Mulheres protagonizam longa luta pela igualdade nos Jogos Olímpicos

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
Pela primeira vez, o número de competidores masculinos e femininos será equilibrado, com quase 49% de atletas mulheres

Os Jogos Olímpicos de Tóquio 2021 foram planejados para ser um marco: o Comitê Olímpico Internacional (COI) anunciou que, pela primeira vez, o número de competidores masculinos e femininos será equilibrado, com quase 49% de atletas mulheres.

Como as mulheres começaram a competir nos Jogos em 1900, quando eram apenas 23 entre cerca de mil atletas, chegar a este ponto está mais para maratona do que para corrida de 100 metros.

A China lidera, com um recorde de 69% de mulheres em sua delegação de 433 pessoas. Outras potências olímpicas vêm a seguir. Mais da metade das nações competidoras, incluindo as nove primeiras na classificação final de medalhas nos Jogos Olímpicos de 2016 no Rio, estão enviando equipes compostas por quase 50% de mulheres para Tóquio.

No entanto, igualdade de gênero não significa apenas encaixar o maior número possível de mulheres na delegação – é também dar a elas as condições para que tenham um desempenho igual e a mesma chance de vencer que seus colegas homens da delegação.

A reportagem analisou a contagem de medalhas e os números da composição de delegações fornecidos pela Olympedia, um site mantido por um grupo de historiadores e especialistas em estatísticas olímpicas, para procurar saber em quais países as atletas femininas têm chances similares de medalha em relação a seus colegas masculinos e em que países isso não ocorre.

Os de alto desempenho

Usain Bolt deixou todos sem palavras em 2008, quebrando recordes mundiais e fazendo da palavra “Jamaica” um sinônimo de velocidade. No entanto, ele não foi o único homem a ganhar medalhas pelo país caribenho em Pequim. Das 11 medalhas da Jamaica, nove foram conquistadas por mulheres.

Um dia após o triunfo de Bolt, Shelly-Ann Fraser-Pryce, considerada a mulher viva mais rápida, também venceu os 100 metros rasos. Ela foi acompanhada no pódio por duas outras mulheres da Jamaica, um país onde as mulheres historicamente tendem a superar os homens.

Supondo que atletas de ambos os sexos tenham capacidades e acesso a recursos semelhantes, é justo esperar que, se as mulheres representarem 50% dos atletas em uma delegação olímpica nacional, então elas deveriam ganhar cerca de 50% das medalhas de seu país – mesmo com pequenas ressalvas, como esportes coletivos e eventos mistos.

Em 2008, as 27 atletas femininas representaram 54% da delegação de 50 pessoas da Jamaica, mas ganharam 82% das 11 medalhas do país.

A Jamaica é apenas um dos países no quais as mulheres tendem a levar para casa mais medalhas do que a composição de gênero de sua delegação sugere.

A Austrália produziu grandes nadadoras, incluindo Shane Gould, que ganhou cinco das 17 medalhas de seu país em Munique em 1972. As mulheres etíopes dominam as corridas de longa distância. As holandesas são excelentes ciclistas e nadadoras.

E também há a Romênia, talvez o país de maior sucesso em termos de mulheres olímpicas. As mulheres romenas têm superado de forma consistente seus colegas masculinos desde os anos 1970 – no início, em grande parte devido às equipes de ginástica do país, lideradas por Nadia Comaneci, que nos Jogos Olímpicos de 1976 em Montreal se tornou a primeira atleta a marcar um 10 perfeito.

“Dos dez atletas olímpicos icônicos, oito são mulheres e dois são homens”, diz o chefe do Departamento Internacional do Comitê Olímpico Romeno, Kristian Butariu. Ele diz que fatores socioeconômicos estão por trás dessa diferença de gênero incomum, observando que praticar esportes na Romênia oferece uma carreira pouco estável. “Enquanto as mulheres se profissionalizam, os homens geralmente se sentem responsáveis por sustentar a família, então eles precisam, em suas mentes, de uma ocupação que dê dinheiro.”

Essa visão pode ilustrar como a sociedade romena vê gênero e esporte hoje, mas há outra explicação possível: o país fez parte do Bloco do Leste por mais de 40 anos, numa época em que os países comunistas e capitalistas viam os Jogos Olímpicos como uma plataforma de propaganda.

“Os esportes femininos também eram uma oportunidade de apresentar a superioridade política de seus próprios sistemas”, ressalta Anke Hilbrenne, historiadora que pesquisa gênero e esportes na Universidade Georg-August em Göttingen, Alemanha.

Segundo ela, era importante para a retórica comunista enfatizar a percepção da igualdade entre homens e mulheres, e os Jogos Olímpicos eram a plataforma perfeita para isso. Países como Tchecoslováquia, União Soviética e Alemanha Oriental foram de fato lugares onde as mulheres superavam seus colegas homens, assim como a Romênia ainda é. No entanto, um exemplo negativo vem de um país com uma ideologia semelhante.

Os de baixo desempenho

Mireya Luis é considerada por muitos como a melhor jogadora de voleibol de todos os tempos. Ela ganhou três medalhas de ouro olímpicas com Cuba entre 1992 e 2000, mas seu legado não sobreviveu. A outrora temida seleção cubana de vôlei não se classifica para os Jogos desde 2008.

A situação de Cuba é diferente do de outros países. Apesar das restrições econômicas devido ao embargo imposto pelos EUA, uma população de apenas 11,3 milhões e um alto número de deserções entre os atletas, a ilha comunista ocupa um impressionante 18º lugar na contagem de medalhas de todos os tempos.

Atualmente, a maioria das vitórias vem do boxe, uma paixão nacional que o regime cubano não considera apropriada para mulheres. Apenas os homens cubanos podem competir. As mulheres costumam levar para casa medalhas no judô e no taekwondo, mas a paixão esportiva do país está fora do alcance delas.

Existem obstáculos semelhantes em outros países onde as mulheres tendem a ter desempenho abaixo do que seria esperado.

O esporte nacional do Irã é a luta livre, mas o país nunca enviou lutadoras femininas aos Jogos. Os homens do Uzbequistão ganham medalhas consistentemente no boxe e no levantamento de peso, mas a única medalha já conquistada por uma atleta feminina do país é um bronze na ginástica.

No entanto, nem todas as disparidades podem ser explicadas pelo conservadorismo social. As brasileiras ganham consistentemente menos medalhas do que se poderia esperar com base na percentagem da delegação nacional que integram. Isso apesar do orgulho geral do país por ícones femininos, como a ginasta Daiane dos Santos ou a jogadora de futebol Marta.

O mesmo se aplica a um país considerado progressista, como a Suécia, embora tenha havido mais mulheres suecas do que homens competindo nos Jogos Olímpicos desde 2008.

As potências do esporte e da igualdade

Na final do evento de ginástica no Rio em 2016, a estrela americana Simone Biles subiu ao palco ao som da música Mas que nada, que fez o público cantar junto com a coreografia.

Assim que saiu do palco, Biles foi abraçada por suas companheiras de equipe. Elas tinham acabado de ganhar o ouro para os Estados Unidos. Em breve dividiriam o pódio com as equipes russa e chinesa.

Esse episódio resume como os Jogos Olímpicos vêm ocorrendo desde 1996, quando Rússia e China substituíram a União Soviética como principais rivais dos Estados Unidos na corrida por medalhas. As atletas femininas são uma parte significativa do sucesso desses países.

No Rio, as russas e americanas representavam cerca de 50% de seus times e levaram para casa quase a mesma proporção de medalhas. Da mesma forma, as mulheres chinesas representaram cerca de 60% de sua equipe e ganharam um número proporcional de medalhas.

“Os países que querem estar no topo da contagem de medalhas reconheceram que não vão conseguir isso a menos que tanto homens como mulheres ganhem medalhas”, diz a pesquisadora de gerenciamento esportivo Michele Donnelly, da Brock University em St. Catharines, Ontário, Canadá.

Mas nem sempre sucesso olímpico indica igualdade de condições – ele pode até mesmo ocultar problemas sistêmicos, sendo a ginástica olímpica americana um excelente exemplo. Dois anos após os Jogos do Rio, quatro das cinco integrantes da equipe disseram ter sofrido abusos sexuais por parte de funcionários da USA Gymnastics.

“Essas mulheres têm estado constantemente nos Jogos e ganhado medalhas. Isso não é por si só prova de igualdade de gênero – é um sucesso apesar da desigualdade de gênero”, diz Donnelly. “Temos que ir mais fundo para ver as condições em que essas mulheres estão competindo.”

Mesmo em 2021, as mulheres continuam competindo em menos eventos e recebendo menos medalhas do que os homens. Até os regulamentos para roupas são mais rígidos para as mulheres do que para os homens. O francês Pierre Coubertin, pai dos Jogos Olímpicos modernos, era um adversário da participação feminina no evento que ele imaginava em 1896.

De acordo com Donnelly, avanços significativos estão sendo feitos, mas o legado sexista ainda prejudica as atletas e continua a atrapalhar a busca pela verdadeira igualdade. (DW)

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