o ministro Braga Netto e os comandantes militares saíram em defesa de oficiais corruptos e atacaram o presidente da CPI. Ou foi um exagero mal calculado ou mais um ato de subserviência de generais ao capitão. (por Ascânio Seleme – O Globo)

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