Bilionários: o que os gera, como suprimi-los

Leia mais

Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
Oxfam aponta: nova classe multiplicou sua riqueza durante a pandemia, favorecida por incentivos públicos aos mercados financeiros. Mas tudo pode ser revertido; sociedades e Estados têm meios para redistribuir riqueza e garantir direitos sociais

Os dez homens mais ricos do mundo mais que dobraram suas fortunas, de US$ 700 bilhões para US$ 1,5 trilhão – a uma taxa de US$ 15 mil por segundo, ou US$ 1,3 bilhão por dia – durante os dois primeiros anos da pandemia de Covid-19. Por outro lado, a renda de 99% da humanidade caiu e mais de 160 milhões de pessoas foram empurradas para a pobreza, segundo o Banco Mundial.

“Se os 10 homens mais ricos do mundo perdessem 99,99% de sua riqueza amanhã, eles continuariam mais ricos do que 99% de todas as pessoas do planeta”, afirma Katia Maia, diretora executiva da Oxfam Brasil. “Eles têm hoje seis vezes mais riqueza do que os 3,1 bilhões mais pobres do mundo.”

No Brasil, são 55 bilionários com riqueza total de US$ 176 bilhões. Desde março de 2020, quando a pandemia foi declarada, o país ganhou dez novos bilionários. O aumento da riqueza dos bilionários durante a pandemia foi de 30% (US$ 39,6 bilhões), enquanto 90% da população teve uma redução de 0,2% entre 2019 e 2021. Os 20 maiores bilionários do país têm mais riqueza (US$ 121 bilhões) do que 128 milhões de brasileiros (60% da população).

 

Imagem: Oxfam Brasil

“É inadmissível que alguns poucos brasileiros tenham lucrado tanto durante a pandemia quando a esmagadora maioria da população ficou mais pobre”, afirma Maia. “Milhões de brasileiros sofreram com a perda de emprego e renda, enfrentando uma grave crise sanitária e econômica.”

O relatório Desigualdade Mata, que a rede Oxfam lança hoje às vésperas do Fórum Econômico Mundial em Davos (Suíça), revela que as desigualdades estão contribuindo para a morte de pelo menos 21 mil pessoas por dia, ou uma pessoa a cada quatro segundos. Esta é uma conta conservadora, baseada nas mortes globais provocadas pela falta de acesso à saúde pública, violência de gênero, fome e crise climática.

A riqueza dos bilionários aumentou mais durante a pandemia de Covid-19 do que nos últimos 14 anos. Os US$ 5 trilhões são o maior acúmulo na riqueza dos bilionários desde que esses dados começaram a ser monitorados. Um imposto único de 99% sobre os ganhos obtidos pelos dez maiores bilionários do mundo durante a pandemia poderia, por exemplo, pagar por:

  • Vacinas suficientes para toda a população do mundo;
  • Providenciar saúde pública universal e proteção social;
  • Financiar ações de adaptação climática; e,
  • Reduzir a violência de gênero em mais de 80 países.
  • E esses dez bilionários ainda seguiriam com US$ 8 bilhões a mais do que tinham antes da pandemia.

“Ainda que os governos tenham injetado US$ 16 trilhões do nosso dinheiro nas economias dos países para salvar vidas e empregos, boa parte desses recursos acabaram nos bolsos dos bilionários, devido às grandes altas no mercado de ações. As vacinas deveriam acabar com a pandemia, mas a desigualdade na sua distribuição concentrando doses nos países mais ricos, está deixando milhões sem acesso. O resultado é que diferentes tipos de desigualdades devem aumentar no mundo. Estamos perdendo nossa humanidade de forma acelerada ao normalizar desigualdades extremas”, diz Maia.

As desigualdades extremas são uma forma de violência econômica, em que políticas públicas e decisões políticas que perpetuam a riqueza e o poder de um pequeno grupo de privilegiados, continuem a prejudicar a maioria das pessoas pelo mundo, além do próprio planeta.

  • A miséria e a fome explodiram no Brasil durante a pandemia. Em dezembro de 2020, 55% da população brasileira se encontrava em situação de insegurança alimentar (116,8 milhões, o equivalente à soma das populações de Alemanha e Canadá) e 9% se encontravam em situação de fome (19,1 milhões, superior à população dos Países Baixos). Trata-se de um retrocesso aos patamares verificados em 2004. O vírus da fome afeta mais duramente mulheres e pessoas negras no Brasil11,1% dos lares chefiados por mulheres e 10,7% dos chefiados por pessoas negras estavam passando fome no fim de 2020, frente a 7,7% dos lares chefiados por homens e 7,5% dos lares liderados por pessoas brancas.
  • A pandemia atingiu grupos raciais de maneira desigual. Durante a segunda onda da pandemia na Inglaterra, pessoas provenientes de Bangladesh tinham cinco vezes mais chances de morrer de Covid-19 do que a população branca britânica. Nos Estados Unidos, 3,4 milhões de pessoas negras poderiam estar vivas hoje se suas expectativas de vida fossem iguais às de pessoas brancas. Mesmo com o avanço recente da vacinação no Brasil, resultado de um sistema universal de saúde cujo papel foi fundamental na resposta à pandemia (mesmo sob um governo que minimiza a doença), a maior parte das mortes de Covid-19 seguem se concentrando nas periferias de grandes cidades. Segundo a OCDE, no Brasil pessoas negras tem 1,5 vezes mais chances de morrer de Covid-19 do que pessoas brancas, um risco letal agravado que se verifica até no topo da pirâmide social. Isso tem relação direta com o racismo histórico e colonialismo.
  • A desigualdade entre países deve aumentar pela primeira vez em uma geração. Países em desenvolvimento, que tiveram acesso negado às vacinas devido à proteção dos monopólios das corporações farmacêuticas por parte dos governos dos países ricos, foram forçados a cortar gastos sociais à medida que seus níveis de endividamento aumentaram, e agora enfrentam severas medidas de austeridade.
  • A proporção de pessoas com Covid-19 que morrem devido à doença em países em desenvolvimento é quase o dobro do total dos países ricos.

Apesar do alto custo de enfrentar a pandemia, nos últimos dois anos os governos de países ricos não conseguiram aumentar impostos sobre a riqueza dos mais ricos e continuam a privatizar bens públicos como a ciência das vacinas. Eles encorajaram os monopólios de corporações farmacêuticas de tal maneira que o aumento da concentração de mercado no período da pandemia pode ser maior do que a ocorrida entre 2000 e 2015.

A desigualdade está também no coração da crise climática, já que o 1% mais rico do mundo emite mais do que o dobro de CO2 do que os 50% mais pobres do mundo, intensificando as mudanças climáticas em 2020 e 2021, o que contribuiu para grandes incêndios florestais, enchentes, tornados, secas e fome.

“As desigualdades têm solução, porque elas são fruto de escolhas políticas. Do jeito que a economia global está estruturada, os mais ricos continuarão se beneficiando e lucrando, enquanto bilhões de pessoas – principalmente mulheres e população negra e de etnias minoritárias – ficarão no final da fila, sujeitas à pobreza extrema, violência e morte”, afirma Maia.

A Oxfam recomenda que os governos:

  • Recuperem os ganhos obtidos pelos bilionários durante a pandemia tributando essa enorme nova riqueza por meio de impostos sobre o capital;
  • Invistam os trilhões que podem ser arrecadados com essas taxas em saúde pública universal e proteção social, adaptação climática e prevenção contra violência de gênero;
  • Enfrentem leis sexistas e racistas que discriminam mulheres e diferentes grupos raciais e étnicos, e crie novas leis de igualdade de gênero para acabar com a violência e a discriminação;
  • Acabem com leis que minam os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras se sindicalizarem e fazerem greve, e estabeleçam padrões legais mais robustos para sua proteção.

Fontes: onde são obtidos os dados desta matéria

Os cálculos da Oxfam são baseados nas fontes mais atuais e abrangentes disponíveis: 

Os dez mais ricos do mundo

Os dados sobre os mais ricos do mundo vêm da lista de bilionários da revista Forbes 2021. Os dados sobre a parcela de riqueza vêm do Global Wealth Databook 2021 do Instituto de Pesquisa do Credit Suisse. Os dados sobre os ganhos dos 99% da população global são do Banco Mundial.

De acordo com a Forbes, as dez pessoas mais ricas do mundo viram suas fortunas aumentarem em US$ 821 bilhões entre março de 2020 e 30 de novembro de 2021. Os dez homens mais ricos do mundo são: Elon Musk, Jeff Bezos, Bernard Arnault & família, Bill Gates, Larry Ellison, Larry Page, Sergey Brin, Mark Zuckerberg, Steve Ballmer and Warren Buffet.

Desigualdade e gênero

De acordo com o ‘Global Gender Gap Report 2021’, a pandemia ampliou o fosso de paridade de gênero de 99 anos para 135 anos.

A crise do covid-19 custou às mulheres pelo mundo uma perda de renda de pelo menos US$ 800 bilhões em 2020, o equivalente a mais do que o PIB combinado de 98 países do mundo. Além disso, 67 mil mulheres morrem todos os anos devido à mutilação genital feminina e assassinadas por seus ex ou atuais parceiros.  

Desigualdade e raça

De acordo com o England’s Office of National Statistics, durante a segunda onda da pandemia na Inglaterra, pessoas com origem em Bangladesh tinham cinco vezes mais chances de morrer do covid-19 do que a população branca britânica.

De acordo com a OCDE, pessoas negras no Brasil têm uma vez e meia mais chance de morrer de covid-19 do que as pessoas brancas do país.

Nos Estados Unidos, 3,4 milhões de negros poderiam estar vivos hoje se sua expectativa de vida fosse igual a das pessoas brancas.

Desigualdade e mudanças climáticas

O 1% mais rico do mundo é responsável por mais do que o dobro da emissão de CO2 do que 3,1 bilhões de pessoas que estão na metade mais pobre durante um período crítico de 25 anos de aumento sem precedentes de emissões.

A pegada de carbono do 1% mais rico do mundo será 30 vezes maior do que o nível compatível com a meta global de 1,5°C estabelecida no Acordo de Paris para 2030. A metade mais pobre da população global ainda emitirá bem menos do nível estabelecido.

Impostos sobre grandes fortunas

Apesar das recomendações expressas do FMI e OCDE, poucos países ricos têm intenção de introduzir ou aumentar impostos sobre riqueza.

Voz do Pará com Oxfam

- Publicidade -spot_img

More articles

- Publicidade -spot_img

Últimas notíciais