A CPI é uma novela

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
Cada senador, um personagem; cada mergulho, um flash

Por mais que a genialidade de Marcelo Adnet tenha transformado a CPI da Covid em jogo de futebol, as sessões estão mais para novela do que para qualquer outra coisa. Em programetes semanais (toda segunda no Globoplay), o humorista põe em campo a já antológica imitação de Galvão Bueno para narrar com ironia e crítica acurada momentos selecionados da comissão.     

Transmitida ao vivo às terças, quartas e quintas (dias de trabalho no Congresso) pela TV Senado e repetida em inúmeros canais de notícias do Youtube, a CPI tornou-se campeã de audiência entre os brasileiros, verdadeiro fenômeno popular da era do streaming.  

Tal qual um Darth Vader arfando sob a máscara, Omar Aziz é réstia de bom senso na condução dos trabalhos em tempos de tão exacerbada polarização. A falta de decoro nas interações da internet só espelham os (maus) modos da administração pública nacional. Se Bolsonaro ousa afirmar que não tem como saber o que acontece nos ministérios, quem então?

E dá-lhe Paulo Guedes, Justo Veríssimo da vida real (aquele personagem de Chico Anysio que tinha horror a pobre), oferecendo restos de comida como política pública para erradicação da fome.

E dá-lhe Ricardo Barros, arauto dos planos de saúde contra o SUS que ressurge agora vestindo o figurino do deputado João Plenário, a criação de Saulo Laranjeira. Do banco de uma praça em Maringá, aprova emenda para favorecer o mesmo empresário que já havia faturado milhões indevidamente na época em que ocupava a cadeira da saúde no insalubre governo Temer.

Após ser citado em oitiva pelos irmãos Miranda (Irmãos Coragem ou Mulheres de areia?), Barros entrou no radar da opinião pública e tem a CPI em seu encalço. Será perseguido com o mesmo sangue nos olhos da polícia goiana (e do Datena) no cerco a Lázaro Barbosa – outra novela que o Brasil acompanhou avidamente até o último capítulo na manhã de ontem.   

Entre fake news, mentiras deslavadas e até menções a uma estrela pornô, hackers e pênis imaginários, na novela da CPI cada intervenção pode ser um monólogo de pura vergonha alheia e cada senador, um personagem.  

  •  Luiz Carlos Heinze (PP-RS): pela loucura das afirmações, só pode mesmo ser o Beato Salu, de Roque Santeiro. A qualquer momento irá gritar que “mais fortes são os poderes da cloroquina!”

  • Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ): em esporádicas e estratégicas aparições, o primogênito do presidente tumultua o coreto de propósito, geralmente ofendendo seus interlocutores. Apreciador de esquemas financeiros duvidosos (vide o caso da rachadinha, a fantástica loja de chocolate e aquisições imobiliárias suspeitas), além de dono de uma malemolência prosódica tipicamente carioca, poderia ser o amoral Miro, de Selva de pedra.

  • Eduardo Girão (Podemos-CE): o cão de guarda da tropa de choque bolsonarista é, segundo Marcelo Adnet, o Rolando Lero da Escolinha do Professor Raimundo. Não há como discordar.  

  • Otto Alencar (PSD-BA): carrega a sabedoria do Velho do Rio da novela Pantanal, levando a canoa em direção à terceira margem, guiado pelo leme da ciência. Graças a ele, agora todos sabemos (a Drª Nise Yamaguchi aí incluída) a diferença entre vírus e protozoário.  

  • Eliziane Gama (Cidadania-MA): qualquer personagem combativa e popular de Dira Paes, sempre estridente e fatal em nome de uma causa que ache justa.

  • Renan Calheiros (MDB-AL): o relator da CPI é um daqueles coronéis do cacau de novelas adaptadas da obra de Jorge Amado, mas completamente repaginado. De acusado, tornou-se acusador – e mostra desempenhar muito bem ambos os papeis.  

  • Randolfe Rodrigues: o combativo sindicalista Fabrício de Fera ferida, tentando denunciar os desmandos dos poderosos de Tubiacanga.  

  • Simone Tebet (MDB-MS): fazendo jus à sua ascendência, usa a máscara como se fosse o véu das personagens do núcleo árabe em O Clone. Para ela, tudo que Ricardo Barros fez é haram e, portanto, deve queimar no mármore do inferno. Inshalá.

  • Marcos Rogério (DEM-RO): governista até a última gota de gel do cabelo, tem a voz aveludada de Zé Bonitinho e táticas dignas da Maria de Fátima de Vale tudo.     

  • Jorginho Mello (PL-SC): é como se Ary Fontoura tentasse finalmente interpretar um protagonista.  

  • Tasso Jereissati (PSDB-CE): ultimamente acusado de ser a melhor opção para uma suposta terceira via para as próximas eleições, tem sido voz tranquila, porém contundente, na participação remota nas sessões da CPI. Nunca poderão acusá-lo de achar-se a última Coca-Cola do deserto, afinal é o dono da fábrica do refrigerante no Ceará. Vamos compará-lo à Dona Benta do Sítio do Picapau Amarelo, tentando controlar a algazarra dos netinhos e educá-los ao mesmo tempo.

  • Ciro Nogueira (PP-PI): a pinta de galã de novela mexicana dá a dica: é Paola e Paulina Bracho, as gêmeas de A usurpadora. Se um dia afirma que seu partido tem mais identidade com Bolsonaro do que com Lula, no dia seguinte diz que tem muito carinho pelo ex-presidente. Apoiou o governo petista, apoia este e apoiará o próximo, seja qual for. Mais centrão do que isso, impossível.

  • Humberto Costa (PT-PE) e Rogério Carvalho (PT-SE): médicos na sala de emergência de um hospital público caindo aos pedaços na série Sob pressão.  

Com tanta coisa ainda por descobrir e a pandemia longe de arrefecer, é muito bem-vinda a já decidida prorrogação da CPI. Até nisso a comissão segue o formato da TV: vai ter segunda temporada. (por Alexis Parrot) 

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