A saúde versus a reserva do possível

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
Em quais casos o Estado pode limitar o fornecimento de medicamentos?

A saúde integra os direitos fundamentais e está prevista no rol dos direitos sociais do artigo 6º, contando ainda com uma seção própria no artigo 196 da Constituição da República de 1988.

Prevê também a CR/88 uma rede responsável pelas ações e serviços públicos de saúde de maneira regionalizada e hierarquiza, denominada de Sistema Único de Saúde, o que chamamos cotidianamente de SUS.

O ponto que nos chama a atenção é saber se, por meio do SUS, a cobertura da saúde como “direito de todos e dever do Estado” e o “acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação” são ilimitados.

Certamente a primeira resposta será: Sim! Até porque a doença não escolhe dia e hora e o tratamento deve ser imediato, afinal de contas estamos lidando com vidas humanas.

Porém, o Direito Administrativo e as leis orçamentárias podem nos trazer outra realidade, qual seja: a escassez de recursos diante de uma necessidade ilimitada. É que os recursos públicos obedecem a um planejamento de longo, médio e curto prazo de execução. Há, portanto, critérios para que sejam estabelecidos de modo transparente a utilização do dinheiro público e suas metas na saúde. São chamados de Plano Plurianual (PPA); Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e, por fim, a Lei Orçamentária Anual (LOA).

Resta saber se, com leis rígidas sobre planejamento e aplicação de recursos públicos, o Estado e seus entes conseguirão suprir as necessidades sociais. E são muitas! Só para destacar veja as áreas previstas no já mencionado artigo 6º da CR/88: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.

O orçamento para a atuação na área da saúde, atualizado, prevê segundo o portal da transparência, da Controladoria-Geral da União, o valor de R$ 171,72 bilhões. Considera-se também a responsabilidade solidária da União, estados-membros, DF e municípios na área da saúde. 

Ocorre que, pela limitação orçamentária, haverá conflitos quando o Estado nega a um cidadão determinado medicamento. Quando isso ocorre surge a discussão sobre a chamada “reserva do possível”. Em termos gerais diz-se que os recursos são limitados (isso vimos acima) e as necessidades infinitas. Com isso o Estado não estaria obrigado a fornecer ilimitadamente todo e qualquer tipo de medicamento por encontrar no orçamento a base de contenção de gastos. Faz sentido? Possivelmente.

Para que fique mais claro basta pensar no exemplo mais corriqueiro para essa análise: o alto custo de um medicamento pode gerar a falta de dinheiro para a compra de vários outros. Sacrifica-se a compra de vários medicamentos em detrimento da compra de um por ser esse de altíssimo custo?

Segundo a reserva do possível aspectos como a razoabilidade, proporcionalidade e a disponibilidade financeira poderão limitar os gastos na saúde como forma de preservar o equilíbrio-financeiro.

Passando a analisar o tema nos tribunais, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do RE 657718, em repercussão geral, decidiu que o Estado não pode ser obrigado pelo Poder Judiciário a fornecer medicamento experimental ou não registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Outra decisão interessante do STF foi proferida no RE 566471 RG/RN geradora do tema 06: “Dever do Estado de fornecer medicamento de alto custo a portador de doença grave que não possui condições financeiras para comprá-lo”.

No Superior Tribunal de Justiça (STJ), a questão da incapacidade econômico-financeira é um fator importante de análise para determinar a obrigatoriedade ou não de atuação do Judiciário na inclusão de políticas públicas no plano orçamentário do ente público (Resp. 1488639/SE).

Com isso, fatores como inviabilidade financeira e a incapacidade econômico-financeira serão sempre enfrentadas quando a realidade social, os direitos fundamentais e os limites orçamentários estiverem no mesmo jogo.

A tese que vem sendo mantida é que o Estado e seus entes devem fornecer os medicamentos indispensáveis para o necessário tratamento médico requerido pelo cidadão, exceto se for o medicamento experimental ou não registrado na Anvisa. Ainda é possível dizer que poderá o Estado demorar injustificadamente na análise de um registro de medicamento, ocasião que poderá ser determinado o seu fornecimento.

Cada caso, com as suas peculiaridades, seus dilemas e suas necessidades, aliado aos limites orçamentários certamente serão os balizadores das intervenções do Judiciário nas políticas públicas de saúde.

por Felipe de Almeida Campos

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