A responsabilidade da mãe por omissão nos crimes sexuais

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.

Pais incorrem em crime quando podem evitar a agressão sexual do menor de 14 anos e se omitem

Lamentavelmente é comum nos depararmos com situações em que pessoas próximas à mãe de um menor de catorze anos (parentes, amigos, vizinhos, padrastos e, por incrível que pareça, até mesmo pais) têm seguidos contatos sexuais com tais crianças. Como fica a situação dessas mães que tomam conhecimento desses fatos e resolvem se omitir?

Com relação ao sujeito que realizou a ação, não há dúvida acerca da criminalização pelo crime de estupro de vulnerável, previsto no art. 217-A do Código Penal – salvo situações excepcionais de inimputabilidade do sujeito ativo, por graves patologias psíquicas devidamente diagnosticadas e periciadas.

E a mãe, pode ser criminalmente responsabilizada? A resposta é positiva, com base nos chamados crimes comissivos por omissão, ou omissivos impróprios, ou ainda omissivos impuros, conforme previsão legal contida no art. 13, § 2º, do Código Penal. A propósito, trata-se de norma que tem sido bastante esquecida na prática.

Antes de apresentar a definição de tais delitos, cabe distingui-los dos crimes omissivos próprios ou puros. Nesses casos o próprio tipo penal descreve uma omissão. É o que ocorre, e. g., com a omissão de socorro (art. 135 do CP), e ainda quando o médico deixa de denunciar à autoridade pública doença cuja notificação seja compulsória (art. 269).

Já nos casos aqui tratados, os crimes comissivos por omissão, o tipo descreve uma ação. Entretanto, há uma norma na Parte Geral prevendo que “a omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado” (§ 2º do art. 13 do CP). Assim, é possível falar que o omitente responde como o agente que realiza a ação. O grande exemplo é do salva-vidas que deixa o banhista morrer afogado. Será responsabilizado não por uma mera omissão de socorro, mas sim por homicídio que, a depender do caso, será culposo ou doloso.

Continuando no caso, tem-se que as três alíneas do § 2º determinam a quem incumbe o dever de agir. No caso da mãe que se omite, no estupro de vulnerável contra seu filho, deve-se considerar a alínea “a”, que dispõe que a responsabilidade penal deve recair sobre o omitente que “tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância”.

Há lei expressa que prevê tais obrigações por parte da mãe, e obviamente do pai também. Trata-se especialmente do art. 1.630 do Código Civil, que determina que “os filhos estão sujeitos ao poder familiar, quando menores”. Portanto, o poder do pai e da mãe, ou dos dois pais ou duas mães, caso se trate de relação homoafetiva, já que esses, vias de regra, estão na guarda do menor (art. 1.583, que inclusive se encontra em Capítulo do Código Civil denominado Da proteção da pessoa dos filhos). É o chamado poder parental, que nada mais é do que espécie do gênero poder familiar.

Assim, voltemos ao caso inicialmente descrito: pessoas próximas à mãe de um menor de catorze anos têm seguidos contatos sexuais com tais crianças. A mãe tem por lei os deveres de cuidado, proteção e vigilância, frutos diretos do exercício do poder parental. Com base no art. 13, § 2º, a, do Código Penal, deviam e podiam agir para evitar o resultado, já que possui por lei os deveres acima citados. Concluindo, a omissão é sim penalmente relevante, devendo a mãe responder pelo estupro de vulnerável assim como aquele que realizou a ação.

Por fim, cabe um último comentário que diz respeito ao dolo. Por óbvio que não basta que os fatos aconteçam, mas é imprescindível que a mãe tenha conhecimento dos mesmos para que assim possa ser penalmente responsabilizada. Isso porque o art. 217-A só permite a punição a título de dolo, e o Direito Penal repudia a responsabilidade objetiva. E não há possibilidade de punição pelo referido crime na forma culposa, por dois motivos: primeiro porque a punição a título de culpa depende de expressa previsão legal, o que não ocorre no estupro de vulnerável; e ainda porque é até difícil pensar num exemplo em que a mãe sabe das situações que estão correndo e se omite culposamente. Haveria, no mínimo, dolo eventual nesta omissão – apesar de acreditarmos que a hipótese é sim de dolo direto.

Após essa análise normativa, devemos lutar pela aplicação prática do crime comissivo por omissão, que é tão bem estudado nas faculdades mas muito pouco visto nos fóruns e tribunais.

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