A teologia precisa dialogar honestamente sobre as questões sexuais de nosso tempo
É muito provável que se algum leitor ou alguma leitora deste texto tiver nascido em um ambiente evangélico, em certo momento ele ou ela já teve que lidar com a cobrança de ser uma pessoa santa no que tange à moral sexual. Não que o quesito de santidade não seja cobrado em todas as áreas da vida, mas tudo que envolve a sexualidade recebe uma atenção ainda maior.
Claramente, isso não se dá somente no movimento evangélico. O cristianismo como um todo, infelizmente, tem uma tara com as questões sexuais desde muito cedo na sua história. Basta lembrarmos de Agostinho e suas considerações a respeito do sexo, após sua conversão de uma vida devassa.
Curiosamente, as questões sexuais em si não aparentam ser um tema tão recorrente ao longo do texto bíblico, sendo tais questões usadas mais como analogia para exortação do povo do que com alguma preocupação moral. Idolatria e adultério, nesse caso, costumam ser os que mais aparecem. Com relação à idolatria, na maioria das vezes, trata-se dos cultos de fertilidades, nos quais havia os prostitutos e prostitutas cultuais e o ato sexual fazia parte de tais cultos. Sendo uma prática muito comum na região em que o povo de Israel habitava, para que o povo se tornasse santo e separado para Javé, tais práticas deveriam ser condenadas.
Com relação ao adultério, é importante ter em mente que na cultura do povo da Bíblia, a questão do adultério não tinha qualquer conotação moral, antes, uma vez que as mulheres naquele tempo, infelizmente, eram consideradas como mercadorias a serem compradas e vendidas por quem sobre elas teria algum direito, o adultério era visto como prejuízo comercial nessa transação financeira, ou seja, um homem havia usado algo que pertencia a outro e nisso estava o crime cometido.
A relação do adultério com a idolatria, portanto, é deixada clara, principalmente nos profetas, para exortar o povo sobre seu pecado em não seguir os ensinamentos de Javé, esposo e, consequentemente, proprietário de Israel, como deixa claro o texto de Oséias.
Mesmo que seja assim, é curioso notar que grande parcela das querelas a respeito das questões sexuais levantadas pelos cristãos contemporâneos tenta encontrar suas justificativas no texto bíblico. Quando isso ocorre, o que mais vemos são os textos tirados de seus contextos para servir de pretexto para se afirmar aquilo que se deseja. O uso do texto bíblico é, portanto, instrumentalizado a fim que se tenha o resultado esperado. Como a Bíblia é a mãe de todas as heresias cristãs, não é surpresa nenhuma que ela seja a principal fonte para posturas moralizantes nesse meio.
Esse uso, porém, tem sido fonte para a discriminação das diversidades afetivo-sexuais, causando a morte de milhares de pessoas que não pertencem a uma cis heteronormatividade. Da mesma forma, tal uso se torna fonte de violência contra os mais jovens, que oprimidos por uma moral sexual bizarra, têm medo de falar sobre essas questões, crescendo pessoas reprimidas e, não poucas vezes, desconhecedoras do próprio corpo, o que leva, não raramente, a um desenvolvimento pouco sadio de sua própria sexualidade.
Tais movimentos de repressão se perpetuam ao longo da história cristã e ainda hoje se mostram com muita força, haja vista a grande dificuldade que se é abordar tais temas de maneira honesta e contemporânea dentro das diversas igrejas espalhadas pelo mundo. Diante disso, é tarefa teológica ouvir as novas questões que têm surgido em nosso tempo a respeito da moral sexual, das sexualidades e das diversidades afetivo-sexuais, de maneira que a teologia possa se tornar uma voz contemporânea, que faça sentido para homens e mulheres de nossos dias.
Enquanto a teologia cristã se mostrar enrijecida em seus dogmas, apregoando uma moral sexual atrasada e desecontextualizada, sem estar disposta ao diálogo honesto com as temáticas de nosso tempo, ela continuará a ser como alguém que grita perdida no meio de uma floresta, acreditando que tais gritos farão com que alguém vá até ela.
por Fabrício Veliq
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