A morte entrou no nosso cotidiana para que os tabus sejam desmantelados
“Carrego no corpo o fato de ter nascido em Codogno. Em um ano, muitas pessoas caras para mim morreram. Amigos, conhecidos, sacerdotes. A imagem histórica de caminhões carregados de caixões marca o início da consciência de algo que mudaria toda a humanidade, não apenas a Itália ou a Europa. Marca o início de uma nova temporada que a humanidade sozinha não conseguiria enfrentar imediatamente. Depois, há outra imagem, ainda mais poderosa”, diz em entrevista Dom Rino Fisichella, presidente do Pontifício Conselho para a Nova Evangelização e um dos teólogos mais reconhecidos do mundo.
Qual é a outra imagem?
Em 27 de março do ano passado. O Papa sozinho na Basílica de São Pedro. Representa a humanidade desorientada em busca de sentido. As pessoas estavam fechadas em suas casas, sem ter relações interpessoais com as pessoas próximas e queridas e com a consciência das mortes que se avolumavam sem sequer poder dar-lhes uma última despedida. Talvez nunca como naquela época marcada pela Covid a humanidade tenha erguido os olhos ao céu.
Foi realizada uma enquete: desde o ano passado até hoje aumentou a percepção da incerteza, do medo, da tristeza …
Há uma reflexão enorme e macroscópica a fazer. Estamos diante de um fenômeno significativo para a cultura de nosso tempo. Estamos tocando com a nossa mão o início da pós-modernidade. O que está acontecendo nos diz que a época moderna acabou e ainda não sabemos como será o futuro. Diante desses fatos, a ilusão de que tudo é tão lindo quanto nos foi apresentado nas últimas décadas e que o homem sozinho administra a sua vida, nos faz entender que não é assim. No dia 27 de março do ano passado, o Papa falou a São Pedro sobre o barco no meio da tempestade e quase gritou: por que vocês estão com medo, vocês perderam a fé?
Ainda há espaço para esperança?
A imagem do barco de Pedro é fundamental. O Papa nos lembrou que o drama não é uma tragédia. Na tragédia nunca há esperança, mas no drama sim. A morte, segundo a mesma enquete, parece que está impressionando menos, como se tivéssemos criado um calo…
A morte entrou efetivamente na nossa vida cotidiana e desmantelou um tabu. As imagens dos caixões que saíam nos caminhões militares de Bérgamo deixaram claro que a morte não era uma ficção e ficaram impressas. O imaginário mudou desde então.
Se há necessidade de esperança, por que as igrejas ficam vazias?
O problema de dar voz à esperança está relacionado com a capacidade de falar uma linguagem nova. Talvez ainda estejamos inseridos numa linguagem demasiado tradicional. Talvez devêssemos refletir sobre como melhor utilizar aquelas que são as mensagens da fé, sobre o fato de que a morte, a doença e o sofrimento são vividos e foram vencidos.
Como a fé pode andar em paralelo com a ciência?
O homem de fé sempre tem confiança na ciência porque tem confiança na obra criativa, na inteligência do homem: saber falar de esperança significa ir além das mensagens e criar sinais de esperança. Esse é o grande desafio que marca o momento histórico que estamos vivendo.
Talvez a Igreja fale muito pouco sobre a vida após a morte?
Temos a tendência de raramente falar sobre isso porque também nós somos vítimas da crise de fé que se vive no Ocidente. Às vezes, há a incapacidade de dar primazia ao mistério da nossa vida. O mistério não é o que não se compreende, mas o ficar em silêncio a contemplar a fim de entrar em profundidade e deixar a mente e o coração abertos para receber também uma iluminação. Esquecemos essa dimensão, trazer de volta o mistério de um Deus que se faz homem e vence a morte.
O que dizer para aqueles que perderam amigos e parentes por causa do Covid?
Quem amamos tanto mantém uma forte presença entre nós. A força do amor dura para sempre. O amor autêntico vai além da morte. E Deus que é amor venceu a morte. E quando se fala com uma pessoa que vive o luto, ela bem sabe que tem a presença da pessoa falecida ao seu lado, que se transformou em outra forma.
A entrevista é de Franca Giansoldati, para Il Messaggero. A tradução é de Luisa Rabolini.
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