A educação especial tem se constituído numa espécie de “educação de segunda categoria”, mesmo para os rebaixados critérios capitalistas
Para uma criança com necessidades especiais poder se desenvolver amplamente, ela precisa receber generosos estímulos e ensino paciente, num movimento em progressão continuada, desde os primeiros momentos da vida. O estímulo e o ensino devem ser diários e contemplar seus múltiplos aspectos interligados: físico, social, intelectual, estético, moral, afetivo.
Isso exige a interação constante com variadas áreas profissionais: educação especial, pedagogia, psicologia, medicina, terapia ocupacional, fisioterapia, fonoaudiologia, educação física e qualquer outro trabalho visando o objetivo de uma formação integral. Em conformidade com esse propósito, os familiares da criança também necessitam receber orientações apropriadas.
Assim, caso tais fatores se articulem bem e sejam direcionados a um processo de educação permanente, a criança poderá aprender a ler, apropriar-se do conhecimento acumulado pela humanidade, construir sua autonomia intelectual e aspirar a uma existência em sociedade mais digna do que em tempos idos.
Vale lembrar que, até há poucos anos, as pessoas com necessidades especiais eram condenadas a uma vida reclusa, trancadas em casas, hospitais ou asilos, relegadas a condições degradantes, sem chances de estabelecer vínculos criativos com a comunidade humana mais ampla. A participação nas escolas regulares trouxe, para esses sujeitos, maiores chances de aprendizagem, o que consiste numa inegável conquista em termos sociais.
Mas, se a luta por tais avanços foi historicamente importante, não podemos romantizá-los acriticamente. Afinal, trata-se da escola capitalista. Nesse sentido, uma breve reflexão pode ajudar a esclarecer o problema aqui posto: basta aos estudantes com necessidades especiais frequentar a escola regular, nas condições atualmente dadas, para ter verdadeira formação integral?
Nossa resposta a tal questionamento só pode ser negativa, se considerarmos que a escola capitalista – assim como a totalidade das instituições educacionais formais desta sociedade – é organizada com vistas a proporcionar, aos filhos da classe trabalhadora, acima de tudo, preparação para o mercado de trabalho, algo bem diferente de uma educação plenamente realizadora das múltiplas potencialidades humanas.
A educação, na escola capitalista, consiste, em larga medida, numa formação destinada a desenvolver capacidades “abstratas”, que possibilitem ao sujeito tornar-se rápido, prático, produtivo e ativamente adaptável – com maior ou menor conhecimento – ao processo de produção e reprodução de capital, buscando atender às exigências aí colocadas para benefício das classes dominantes.
Mas há uma distinção importante: a instrução acima mencionada é facultada ao aluno “médio”, considerado apto a ingressar no mercado de trabalho na idade oportuna. A massa dos estudantes oriundos da classe trabalhadora, concebida nesses termos, recebe uma educação “medianizada” visando esse fim. Tal ensino desenvolverá habilidades prático-cognitivas adaptáveis aos eventuais ramos da produção econômica onde os indivíduos se mostrarem aptos a ingressar, mediante um esforço competitivo brutal pelos empregos quase sempre em número menor em relação aos trabalhadores disponíveis.
No caso da educação especial, a educação fornecida aos seus estudantes será ainda inferior à dos demais. Porque, na perspectiva da classe dominante, essas pessoas não são capazes, na sua maioria, de ingressar no mercado de trabalho – isso diz respeito, especialmente, aos classificados na categoria preconceituosa e cientificamente precária de “deficiência intelectual”.
Portanto, para esses alunos, a quantidade de recursos materiais e humanos será claramente menor que a destinada aos estudantes “médios” do ensino regular. Isso se verifica facilmente, por exemplo, no fato do número de educadores especiais disponíveis nas escolas ser, em geral, insuficiente em relação aos muitos estudantes com necessidades especiais aí incluídos.
Assim, no tocante à educação especial, o produto inegável do sistema educacional capitalista é uma educação bem mais precária que a proporcionada ao resto da classe trabalhadora. Nessas condições impróprias, cumpre-se a atividade educativa quase como mera “formalidade prática”, com vistas a satisfazer às determinações legais vigentes e os acordos internacionais dos quais o país participa – a despeito da luta constante dos defensores desse campo para modificar tal situação e elevar a qualidade da inclusão.
Esse quadro, destaque-se, não configura um acidente, mas uma limitação estrutural da educação especial na escola capitalista. Tal condição impõe aos seus alunos a “fatalidade” de findar sua escolarização formal, salvo raríssimas exceções, com uma formação fragmentada, superficial e terrivelmente parca, em termos de conhecimento científico, nas variadas áreas do saber – e, para completar, esse triste resultado é jogado sem piedade, desgraçadamente, sobre as costas individuais dos estudantes, como se fosse responsabilidade única e exclusiva da sua “deficiência”.
Ressalte-se: não depende da vontade, capacidade ou atuação individual, dos trabalhadores da escola alterar os rumos desse processo. É a escola capitalista, regida e estruturada pelo Estado capitalista, em conformidade com as necessidades do capital, que não se adapta – e não vai se adaptar – às especificidades dos sujeitos com necessidades especiais. Ao contrário: vai fazer o possível para adaptar alguns deles ao mercado de trabalho capitalista – de fato, já o tem feito, algumas vezes, formando-os como força-de-trabalho precarizada, ou, nos termos do senso comum, “mão-de-obra barata”.
Diante dessa situação, pode-se dizer, com grande pesar, que a educação especial tem se constituído numa espécie de “educação de segunda categoria”, mesmo para os rebaixados critérios capitalistas, porque nem ao menos proporciona aos seus alunos o mínimo esperado da escola nesta sociedade, isto é, formar para o mercado de trabalho. Lamentavelmente, é porque o capital vê esses sujeitos como incapazes de gerar lucros que os investimentos direcionados à sua formação são pauperrimamente distribuídos.
Eis a razão profunda pela qual os educadores especiais dispõem, no dia a dia, de condições de trabalho limitadas e conseguem fazer tão pouco por seus alunos, no que toca à aquisição do conhecimento científico e ao desenvolvimento das suas múltiplas capacidades. Enquanto tais obstáculos não forem transpostos – necessidade que exige a superação da sociedade capitalista -, a educação especial não estará, em sua prática, à altura de um conceito generoso e rico de educação.
A alternativa a esse quadro deprimente requer a auto-organização da classe trabalhadora, para a luta de classes, numa perspectiva revolucionária , e o estabelecimento, nesse árduo processo, de uma educação para além do capital.
VOZ DO PARÁ: Essencial todo dia!