Uso do app, crucial nas últimas eleições, se modifica. Grupos se subdividem, com regras próprias. 71% dos usuários se dizem “mais comedidos”, em resposta à polarização e fake news. Mas 1/3 compartilha “conteúdos ofensivos”
Atire o primeiro emoji quem não saiu – ou foi removido – de um grupo de WhatsApp na época das eleições de 2018 por conta de alguma discordância visceral com certos membros de outros espectros políticos.
A disputa presidencial dividiu famílias, amizades e também grupos virtuais, e mudou radicalmente a forma como os brasileiros usam o WhatsApp, promovendo um olhar mais crítico às informações recebidas nessa rede, e motivando a criação de regras de conduta mais claras para reger o comportamento dentro de grupos.
A conclusão é baseada em uma ampla pesquisa sobre o uso do WhatsApp realizada pelo InternetLab em parceria com a Rede Conhecimento Social, à qual o Núcleo mostra com exclusividade. O estudo tem mais de 3.100 respondentes e é representativo da população de +16 anos que utiliza internet.
Dois pontos principais sobre mudanças de hábitos saltam aos olhos na pesquisa:
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71% dos respondentes afirmaram ter mudado de comportamento no aplicativo depois das eleições de 2018, até mesmo se comedindo para dar respostas em grupos;
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Metade afirmou ter notado mudanças nas regras de convivência de grupos, sobre o que poderia ou não ser compartilhado neles.
Faltando pouco mais de um ano para as eleições de 2022, que prometem ser tão ou mais polarizadas do que as anteriores, essas pequenas e importantes mudanças são colocadas à prova constantemente – até porque não tem pra onde correr, considerando que o WhatsApp, que pertence ao Facebook, domina o mercado de mensagens no país, presente em quase todos os celulares brasileiros.
Coloca-se nessa escala, também, o papel dos grupos, que representam uma imensa parte da interação entre as pessoas no aplicativo: 95%%
dos usuários do aplicativo estão em pelo menos um.
“Eu não sei quantos grupos eu tenho e acho que deveria ser uma funcionalidade do WhatsApp mostrar quantos. Eu tenho grupos que silencio e nunca leio. Fora aqueles que a gente fica de terminar o grupo depois e nunca termina. Com certeza tenho mais de 20.”
– Respondente de capital da Região Sul
Afetos e mentiras
Boa parte do que gerou essas mudanças pode ser atribuído a dois fatores principais:
1. motivações afetivas;
2. receio de desinformação.
O primeiro se deve a razões mais pessoais, uma vez que a polarização política gerou constrangimento em grupos de pessoas mais próximas e atritos em relacionamentos familiares, amizades e, por vezes, até profissionais, explicaram ao aNúcleo Heloisa Massaro, coordenadora de pesquisa na área de Informação e Política no InternetLab, e Fernanda Império, consultora da Rede Conhecimento Social.
Os grupos de família e amigos, seguidos dos de trabalho, são os mais comuns no WhatsApp dos brasileiros ouvidos na pesquisa. Não à toa, estes também são os grupos onde mais se fala sobre notícias políticas e que foram apontados como os grupos que mais têm capacidade de influenciar na escolha de um candidato.
“Em 2018 eu saí também do grupo de dança, que era um grupo que eu dancei por 15 anos aqui na minha cidade e mesma coisa de política. O grupo estava bem espalhado, pessoas de todos os cantos do Brasil e com isso começaram as mensagens políticas das mais diversas. Então, para não ter briga eu prefiro sair. Eu saio porque é melhor manter a amizade”.
– Respondente do interior do Centro-Oeste
É importante pontuar, porém, que o entendimento do que significa checar uma notícia falsa varia entre os grupos – mas a preocupação, de uma forma ou de outra, está lá.
“Essa ética pessoal vai depender de como a pessoa lê o mundo ou o ecossistema de informação em que ela está inserida”, disse Heloisa Massaro, do InternetLab.
“Então o que significa checar fonte é diferente de pessoa para pessoa. Não necessariamente a emergência de uma ética por si só é algo positivo ou negativo. O que é essa ética depende muito de onde a pessoa está situada”, avaliou.
Mesmo assim, 30% dos respondentes admitiram, ao menos parcialmente, ter repassado notícias sem averiguar a origem da informação. Respondentes à direita se mostraram mais dispostos a admitir essa postura – 40% reconheceram ter feito isso, ao passo que apenas 25%%
de esquerda o fizeram.
Para provar que a polarização não vai embora tão cedo no Zap, 1 em cada 33
respondentes disse compartilhar conteúdo potencialmente ofensivo quando acredita em uma ideia, na linha do chamado “viés de confirmação”, tão presente no cenário de desinformação.
Vale no offline, vale no online
O WhatsApp não é uma rede homogênea – e nem seus grupos. Além das limitações técnicas impostas pela ferramenta, como o limites de encaminhamento e limites a mensagens virais, não há um manual de regras de convivência que se aplique a todos os grupos.
A pesquisa mostrou ainda que mesmo em grupos de ‘tipos semelhantes’, como, por exemplo, os grupos de compra e venda, as regras próprias podem divergir consideravelmente.
Para Massaro, as normas se dão de forma muito casuística, uma vez que a estrutura dos grupos está embutida diretamente nas relações das pessoas. Isso significa que muitas regras e decisões de comportamento são trazidas do offline para o online, emulando interações presenciais.
“Então, não tem diferença eu dizer no grupo da família, no WhatsApp ou num almoço de domingo. O filtro é o mesmo. Então, tem grupos que eu me sinto à vontade, tem grupos que eu não me sinto. Tem gente que eu nunca vi na vida, então como eu vou interagir. Quando eu vou interagir é como se eu estivesse entrando num grupo onde eu não conheço ninguém. É igual!”
– Respondente de capital na região Sul
No caso de alguns grupos, onde há uma administração mais incisiva e presente, como os de comércio e os de caráter religioso, as regras estão no cerne da troca de mensagens, e fazer parte dele significa consentir com os termos propostos.
Em grupos mais informais, como grupos de Educação, segundo as pesquisadoras, as regras vão sendo formuladas à medida que o grupo se desenvolve, em uma espécie de consenso.
“É uma biblioteca, então cada vez que alguém joga um bom dia ou coisa parecida, o administrador do grupo coloca um psiu, isso aqui é uma biblioteca!. Eu estou numa biblioteca, eu tenho que fazer silêncio porque eu vou atrapalhar o colega que está lendo. Então, é o grupo que tem a regra mais severa. Uma das regras é a expulsão do grupo.”
– Respondente de Estado da região Norte