O Brasil está enfrentando uma série de tempestades de areia, fenômeno que pode ser um alerta para eventos climáticos extremos. O climatologista e ambientalista criador do Cemaden, Carlos Nobre, explica o que são e porque estas tempestades estão surgindo
Nos últimos dias, as tempestades de areia foram registradas em estados do Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste, como São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Maranhão. Nos próximos dias, o fenômeno pode se estender para locais como o Tocantins e a Bahia.
Com proporções distintas, as tempestades de areia demonstram a necessidade de ações para conter os extremos climáticos através de ações locais, como mudanças nas formas de cultivo na agricultura e o fim do desmatamento da Amazônia.
Tempestades de areia no Brasil
Esse tipo de tempestades são geralmente registradas em períodos de seca de forma pontual anualmente, alguns casos recentes, como os da região de Franca e de Ribeirão Preto, mas se tornaram cada vez mais frequentes.
As tempestades de areia são normalmente um fenômeno que acontece em regiões desérticas, em que não há vegetação e o solo é arenoso, todo solto, e quando há ventos fortes o vento levanta as partículas de areia, de poeira, e eleva essas partículas até 1,5 quilômetro, fica essa nuvem de poeira que pode caminhar dezenas ou até centenas de quilômetros.
“De fato, o Brasil é um país com um tipo climático em que esse tipo de tempestade de areia, ou de poeira, não é comum. Estão surgindo no Brasil com mais frequência, principalmente neste ano de 2021 devido à seca, que quebrou recordes históricos, e principalmente em áreas agrícolas em que, na preparação do solo para a próxima safra, remove-se a vegetação que manteria o solo unido junto às partículas, e não estariam soltas para serem carregadas pelo vento”, explicou.
Riscos e causas do fenômeno
A tempestade de areia no interior de São Paulo já deixou seis vítimas fatais. O fenômeno chegou a ter ventos de até 103 quilômetros por hora, que atingiram cidades do oeste paulista.
Carlos Nobre explica que tempestades como as que atingiram o norte do estado de São Paulo e sudoeste e sul de Minas nas últimas semanas carregam em si um perigo em vários sentidos.
“Em primeiro lugar, porque elas, acontecendo durante o dia ou durante a noite, elas reduzem muito a transmissão de luz, seja da luz do sol durante o dia ou dos faróis dos veículos durante a noite. E, realmente, houve durante o último episódio algumas mortes associadas com acidentes causados por falta de visibilidade nas estradas”, afirmou.
“E, também, elas carregam diversas partículas do solo, mas também às vezes restos de queimadas com partículas de carbono, e são muito tóxicas à saúde humana, principalmente para pessoas com problemas respiratórios ou problemas cardíacos”, explicou o especialista.
Prevenções a serem tomadas
Estas nuvens de poeira ainda são algo incomum, principalmente na intensidade registrada nos últimos dias, sendo que em apenas duas semanas foram registrados diversos episódios do fenômeno. Todas as informações são da Sputnik Brasil.
De acordo com o especialista, por ser consideravelmente incomum, este tipo de desastre natural ainda não é totalmente monitorado pelos centros de monitoramento e alerta de desastres naturais, como por exemplo o Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), que monitora todas as condições que levam a desastres naturais.
“É preciso que a Defesa Civil e os centros de monitoramento e alerta de desastres naturais também passem a monitorar e perceber o risco de quando nós estamos na transição da estação seca, principalmente uma seca tão extrema quanto tivemos este ano, com altas temperaturas, com o solo muito seco. E também o que nós vimos no norte do estado de São Paulo, na região de Franca, Ribeirão Preto, foi que o preparo de áreas com cana-de-açúcar para a próxima safra fez os tratores exporem, não tinha nenhuma vegetação ou os restos da colheita de cana ali que impediriam que os ventos elevassem as partículas do solo. Então tinha aquele solo totalmente exposto em grandes áreas”, apontou.
“Os sistemas de desastres naturais precisam, a partir de agora, ter também o monitoramento do risco destas tempestades se formarem na hora em que se formam estas linhas de instabilidade.
As linhas de instabilidade, os sistemas meteorológicos conseguem prever e monitorar, mas o impacto dessas linhas de instabilidade, dessas nuvens cumulonimbus, gerando uma tempestade de poeira ou de areia, isso ainda não é monitorado no Brasil, mas precisa se tornar algo rotineiro, porque nós teremos a repetição deste fenômeno toda vez que tivermos um ano muito seco como estamos tendo neste ano”, afirmou.
Papel do aquecimento global
O especialista também ressalta que, com o aquecimento global, é muito provável que este fenômeno volte a se repetir frequentemente, associado com ondas de calor e com secas extremas.
Carlos Nobre alertou que todos os cenários do planeta, com o aquecimento global, mostram um aumento da frequência de extremos climáticos, como ondas de calor, secas, tempestades de alto volume de chuva causando inundações, quebras de safra.
“É muito importante que nós levemos em consideração que este é um fenômeno que pode e vai se repetir no futuro e que possamos preparar toda a sociedade para enfrentar este tipo de risco, que estas tempestades de areia oferecem à saúde e para muitas atividades sociais”, disse.
Recomendações à população
Para Carlos Nobre, a população também deve ser alertada sobre o risco destas tempestades à saúde, para o deslocamento, para a condução de veículos em estradas afetadas por estas tempestades de poeira e de areia.
“A população deve ficar isolada, normalmente confinada em locais, fechando as janelas. Parar o veículo, fechar as janelas, não trafegar dentro de uma onda de areia deste tipo. São várias ações que necessitam uma educação muito ampla no Brasil como um todo, mas principalmente nas regiões mais sensíveis a estas ondas, tempestades de areia”, enfatizou.
Além disso, o especialista ressaltou a importância de não ter uma agricultura que expõe o solo, como algumas práticas agrícolas fazem no Brasil.
“Nós precisamos realmente ter o que é chamado de plantio direto, quando se planta uma nova safra junto com os restos da safra anterior, que foi colhida. Com isso nós protegemos o solo. O solo sempre vai estar coberto por vegetação, e se tiver ventos fortes eles não vão causar uma tempestade de areia e de poeira. É muito importante que nós realmente mudemos as práticas agrícolas. Estas práticas de expor o solo são antiquadas, ultrapassadas, e a agricultura moderna não necessita dessas práticas que expõem o solo, principalmente em um ano de seca como nós estamos experimentando, com altas temperaturas. Essa exposição do solo também torna as temperaturas ainda mais altas e o risco é muito grande destas tempestades de areia”, concluiu.
O avanço das plantações de soja e o calor característico da região amazônica, favorece a ocorrência das tempestades de areia, por sua vez, a dinâmica dos ventos e as extensas áreas de florestas podem favorecer o equilíbrio climático no Pará.