Enquanto 7,9 bilhões de pessoas que habitam este planeta devastado pelo capital, 857 milhões padecem fome. Vivemos no sistema capitalista, que instaurou a naturalização da desigualdade social (Pixabay)
O ano novo começou com uma notícia estarrecedora. Em 2021, em pleno pique da pandemia, a fortuna das 500 pessoas mais ricas do mundo aumentou em mais de 1 trilhão de dólares. No câmbio daquela de segunda, 3/1, o montante equivalia a R$ 5,57 trilhões. Para se ter ideia de quanto isso significa basta saber que o PIB do Brasil, em 2020 – a soma de todos os bens e serviços de uma população de 212 milhões de pessoas -, foi de R$ 7,5 trilhões.
Se somarmos o patrimônio líquido desse seleto clube de 500 superbilionários, ele chega a 8,4 trilhões de dólares (R$ 49,9 trilhões), mais que o PIB de qualquer país do mundo, exceto EUA e China. Entre os 500, dez superbilionários ficaram quase R$ 2,15 trilhões mais ricos. São eles:
1) Elon Musk (EUA), 50 anos. Fortuna de 270 bilhões de dólares. Em 2021 ficou US$ 114 bi mais rico. Investidor, é fundador da Space X, que fabrica naves espaciais e tecnologia de ponta; da The Boring Company, que atua na abertura de túneis e infraestrutura de construção; e da maior fábrica de carros elétricos do mundo. Nasceu na África do Sul, mas tem nacionalidade estadunidense. Quer privatizar o espaço…
2) Jeff Bezos (EUA), 57. Fortuna de US$ 192 bi. Ganhou, em 2021, US$ 2,04 bi. Dono de mídias, investidor, engenheiro de computação e, como Musk, busca a privatização do espaço e promove turismo espacial. É dono da Amazon.
3) Bernard Arnault (França) 72. Fortuna de US$ 178 bi, com ganho de US$ 63,6 bi em 2021. Investidor e colecionador de arte, controla a LVMH-Louis Vuitton SE, que produz artigos de luxo, inclusive refinadas bebidas como champanha e conhaque.
4) Bill Gates (EUA), 66. Fortuna de US$ 138 bi, acrescida de mais US$ 6,39 bi ano passado. É um dos donos da Microsoft.
5) Larry Page (EUA), 48. Fortuna de US$ 128 bi, com ganho de US$ 46 em 2021. Cientista da computação, é cofundador do Google.
6) Mark Zuckerberg (EUA), 37. Magnata da mídia e empresário da Internet, fundou a Meta Platforms, que controla o Facebook, o Instagram e o WhatsApp, entre outras subsidiárias.
7) Sergey Mikhaylovich Brin (EUA), 48. Fortuna de US$ 124 bi. Ganho de US$ 43,7 bi em 2021. Cientista da computação, nasceu em Moscou e tem cidadania estaduninense. Junto com Larry Page, fundou o Google. Deixou o seu controle em 2019.
8) Steve Ballmer (EUA), 65. Fortuna de US$ 124 bi, com acréscimo de US$ 39,3 bi em 2021. Foi presidente da Microsoft (2000-2014) e é dono do Los Angeles Clippers, time de basquete profissional.
9) Warren Buffett (EUA), 91. Fortuna de US$ 109 bi, com ganho de US$ 21,3 bi ano passado. Investidor, preside a Berkshire Hathaway, holding diversificada cujas subsidiárias atuam em seguros, transporte ferroviário de carga, geração e distribuição de energia etc.
10) Larry Ellison (EUA), 77. Fortuna de US$ 107 bi, ganho de US$ 27,5 bi em 2021. Empresário e investidor, presidiu a Oracle Corporation, segunda maior empresa de software do mundo em receita e capitalização de mercado.
A maioria dos superbilionários controla a mídia, em especial a eletrônica. Faz a nossa cabeça. Esses dez homens detêm até mesmo poder de detectar cada um de nossos passos e elencar nossas preferências. Possuem mais poder que a maioria dos chefes de Estado.
Dos dez, apenas um não vive nos EUA: o francês Bernard Arnault. E, como se sabe, os EUA são, hoje, um império mais poderoso do que o romano dos césares, o persa de Ciro, o grego de Alexandre Magno. Possui poderes ideológico (em especial, via indústria do entretenimento, como o cinema), econômico (o dólar e o euro são as únicas moedas internacionais, excetuando as virtuais) e bélico (possui 3.750 ogivas nucleares). Vale ressaltar que esses nove estadunidenses têm um incomensurável poder eleitoral, já que nos EUA é permitido o financiamento privado de campanhas políticas.
E por que essas dez pessoas possuem fortunas tão espantosas? Porque vivemos no sistema capitalista, que instaurou a naturalização da desigualdade social, a convicção de que a natureza existe para ser extorquida, a crença de que todos são livres para ascender da pobreza à riqueza (meritocracia), o poder de ditar leis e monitorar governantes e, como explica Max Weber, o espírito de que possuir fortunas é sinal de bênção de Deus…
Enquanto isso, dos 7,9 bilhões de pessoas que habitam este planeta devastado pelo capital, 857 milhões padecem fome (das quais 24 mil morrem por dia); 780 milhões sobrevivem na miséria (renda de apenas R$ 320 por mês); 785 milhões não têm acesso à água potável; e mais de 3 bilhões vivem na pobreza (renda mensal de, no máximo, R$ 938).
Nossa era pode ser definida como a do capitaloceno. Hoje, o poder do capital fala mais alto que o direito à vida dos seres humanos e da natureza. A apropriação privada da riqueza é vista como mérito e direito, protegidos por leis e forças policiais.
Os mais ricos são invejados, cortejados, bajulados e admirados, enquanto os mais pobres são menosprezados, rejeitados e excluídos.
Detalhe: 84% da população mundial (6,63 bilhões de pessoas), acreditam em Deus… Não é em vão que nas cédulas de dólar está impresso “In God we trust” (Em Deus confiamos). Na verdade, deveriam corrigir e acrescentar a letra ele: “In Gold we trust” (Em Ouro confiamos).
Também tenho fé, de que no capitalismo nem a humanidade nem a natureza têm salvação. E esperança de que, um dia, a humanidade haverá de encarar esse sistema como desumanamente abominável.
Frei Betto
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