O novo (?) Instituto Federal Paraense: divisão sem criação

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Ronnielle de Azevedo-Lopes

Sem qualquer discussão prévia, no último dia 30 de agosto, o Ministro da Educação, Milton Ribeiro, por meio da SETEC/MEC (Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica/Ministério da Educação) conclamou uma reunião com 11 reitores de institutos federais (IFs) para anunciar que o MEC planeja “a criação de dez novos institutos federais”, entre eles, um no Pará com reitoria em Marabá-PA. A “criação” desses novos IFs não contemplaria a expansão de novos Campi, tampouco, a ampliação de cursos, vagas/ofertas, serviços e servidores efetivos; basicamente implicaria, como no caso do IFPA (Instituto Federal do Pará), em desmembramento-fragmentação-reordenamento com uma nova reitoria e a indicação de um reitor-interventor. Frente a três anos de desmantelamento da rede, inacabamento de obras, redução ou bloqueio de verbas e reiteradas violências simbólicas – para dar alguns exemplos, espaço de “balbúrdia”, “a universidade não é para todos” e “alunos deficientes atrapalham a aprendizagem dos alunos normais” (essas duas últimas frases do próprio Milton Ribeiro) –, tal iniciativa é, no mínimo, suspeita.

Nesta perspectiva, é pertinente alguns questionamentos: o que se desenha com a instauração do “Instituto Federal Paraense” (IFP) para além da euforia e ingenuidade? Por que um governo contrário à educação pública de qualidade fomentaria a “criação” de novos Institutos Federais? É sinceramente “criação”? Quais serão/são os critérios à implantação de um instituto federal com sede em Marabá?

Talvez tais perguntas estejam alheias ao posicionamento de alguns servidores do IFPA eufóricos com a proposta. Não raro, alguns destes se escondem por trás de uma cortina de irreflexão a qual proclamam equivocadamente como “técnica”! Entretanto, a reflexão é um pressuposto do pensamento e os tecnocratas das “áreas técnicas” também pensam (ou podem pensar ou pelo menos deveriam). “Otimização” e “eficientismo” estão entre os argumentos do MEC e de muitos eufóricos da proposta. Não custa lembrar que, bandeiras como “otimização”, “eficientismo e “meritocracia” sacramentam o casamento entre oligarquia e tecnocracia (o poder da técnica pela banalização de seu discurso).

Voltemos à análise da proposta em desmembrar o IFPA e “criar” um novo instituto federal com reitoria em Marabá. Mas antes que me acusem, respondo: Não sou contra a instauração de um Instituto Federal com sede em Marabá-PA, minha cidade, meu contexto. Defendo a descentralização, a interiorização, a aproximação e a partilha de decisões. Justamente por isso indago: Há descentralização? Criação? Há interiorização real, aproximação com o local ou partilha de decisões no ato de dividir o IFPA sem discussão e sem ampliação de novos Campi e vagas? Precisamos pensar os parâmetros e pressupostos de tal desmembramento. A despeito do que muitos concebem, os fins não justificam os meios.

A instauração de uma instituição sem a participação popular e sem consulta à sociedade civil organizada implica em negar a democracia, e, portanto, em promover oligarquia e tirania. A instauração ou implantação de uma instituição “a canetada”, antes de um enaltecimento das potencialidades regionais, significa um insulto aos saberes/vivências locais, um gesto de arrogância. A divisão de uma instituição sem debate e sem reflexão de todos/as atores/as envolvidos/as não passa de mera formalidade administrativa; duas pessoas jurídicas com muitos problemas, todavia, repartindo o mesmo orçamento: “Dividir os institutos existentes nada mais é do que a criação de novas pessoas jurídicas que dividirão o mesmo orçamento. (…) Outrossim, um novo instituto com os mesmos campi de um instituto anterior não vai gerar uma maior autonomia da maioria dos câmpus porque eles passarão apenas a se submeterem à outra Reitoria (CAVALCANTI1, 2021)”.

A divisão de IFs em vista da implantação de “novos” mantendo a mesma estrutura e sem nenhuma expansão de Campi, vagas, cursos, pesquisas, serviços e investimentos não se traduz em criação. Talvez seja pertinente lembrar que, o termo criação (creatĭo) vem do latim creare (criar, produzir, levantar) e se relaciona com crescere (crescer, expandir) seria fazer crescer e expandir, uma atividade afirmativa de invenção que potencializa o novo. Em termos nietzschianos, para haver criação é preciso uma vontade criadora e a produção de sua obra-mundo: “Sim, para o jogo da criação, meus irmãos, é preciso um sagrado dizer sim: o espírito quer agora sua vontade, o perdido para o mundo conquista seu mundo” (NIETZSCHE, 20112, p. 29). No âmbito da proposta do MEC, a divisão do IFPA não fará crescer e expandir a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica3; não afirmará nenhuma vontade criadora e, tampouco, potencializará uma nova obra, o novo instituto federal.

A proposta de desmembramento e reordenamento do IFPA não é criação; não passa do mesmo fragmentado, precarizado e renomeado. O mesmo fragmentado e renomeado implica na estrutura já existente, todavia, reordenada e rebatizada. Um rebatismo à revelia da comunidade acadêmica e da sociedade local. Será que poderemos, pelo menos, escolher o nome neste “batismo” respeitando nossas memórias locais e o mínimo de autonomia? Em um ato de oportunismo, outros tecnicistas eufóricos bradam: “IF-Carajás!”, tecendo apologias a uma territorialização desenvolvimentista e exógena que se traduz em violência à Amazônia e a seus habitantes. Os nomes, as análises e suas reflexões precisam fazer justiça às populações locais, suas memórias e suas etno-territorializações!

Aceitaremos pacificamente um reitor-interventor? Seremos coniventes com esse governo e suas operacionalizações necropolíticas? O que este mesmo fragmentado e renomeado mascara?

Acho que podemos resumir a iniciativa do MEC em desmembrar o IFPA e instaurar um “novo” Instituto Federal Paraense, em:

1. Divisão sem expansão, sem interiorização efetiva, sem debate… sem criação.

2. Reordenamento sem avanço, sem ampliação de Campi, de cursos, de vagas/ofertas, de pesquisas, de serviços, servidores e de investimentos.

3. Privação da comunidade acadêmica e da sociedade local em participar do processo de sua construção e, assim, cerceamento da autonomia político-pedagógica nos Campi.

4. Indicação de reitores-interventores comprometidos com o sucateamento da Rede e com a operacionalização de uma ideologia mercadológica e reacionária na educação pública.

5. Instrumentalização de um aparelho de Estado, os IFs, em vista de uso eleitoreiro; o ato de inaugurar o mesmo com outro nome na tentativa de promover uma imagem positiva do governo.

É pertinente ressaltar que, a implantação e organização do modelo ainda em vigor da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica se articulou com a Lei 11.892 de 29 de dezembro de 2008; e como todo modelo é passivo de críticas

e pode ser aprimorado. Entretanto, se, até então, o atual modelo tem entre seus pressupostos-bandeiras a “integração” e o “desenvolvimento local” – significantes acionados no Art. 6º da referida Lei –, com a nova política da SETEC/MEC tais pressupostos são transformados em dividir e otimizar. Não obstante, como reiteradamente repetir no texto, dividir por si só não se desdobra em criar e otimizar não significa aproximar, melhorar, comunicar ou potencializar.

Para encaminhar, o que realmente precisamos em vista da potencialização de um Instituto Federal na nossa região seria a afirmação da vontade criadora coletiva por meio da intensa participação popular no processo, uma estética política democrática. Para tanto, demanda-se uma cultura de democratização dos processos, engajamento de todos/as, diálogo institucional e respeito às culturas, memórias e territorializações locais. Como desdobramento da vontade e do ato criador faz-se necessário incentivo e ampliação de investimentos em estrutura, qualificação, ensino, pesquisa e extensão. O acesso à educação pública de qualidade passa pelo debate e reflexão, bem como, pela efetivação de políticas públicas participativas e a expansão/criação de estruturas que possibilitem e democratizem tal acesso.

As comunidades no Sudeste Paraense, no Vale do Tocantins-Araguaia, reivindicam a criação efetiva/afetiva de uma instituição federal de educação, ciência e tecnologia que respeite suas produções culturais, história e etno-territorializações. Todavia, com participação coletiva, debate popular amplo, autonomia político-pedagógico nos Campi, pluriversalização e envolvimento de atores/as em nível local, com: reitor democraticamente constituído, expansão de novos Campi, vagas, cursos, pesquisas, serviços, servidores e investimentos.

1 In Da Criação (Divisão)) de Novos (Antigos) Institutos Federais. Disponível: https://jus.com.br/artigos/92881/da-criacao-divisao-de-novos-antigos-institutos-federais.

2 Friedrich W. NIETZSCHE. Assim Falava Zaratustra. Tradução Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

3 A Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica é composta pelos IFs, a Universidade Tecnológica Federal do Paraná, os Centros Federais de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca – CEFET-RJ e de Minas Gerais – CEFET-MG, Colégio Pedro II e as Escolas Técnicas Vinculadas às Universidades Federais.

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