A institucionalização da eugenia

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
Portaria do Ministério da Saúde é eugenia pura. Procedimento de inserção do implante contraceptivo Implanon (Reprodução/Youtube)

Esta matéria pretende colocar em discussão tema dos mais delicados para a humanidade, sem qualquer tipo de excesso: a eugenia.

A palavra tem origem no grego, e seu significado vem das palavras “eu”, que significa boa, e “génos”, gene ou genética. Portanto, de um ponto vista completamente neutro, a eugenia significa uma “boa genética”. Já no sentido consagrado, na sua essência, significa um melhoramento genético dos seres humanos para que apenas as “raças superiores” acabem por prevalecer no planeta. E, como ocorreu no genocídio nazista, as “raças inferiores” são mortas para que apenas os superiores sobrevivam, procriem e acabem dominando o mundo, no sentido literal do termo. Naquela época, o grande exemplo de raça inferior estava com os judeus, dentre vários outros. Nos dias atuais grande parte da sociedade considera os negros e a população LGBTQI+ serem inferiores. Assim, a solução seria matá-los ou, na melhor das hipóteses, impedi-los de procriar.

É por tal razão que a eugenia é de uma repugnância indescritível, já que considera alguns seres humanos melhores do que outros. Essa conclusão dispensa maiores considerações.

Entretanto, para nossa surpresa, foi publicada, em 02 de maio último, uma matéria no portal de internet UOL, intitulada Implante contraceptivo em presas e população de rua é eugenia, diz jurista. Num primeiro momento, nada há de estranho, como se lê em seu primeiro parágrafo: “… o Ministério da Saúde anunciou, por meio de uma portaria, que vai gastar R$ 40 milhões na incorporação de um novo método anticoncepcional no SUS: o implante subdérmico de etonogestrel (medicação contraceptiva aplicada sob a pele)”.

Assim, a tendência inicial é imaginar que há uma política pública de saúde para as mulheres e de planejamento familiar. Assim, a mulher, acompanhada ou não de seu companheiro, vai até a unidade primária de atendimento para suas consultas regulares, preferencialmente com ginecologistas, e toma conhecimento de eventuais métodos contraceptivos. Na hipótese de optar pelo implante subdérmico, o SUS terá condições de realizar o procedimento.

Mas a realidade não é bem essa. Ao continuar lendo a matéria do UOL, verifica-se o seguinte: “O contraceptivo, no entanto, vai ser direcionado a cinco grupos específicos: trabalhadoras sexuais, mulheres em situações de rua, presidiárias, mulheres com HIV e mulheres com tuberculose”.

Em bom português: a portaria do Ministério da Saúde hierarquiza as mulheres, como se umas fossem melhores do que as outras, como se a presidiária fosse pior que a guarda penitenciária, como se a moradora de rua fosse pior do que as mulheres do topo da pirâmide social.

Isto é eugenia! Não se pode selecionar quem receberá o contraceptivo dessa forma! Qualquer mulher pode ir a uma consulta a um médico do SUS e se convencer que o implante é, para ela, o melhor método contraceptivo. Por outro lado, selecionar aquele grupo de mulheres, que já são estigmatizadas e a maioria está entre as pessoas mais vulneráveis de grande parte dos países, e não apenas do Brasil.

Por isso, é fácil concluir que não há outra palavra para definir essa postura que não eugenia.

Tudo o que foi dito nos faz lembrar as lições de Foucault a respeito das sociedades disciplinares, que se baseiam na gestão da vida, o que acaba culminando com o chamado biopoder, assim definido pelo filósofo: “… poder que se exerce, positivamente, sobre a vida, que empreende sua gestão, sua majoração, sua multiplicação, o exercício, sobre ela, de controles precisos e regulações de conjunto” (FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: a vontade de saber. 14. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2001, p. 129).

Em outra obra, o mesmo autor assim afirma: “O corpo humano entra numa maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe. Uma ‘anatomia política’, que é também igualmente uma ‘mecânica do poder’, está nascendo; ela define como se pode ter domínio sobre os corpos dos outros, não simplesmente para que façam o que se quer, mas para que operem como se quer, com as técnicas, segundo a rapidez e a eficácia que se determina” (FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 119).

É exatamente isso que não podemos admitir, e aqui cabem todas as veementes críticas desenvolvidas por Foucault. Este exercício de biopoder na portaria do Ministério da Saúde é eugenia, na sua mais pura essência.

VOZ DO PARÁ: Essencial todo dia!

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