Em novembro, o Índice de Preços de Alimentos da ONU atingiu maior valor em 50 anos. Energia cara, degradação dos solos e a crise hídrica – causada pelo atual modelo agrícola e pelas mudanças climáticas – projetam carestia prolongada
A Era da comida barata acabou. A vida está ficando mais cara. O aumento do preço da energia, a degradação dos solos, a crise hídrica e a emergência climática e ambiental estão encarecendo o custo da produção de alimentos no século XXI. O Índice de Preços dos Alimentos (FFPI) da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) bateu todos os recordes em novembro de 2021, atingindo 134,4 pontos em novembro de 2021, o maior valor em quase 50 anos.
Comida mais cara significa maior insegurança alimentar e fome. O problema atual não é simplesmente a falta de dinheiro por parte das parcelas pobres da população mundial, mas sim a dificuldade de produzir os meios de subsistência em uma conjuntura ecológica adversa e quando a humanidade já ultrapassou a capacidade de carga da Terra. Sem dúvida, o presente tem sido diferente do passado e o futuro promete ser mais desafiador.
O século XX foi marcado por uma oferta abundante de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás) e por uma oferta de alimentos que crescia acima do aumento do número de habitantes do Planeta. O gráfico abaixo mostra que, considerando as duas primeiras e as duas últimas décadas, o preço dos alimentos caiu pela metade no século passado, embora a população tenha crescido 4 vezes e o PIB mundial tenha aumentado cerca de 18 vezes entre 1900 e 2000.
O preço dos alimentos foi mais elevado nas duas primeiras décadas do século XX e mais baixo nas duas últimas décadas. Ou seja, além do maior volume de população, o poder médio de consumo per capita mundial cresceu cerca de 4,5 vezes no século XX, enquanto os preços da comida se reduziram. Os tecnófilos cornucopianos venderam a ideia que esta situação excepcional seria o novo normal e duraria para sempre. Mas a inexorável realidade está sempre contestando os dogmas. Tradicionalmente, sempre é difícil para a economia superar a escassez.
Na década de 1980, o economista Julian Simon apostou com o professor e escritor Paul Ehrlich que o preço das matérias primas cairia nos 10 anos seguintes. Ele ganhou a aposta porque a década de 1990 marcou os menores preços dos alimentos e das commodities. De fato, os anos 1990 foram excepcionais e sem igual na questão da energia e das matérias-primas. Mas Julian Simon perderia a aposta em todos os anos do século XXI que, em regra, apresentam inflação alimentícia e aumento do preço da energia.
Em 2011, o economista/demógrafo David Lam e o ecólogo/demógrafo Stan Becker fizeram uma outra aposta. Lam previu que os alimentos ficariam mais baratos na próxima década, apesar do contínuo crescimento populacional e das mudanças climáticas. Becker previu que os preços dos alimentos subiriam, por causa do aumento do preço da energia e dos danos que os humanos estavam causando ao planeta, o que significava que o crescimento populacional ultrapassaria o fornecimento de alimentos. Becker venceu e, seguindo seus desejos, Lam assinou um cheque de US$ 194 para o Population Media Center, uma organização sem fins lucrativos, que promove ações visando a estabilização da população internacionalmente.
Se alguém quiser repetir estas apostas para as próximas décadas é grande a probabilidade de ganho para quem jogar as fichas na possibilidade do fim da comida barata.
No dia 02/12 a FAO divulgou os dados de novembro de 2021 e atualizou o gráfico com o Índice de Preços dos Alimentos. Em termos reais, atingiu o maior valor em quase 50 anos, conforme mostra o gráfico abaixo. Mas isto significa também que é um dos preços mais altos em 100 anos, conforme mostrado anteriormente. Portanto, o mundo está em um momento de virada e deve enfrentar uma época prolongada de carestia no horizonte à frente.
Indubitavelmente, o mundo atual está numa encruzilhada, pois quando mais alimentos são produzidos maiores são os custos ecológicos e maior é a dificuldade para colocar comida na mesa da população mundial. A COP26, em Glasgow, reconheceu as dificuldades geradas pela crise climática, mas não adotou as ações urgentes que seriam necessárias para evitar um desastre de temperaturas acima de 1,5º Celsius.
O caminho atual é insustentável e o aumento do Índice de Preço dos Alimentos da FAO é o reflexo da insustentabilidade do modelo de vida predominante na dinâmica da economia internacional. Infelizmente, o preço dos alimentos deve continuar elevado se não houver mudança de rota no estilo de desenvolvimento, diminuição do consumo global e, acima de tudo, rápida redução das emissões de gases de efeito estufa e restauração dos ecossistemas.
A ECOnomia é parte da ECOlogia e não é possível continuar produzindo bens e serviços econômicos se a natureza for destruída e se a estabilidade climática for rompida.
Por José Eustáquio Diniz Alves, no EcoDebate
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