A piada já está gasta: mas seria interessante ver o que seria dos lavajatistas de hoje, julgados pelos lavajatistas de antes
“Em 2021, a tiragem dos seis maiores jornais do país desabou. Caiu 68% em relação a 2014. O crescimento digital foi pífio”, escreve Márcio Chaer, do Conjur
Em 2014, a imprensa brasileira deslumbrou-se com uma grande reportagem: um grupo de paladinos da justiça surgiu em Curitiba com a promessa de acabar com a corrupção no Brasil. Sete anos depois, o país descobriu-se vítima de um engodo. O saldo da batalha: o país elegeu uma geração de políticos despreparados e perdeu, pelo menos, R$ 326 bilhões com a farsa. Mas nem todos os brasileiros perderam. Alguns ganharam um bom dinheiro.
O grande motor da máquina foi a imprensa. Enfeitou a narrativa com apelidos publicitários, as “operações”. Em vez de número, o processo ganhou nome de novela, com capítulos chamados de “fases”. Espertamente, para esmaecer as suas digitais, o coletivo de procuradores ocultou-se sob o nome fantasia de “força tarefa”. O dicionário penal foi todo reescrito para inflamar a torcida e instilar ódio contra os acusados. Todo dinheiro era “propina”, todo grupo, “quadrilha”, todo mundo, “bandido”.
Montou-se uma fábrica de notícias falsas. Em troca de “furos”, jornais e jornalistas se dispuseram a fuzilar os ministros que anulavam as decisões ilegais do lavajatismo. A chantagem consistia em simular escândalos contra os julgados e seus familiares. Com essa moeda de troca, os “cachorros” de Curitiba eram pagos. O termo “cachorro” é da época da ditadura militar, para apelidar os colaboracionistas da repressão que delatavam seus próprios amigos em troca de favores.
À “técnica do emparedamento”, de chantagear ministros para extorquir decisões favoráveis, os procuradores e seus jornalistas de estimação, seguiu-se a prática de atirar nas pernas dos advogados. Em um dos momentos mais infames do espetáculo, a “força tarefa estendida” (que incluía juízes, delegados, auditores, empresários e até advogados) chegou mesmo a conseguir o bloqueio de contas dos escritórios que defendiam vítimas da máquina — agora já com franquias no Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo. Um punguista chamado Luiz Vassalo, a serviço dos escroques de Curitiba, quis saber de ministros do STF e do STJ se a revista Consultor Jurídico pagava por entrevistas, com o claro propósito de emparedar o site. Provavelmente por ser uma prática dos locais onde ele trabalha ou trabalhou.
Na ditadura militar, os delatados iam para os calabouços. Na “lava jato”, as notícias fraudadas empalavam os alvos nas garras do tribunal de Curitiba e suas franquias, onde se prescindia de provas para condenar. Os novos talibãs, guardiões do moralismo, atiraram-se vorazmente contra suas vítimas, sem compaixão. Nem provas. Colhem agora os frutos do mal que plantaram.
Em dezembro de 2014, no auge do lavajatismo, a tiragem somada dos seis principais jornais impressos do Brasil era de 1,071 milhão de exemplares. Seis anos depois, quando a fábula se esfarinhou, além de falsos heróis, descobriu-se haver falsos bandidos. E que o “combate à corrupção” fora falsificado. Um festival de práticas jurídicas corruptas. Em 2021, a tiragem dos seis maiores jornais do país desabou. Caiu 68% em relação a 2014. O crescimento digital foi pífio.
Associar o descrédito da imprensa unicamente ao embarque no lavajatismo é o tipo de falsificação que os jornalistas praticaram para enganar seus leitores. Claro que o fenômeno se deve a outros fatores. Mas nada impede que, no seu ocaso, a imprensa escreva a “história secreta” da “lava jato” ou, como era hábito no jornalismo, fazer o balanço de quem ganhou e quem perdeu com a ascensão e queda desse esquema.
Quem ganhou e quem perdeu
No campo da comunicação, o projeto deu sobrevida a jornalistas em fim de carreira e sem perspectiva. Turbinou jovens sem talento, mas com grande senso de oportunidade. Deu lucros às empresas no curto prazo, mas, como se vê, cobra agora a fatura com a fuga de leitores. A cada dia, fica mais claro que o idealismo da turma era remunerado.
Por duas vezes os procuradores da República tentaram virar donos de empresas (ou fundos) com mais de R$ 2 bilhões: uma derivada de verba de indenização para acionistas da Petrobras, outra com dinheiro da J&F derivado de acordo de colaboração. O advogado lavajatista Modesto Carvalhosa aderiu em busca de honorários estapafúrdios.
O advogado Joaquim Falcão, hoje no comitê eleitoral de Sergio Moro, junto com a Transparência Internacional, também tentou meter a mão no dinheiro da Petrobras, em nome do idealismo, claro. Falcão celebrizou-se com a afirmação de que “o excesso do devido processo legal é uma doença”. Marcelo Miller, Rodrigo Janot e Carlos Fernando aposentaram-se para aproveitar o prestígio que ainda tinham para atender as empresas vitimadas por eles na chamada “operação”.
Para não ser presos, os empresários e executivos concordaram pagar quantias astronômicas na forma de multas ou “reparações”, o que, na verdade, mais pareceu extorsão. Segundo o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), o Brasil perdeu cerca de R$ 170 bilhões em investimentos com a quebradeira das grandes empresas, que provocou um efeito cascata sobre centenas de empresas menores de vários setores, que dependiam dos negócios das multinacionais brasileiras.
Os frutos da ira
Os 278 acordos de colaboração e de leniência geraram o compromisso, dos acusados, de devolver R$ 22 bilhões (em parcelas, por até 20 anos). Até agora, “retornaram” aos cofres públicos algo como R$ 5 bilhões — uma quantia 34 vezes menor que o prejuízo estimado pelo Dieese. Some-se ainda, mais uma perda de R$ 47 bilhões em impostos, R$ 20,3 bilhões em contribuições sobre folha de pagamento e R$ 85,8 bilhões de massa salarial.
A queda no faturamento comercial fechou jornais e já tirou o emprego de mais da metade dos profissionais em ação na década passada. As empresas ousam para buscar receitas. Uma das vestais da “lava jato”, o repórter Thiago Herdy, por exemplo, enxergou uma oportunidade e, aparentemente com o beneplácito da direção do portal UOL, tentou uma jogada alta.
Ao apurar informações sobre a compra de máscaras contra a Covid-19, Herdy conseguiu o contato do fornecedor chinês e tentou engatar uma compra do equipamento de proteção mais procurado naquele momento. Não deu certo, porque a empresa já tinha representante no Brasil, mas o atilado repórter investigativo ainda insistiu no negócio.
Confrontado com a esquisitice, o diretor de conteúdo do UOL, Murilo Garavello, não quis responder se a tentativa de transação era em nome do portal, como afirmou Herdy na correspondência, nem se a aquisição foi concluída. Em sua “defesa”, o repórter imediatamente produziu uma notícia acusatória contra a empresa das máscaras. O desmentido não foi publicado.
Idealismo remunerado
Outra iniciativa arrojada em busca de receitas foi incorporar sites pornográficos ao portal, o UOL Sexo. Com isso, o Grupo Folha passou a oferecer, dentro da área de conteúdo, performances como a do deputado Alexandre Frota e vídeos dirigidos por Ed Coyote Hunter com adolescentes colombianas.
Segundo escreveu Herdy, não se faz jornalismo sem dinheiro. Ainda assim, ele acha que empresas politicamente expostas, como quem faz acordo de leniência, por exemplo, não deveriam investir em veículos de comunicação — conselho que, se seguido pelo UOL, ceifaria da empresa uma receita significativa.
A tentativa de importar máscaras contra a Covid pode ter sido uma tentativa de enganar as fontes, o que é pouco para quem engana leitores. Mas, assim como Deltan, Moro, Falcão, Carvalhosa e outros que ganharam bastante com o lavajatismo, eles sempre poderão dizer que fizeram tudo por idealismo. Corruptos, só empresários e políticos. Juiz, procurador e jornalista, não.
Hoje, os lavajatistas que defendiam o uso de provas ilícitas batem às portas do STF para pedir proteção contra eles. Tudo o que a defesa tentou em Curitiba — e foi negado — hoje os seus protagonistas, na condição de acusados, imploram. A piada já está gasta: mas seria interessante ver o que seria dos lavajatistas de hoje, julgados pelos lavajatistas de antes.
Por Conjur