Só o afeto nos salvará

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
Depois da pandemia, por que não criar o Ministério do Beijo?

Com o lento declínio da pandemia no mundo, à medida que a vacinação progride, crescem também as interrogações sobre as consequências do distanciamento social, do uso de máscaras e do excesso de higiene no empobrecimento do microbioma humano.

Este ano, os casos de mortes por gripe tiveram uma redução abrupta. Pode não ser assim em 2022, devido, por um lado, ao enfraquecimento do sistema imunitário da maioria das pessoas, e, por outro, ao desconhecimento de novas variantes em circulação, o que prejudicará a atualização das próximas vacinas. Muitos cientistas alertam também para um eventual aumento das doenças autoimunes.

Num mundo livre da pandemia de Covid-19, talvez os governos sejam forçados a criar ministérios da Reaproximação Social, ou ministérios do Beijo, com o objetivo de promover a troca de fluidos, isto é, de micro-organismos, entre a população viralmente empobrecida. Estas instituições teriam ainda como missão prioritária o combate ao autoconfinamento e à agorafobia.

Competirá aos ministérios do Beijo organizar e apoiar todo tipo de atividades que envolvam grandes multidões

Competirá aos ministérios do Beijo organizar e apoiar todo tipo de atividades que envolvam grandes multidões, do carnaval a concertos de rock, além de surubas, clubes de swing, missas e procissões religiosas, manifestações e passeatas etc. O carnaval passará a ser realizado quatro vezes por ano e será de frequência obrigatória. As pessoas terão de apresentar um “Certificado de Carnaval”, passado por escolas de samba e outras agremiações semelhantes, comprovando que passaram pelo menos três dias seguidos sambando, trocando beijos, abraços, suor, cerveja e micróbios.

As forças da lei aplicarão multas a quem insistir em circular de máscara. Brigadas especiais irão de apartamento em apartamento, procurando confinados. Psicólogos prestarão assistência domiciliar aos casos mais graves de agorafobia. Policiais especialmente treinados para o efeito promoverão beijaços entre desconhecidos. Quanto mais desconhecidos, melhor: “Aquele rapaz! Você mesmo! Tem de beijar o motoboy.” E o povo em redor, num coro frenético: “Beija! Beija! Beija!”

Virão turistas do Norte da Europa enriquecer o seu depauperado microbioma nos carnavais cariocas. Também os carnavais de Luanda e Benguela, em Angola, ou de Quelimane, em Moçambique, se encherão de europeus e americanos. O continente africano, aliás, passará a atrair milhões de turistas sanitários, desejosos de desfrutar da prosperidade microbiana dos povos do continente.

Brinco, mas o assunto é sério. O nosso corpo funciona em estreita simbiose com trilhões de micro-organismos diversos. Não sobreviveríamos sem eles. Vírus foram fundamentais na longa história da evolução. Em larga medida, fomos criados por vírus. Assim, não surpreende que inúmeras doenças do nosso tempo sejam consequência direta do desequilíbrio e do empobrecimento do microbioma.

Enquanto uma larga percentagem da população não estiver totalmente vacinada, é importante manter o distanciamento social, o uso de máscaras e de higienizantes. Essas práticas são um mal necessário. Na fase seguinte, contudo, serão apenas um mal. Nessa fase só o afeto nos salvará. (José Eduardo Agualusa | Texto publicado originalmente na revista “Visão” de Portugal)

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