A nova cara do capitalismo caduco

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
Se o trabalhador não consegue vender a sua força de trabalho, não consegue sobreviver

As transformações do mundo do trabalho vêm percorrendo os séculos XVIII a XXI, que estão permeados de mudanças e de transformações na estrutura social movidas pelo moinho satânico do capital. A modernidade originou-se por meio do desenvolvimento da força de trabalho humano e, consequentemente, novas formas de trabalho surgiram e reorganizaram a divisão social do trabalho. Esse processo possibilitou novas tecnologias e outros modelos de organização do trabalho. Na longa história da atividade humana, em sua incessante luta pela sobrevivência, pela conquista da dignidade, humanidade e felicidade social, o mundo do trabalho tem sido vital. Nesse sentido, as mudanças econômicas, sociais e tecnológicas ocorridas a partir da revolução industrial (urbanização, migração do campo para a cidade, meios de transporte etc.) possibilitaram novas facetas da sociedade “moderna”, cristalizando o indivíduo em uma sociedade hierarquizada e alicerçada por fatores meramente econômicos.

Nesse contexto nasce o indivíduo moderno, substrato sobre qual se consolidou a figura do trabalhador da sociedade fordista do século XX. O final do século XX foi marcado por transformações no modelo de organização da produção taylorista/fordista, o qual predominou nos países industrializados ao longo do século XX, para um modelo de acumulação flexível.

Conforme observado nos escritos de Marx, o trabalho é, assim, uma condição de existência do homem, independente de todas as formas sociais, eterna necessidade natural de mediação do metabolismo entre homem e natureza e, portanto, da vida humana. Nessa perspectiva, Antunes analisa que o trabalho, sob os ditames do capital, se torna uma mercadoria, uma condição imposta e negociável ao mercado, descaracterizando a sua essência de satisfazer as necessidades humanas e transfigurando um elemento forçado diante da submissão do homem ao capital. Para o autor, “A força de trabalho torna-se uma mercadoria, ainda que especial, cuja finalidade é criar novas mercadorias e valorizar o capital. Converte-se em meio e não primeira necessidade de realização humana”.

Na ótica capitalista, o trabalhador não se satisfaz, mas se degrada; não se reconhece, mas muitas vezes se desumaniza no trabalho. O desenvolvimento do capitalismo diante das relações mercantis transforma a força de trabalho em uma ferramenta de uso do capital, que capacita o trabalhador ao seu interesse, em uma relação de alienação das condições sociais de vida.

Com o advento do capitalismo, houve uma transformação essencial que alterou e complexificou o trabalho humano. Essa dupla dimensão presente no processo de trabalho que, ao mesmo tempo cria e subordina, emancipa e aliena, humaniza e degrada, oferece autonomia, mas gera sujeição, libera e escraviza, impede que o estudo do trabalho humano seja unilateralizado ou mesmo tratado de modo binário e mesmo dual.

 O mundo do trabalho como percepção do envolvimento distinto dos seres humanos com o conteúdo e relações laborais não se apresenta estável ao longo do tempo. Nessa conjectura, o ser humano torna-se um objeto de exploração e de subordinação nas novas relações de mercantilização da força de trabalho, expropriando sua própria vida para mercado/capitalismo. O trabalho humano tinha que se transformar em uma mercadoria, sem regras para o sistema de mercado, elemento abstrato, sem sentimentos, caracterizado pela simples mercantilização da força de trabalho. Nesse sentido, os próprios cidadãos, sujeitos de direito, teriam que negociar a sua força de trabalho, pois é única mercadoria que têm para negociar e sobreviver.

O capitalismo é um elemento camaleônico que se transforma em diferentes formas em resposta às mudanças no ambiente socioeconômico para suprir suas necessidades de concentração de capital e exploração da força de trabalho. O sistema mudará, adaptar-se-á, mas continuará levando os trabalhadores à busca de realização de trabalhos parciais, precários, temporários como alternativa à sua sobrevivência, refletindo as minúcias do passado trazendo sérios prejuízos aos trabalhadores.

Não obstante, nesse período avançam os novos enfoques das reorganizações do mundo trabalho e as suas morfologias para estruturar as práticas laborais e assim encorpar o novo espírito de trabalhador engajado que irá vestir a “camisa da empresa”. Conforme salienta Antunes (2009), incorporam-se nessa época elementos do discurso operário, porém, sob a clara concepção burguesa, o ideal burguês na alma do proletariado, forjando, dessa forma, um novo trabalhador que entrará século XXI totalmente fragmentado e destituído de sua identidade social como proletariado.

Com as crises econômicas, energéticas e da previdência, esse contexto de segurança e de estabilidade social presente nas sociedades fordistas entra em crise. Como resposta, surge na produção o toyotismo ou pós-fordismo, com proposta de organizar a produção e o trabalho rompendo com a rigidez corporativa do fordismo, individualizando mais trabalhador e realizando processos de enxugamento dos quadros de funcionários das empresas por meio do deslocamento espacial, terceirização e da subcontratação. O mundo do trabalho passa por uma heterogeneidade, uma complexificação e uma fragmentação.

Com as estruturações e as flexibilizações de trabalho, a força de trabalho tornou-se mais barata ao mercado. Utilizavam-se trabalhadores contratados temporária e precariamente, os quais, em um período de crescimento da economia, eram exauridos em longas jornadas para atender a níveis altíssimos de produtividade; contudo, em um momento de recessão, voltavam a condição de desempregados.

A força de trabalho torna-se uma mercadoria cuja finalidade é criar novas mercadoriasA força de trabalho torna-se uma mercadoria cuja finalidade é criar novas mercadoriasO autor destaca que essa massa de desempregados forma um vasto reservatório de pessoas que ficam à margem das relações de mercado, e à medida que elas vão ficando à margem dessas relações não têm mais lugar na sociedade, que é dominada pelo mercado. Em outras palavras, se o trabalhador não consegue vender a sua força de trabalho, não consegue sobreviver.

A flexibilização pode ser entendida como “liberdade da empresa” para desempregar trabalhadores; sem penalidades, quando a produção e as vendas diminuem; liberdade, sempre para a empresa, para reduzir o horário de trabalho ou de recorrer a mais horas de trabalho; possibilidade de pagar salários reais mais baixos do que a paridade de trabalho exige; possibilidade de subdividir a jornada de trabalho em dia e semana segundo as conveniências das empresas, mudando os horários e as características do trabalho (por Seminário Nacional de Saúde Mental e Trabalho – São Paulo, 28 e 29 de novembro de 2008 turno, por escala, em tempo parcial, horário flexível etc.), dentre tantas outras formas de precarização da força de trabalho.

Parafraseando Karl Marx, ao promover a secularização da liberdade e da igualdade, a democracia representativa burguesa mobilizou as massas e reiteradamente as traiu e as abateu. A sociedade capitalista precisa contar de modo crescente com as massas, integrá-las à normalidade econômica e política para assegurar o domínio em uma falsa ilusão de participação e liberdade. A sociedade burguesa moderna, que brotou das ruínas da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos de classe. Não fez mais do que estabelecer novas classes, novas condições de opressão e de exploração.

Nesse sentido, há necessidade de explicitar-se o conceito de liberdade. A lógica do sistema capitalista camufla a liberdade, como uma mera mercadoria. O Estado, ao possibilitar a liberdade aos cidadãos, livres e iguais, aceita que negociem, contratem e comercializem nos mercados, adentrando na lógica de fetichização do mercado neoliberal.

É nesse sentido que o Estado se adapta às necessidades do capital, parafraseando Marx, o Estado, nesse contexto, representa o comitê executivo da burguesia. Pode-se correlacionar essa afirmação com as mudanças ocorridas na(s) reforma(s) trabalhista(s) e do Ensino Médio em 2017. Conforme ressaltam Druck, Dutra e Silva, a aprovação da Lei 13.467, em julho de 2017, foi possível porque se vive em uma conjuntura – internacional e nacional – favorável a essa ofensiva de desmonte dos direitos sociais e trabalhistas. Ademais, os autores afirmam que “o capitalismo globalizado, hegemonizado pelo capital financeiro, vem transformando a economia, impondo sua lógica de curto prazo e de volatilidade a todas as demais atividades econômicas e aos modos de gestão do trabalho”.

Um dos principais impactos da reforma trabalhista refere-se a terceirizações nas relações de trabalho, as quais geram precarização no trabalho, reduzem direitos e impedem o acesso à justiça pelo trabalhador. Tais mudanças legislativas representam, em sua essência, a extinção dos direitos trabalhistas. Nesse processo, flexibilizaram-se as relações sociais existentes no trabalho. O trabalhador terceirizado não se socializa no trabalho, não tem vínculos sociais e consequentemente não se identifica com os sindicatos, fragilizando-se as identidades de classes nessas novas relações. O trabalhador transfigura-se em um ser mutável e sem representações de classes. Com isso, aumenta-se enormemente o poder do capital sobre o trabalhador. O setor produtivo inter-relaciona-se com o setor de serviços, distinguindo-se e dissipando-se a partir de novas formas organizacionais e tecnologias de gestão, tudo em prol da nova lógica de mercado. Percebe-se que os setores da força de trabalho foram terceirizados ou quarteirizados, seguindo a lógica e tendência mundial do sistema neoliberal.

Assim sendo, toda reforma trabalhista carrega consigo o triplo de mudanças das estruturas do Estado a favor do interesse do capital (burguesia interna e externa). As mudanças ocorreram em consonância com a Reforma do Ensino Médio, a Reforma Trabalhista e a Reforma da Previdência. Essas três reformas necessitam estar interligadas para atender aos interesses das grandes cooperações do capital. Não se faz reforma trabalhista sem alterar a educação e a previdência. O interesse é a junção das estruturas para correlacionar o desmonte dos direitos garantido a duras batalhas de sangue na história da classe trabalhadora. A reforma do ensino escancara a função de adestramento precoce dos estudantes das classes trabalhadoras, dificultando-se o acesso à universidade e ao mundo do trabalho mais qualificado e potencialmente transformador.

Destarte, a Reforma Trabalhista, promulgada pela Lei n. 13.467/2017, e a Reforma do Ensino Médio, com base na Lei n. 13.415/2017, respectivamente, têm por essência retirar os diretos conquistados pelos trabalhadores e retomar a dualidade histórica na qual os filhos dos trabalhadores são formados para o chão de fábricas e a elite recebe educação diferenciada. A (des)reforma trabalhista alicerçou o fim da proteção dos direitos sociais e suas bases das organizações sindicais, ficando o trabalhador à deriva ao mercado/capital, flexibilizando as relações e enfraquecendo os direitos trabalhistas. A responsabilidade fica a cargo do indivíduo, em uma sociedade que é permeada pelo lucro. O ser humano torna-se meramente uma mercadoria para satisfazer o capital. Em outras palavras, se o trabalhador não consegue vender a sua força de trabalho, não consegue sobreviver. Nesse sentido, submete-se aos ditames do capital. (A opinião é de André Luiz de Souza, sociólogo e doutorando em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul)

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