O passado não perdoa o Nurembergue por 143 judeus proscritos

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
Arquivos descobertos nos porões do clube revelam detalhes sobre tratamento dado a integrantes da comunidade judaica. Após Hitler chegar ao poder, vários times excluíram membros e estimados 20 mil futebolistas judeus.

Um acaso levou à descoberta de arquivos esquecidos dos anos 1930 nos porões da sede do FC Nurembergue. O administrador das instalações decidiu fazer uma limpeza geral no subsolo e se deparou com uma dúzia de empoeiradas caixas de papelão amontoadas e jogadas a esmo num canto qualquer. Para sua surpresa, encontrou pouco mais de 12 mil fichas ainda intactas de membros do clube daquela época. Destes, 143 eram judeus.   

O achado chamou a atenção de Bernd Siegler, historiador e curador do museu do clube, que se pôs a vasculhar a papelada, e à cada virada de página surgiam aspectos tenebrosos da história do Nurembergue. Vale lembrar que nas décadas de 1920 e 1930 o clube estava na primeira prateleira do futebol alemão, tendo levantado a salva de prata – símbolo maior da conquista do título de campeão – em seis oportunidades.

Foi em 1933 que começou gradualmente a “limpeza” étnica na Alemanha nazista, sob a forma de discriminação contra os judeus. Assim que Hitler assumiu o poder, muitos clubes se anteciparam a eventuais determinações do regime e prontamente excluíram dos seus quadros membros e atletas da comunidade judaica.

Na primavera daquele ano, 14 clubes do sul e sudoeste da Alemanha se reuniram para firmar a chamada Resolução de Stuttgart, que, entre outras coisas, rezava: “Saudamos a nova ordem nacional e estamos prontos para excluir dos nossos quadros todos os membros judeus.” Entre os signatários estavam clubes renomados, como Bayern de Munique, 1860 Munique, Eintracht Frankfurt, Karlsruher, Stuttgarter Kicker e, claro, o Nurembergue.  

A resolução foi aprovada por unanimidade em 27 de abril de 1933. Um dia depois, os clubes, com o Nurembergue tomando a dianteira, enviaram uma carta aos “proscritos” dando conta de sua expulsão do clube em 30 de abril.    

Milhares de excluídos

Estima-se que aproximadamente 20 mil futebolistas judeus ativos nos seus clubes na Alemanha tenham recebido uma carta como esta, enviada pelo Nurembergue aos seus 143 membros judeus:

“Caro associado, estamos honrados em levar ao seu conhecimento que o 1. FC Nurembergue está excluindo do seu rol de membros todos os judeus. Com saudações esportivas, firmamos a presente.” Uma carta com começo cínico e de final escarnecedor.  

É importante destacar que, até então, o governo nazista ainda não tinha baixado nenhum decreto que obrigasse os clubes a excluir os seus membros judeus. Vale dizer que foi uma iniciativa própria das agremiações para sinalizar sua adesão ao novo regime.

Henry Wahlig, historiador do Museu Alemão de Futebol, afirma que, com a  Resolução de Stuttgart, os judeus na Alemanha não tinham a menor chance de jogar futebol por qualquer clube alemão.

Arquivos reveladores

Os arquivos dos porões de Nurembergue são reveladores. Nenhum outro clube profissional da Alemanha tem registros tão detalhados sobre o tratamento que dispensou aos seus membros judeus. Estas fichas históricas são importantes também porque mostram com que rapidez, organização e método um clube tratou de expulsar os judeus de suas fileiras.

Muitos conseguiram fugir para o exterior por caminhos tortuosos para os Estados Unidos, Inglaterra ou Palestina. Pelo menos nove das pessoas expulsas pelo clube tiveram seus destinos selados em Auschwitz, Theresienstadt, Majdanek e em outros campos de concentração ou de extermínio.  

Passados quase 90 anos, os clubes de futebol ainda têm dificuldades de passar a limpo sua história durante o regime nazista. Somente a partir dos anos 2000, a Federação Alemã de Futebol começou a encarar o seu próprio papel nefasto durante aquela época.

No Bayern de Munique, foi a pressão das torcidas organizadas Ultra que levou a diretoria do clube a contratar Andreas Wittner, especialista em reconstituir arquivos históricos, especialmente aqueles que se referem a biografias de judeus membros do Bayern. Foram também os torcedores Ultra que, com suas coreografias na Allianz Arena, trouxeram o presidente judeu Kurt Landauer de volta à consciência coletiva bávara.

O FC Nurembergue tem agora a oportunidade de deixar a sua história em pratos limpos. Já é um bom começo. O próximo passo será reintegrar postumamente ao rol de membros do clube os 143 “proscritos” de 1933. Isso deverá acontecer na próxima assembleia geral dos associados, ainda neste ano. Não desfaz o mal feito, mas o reconhece como tal e que jamais deveria ter acontecido. (por Gerd Wenzel)

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