A volta do Masterchef

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
Repleto de turbulências, um novo ciclo se inicia

Amainadas as restrições mais ferrenhas impostas pela pandemia e após uma temporada vexaminosa e feita para ser esquecida, o Masterchef voltou ao ar arrotando triunfo, porém, tropeçando em vários obstáculos – na sua maioria, desnecessários.

O primeiro deles veio a público há alguns meses, no vácuo de um grande desfalque. A nova temporada da atração não contaria mais com Paola Carosella. Ao virar a página e abandonar a bancada de jurados, a chef argentina desferiu um golpe certeiro na jugular do reality.  

Certamente, a produção do programa sentiu pender sobre sua cabeça aquela famosa espada que na Sicília antiga fez Dâmocles suar e repensar a vida. Nenhuma atração na história recente da TV brasileira soube melhor aproveitar um corpo de julgadores como o Masterchef. Com o passar dos anos, Paola, Jacquin e Fogaça (mais a apresentadora Ana Paula Padrão) tornaram-se o próprio programa, sua imagem, personalidade e alma.  

Por mais árdua a tarefa, e para desconsolo de milhares de viúvos e viúvas de Paola, nada mais se poderia fazer além de escalar uma substituição. Ao contrário do que aconteceu por aqui, mudanças no casting do painel de juízes nas versões de outros países acontecem com frequência e são encaradas com naturalidade. Na Itália, por exemplo, a adesão do chef Giorgio Locatelli (desde 2018), assim como o retorno do cozinheiro estrelado Bruno Barbieri, após uma ausência de três anos, só fez com que o programa crescesse.         

Definida a vacância, preenche-se a lacuna. Ninguém é eterno e pode-se mexer sim em time que está ganhando; do contrário, nada se renova. Com Helena Rizzo no posto deixado por Paola, um novo ciclo se inicia – aparentemente, repleto de turbulências.   

Noite de estreia

O que se viu na última terça-feira foi diferente do assistido em tempos passados. Se tudo parece agora mais amplo, com grande separação entre as bancadas e espaço maior de circulação em um estúdio com dimensões avantajadas, o resultado final soa frio e asséptico. Em bom português, artificial – como o programa nunca foi.

Mesmo com os participantes testados negativamente, a preocupação com o distanciamento quer passar uma mensagem de responsabilidade a respeito do contágio da Covid. Mas surge a dúvida: para que tanto distanciamento no salão da cozinha se no mezanino todo mundo se amontoa? O espaço do mercado é tão mal organizado que uma das concorrentes até caiu no chão, tamanha a gana com que os concorrentes se jogavam uns sobre os outros na hora de retirar peixes em uma diminuta bancada.  

Dessa vez foi eliminada a tradicional seleção, onde os jogadores são escolhidos pelos jurados após cozinhar um prato de assinatura. Semanas antes da estreia, os nomes dos selecionados já haviam sido divulgados.     

O sentido de exibir essa triagem é criar um pacto de confiança com o público e dizer que o programa se sustenta em regras justas. Se a seleção é transformada em uma caixa misteriosa, deixa de ser Masterchef e vira BBB, onde assumidamente não há regra clara na seleção, e todo mundo que entra é devido a uma decisão unilateral (e pessoal) do diretor da atração.

Ignorar esta etapa e a transparência que ela traz para a competição é desconsiderar o telespectador e a própria história do programa e seu formato. Já vimos algo parecido com isso no ano passado e o resultado foi decepcionante. Se nos é vedado conhecer de cara os cozinheiros amadores, adia-se a escolha por quem torcer e o anticlímax está garantido já no primeiro episódio.

Com exceção dos dois ex-Masterchef Kids e de outros três da malfadada edição 2020, ninguém sabe de onde saíram os outros adversários e qual caminho percorreram para chegar até ali. Entre estreias e revivals, a nova jurada Helena Rizzo acabou sendo a grande caloura da noite.

Ao perguntar reiteradamente sobre o nervosismo de quem deveria avaliar, tentava era camuflar o próprio estado emocional. Talvez para fugir disso, inconscientemente, vestiu-se da modelo que foi na juventude e caminhava pelo estúdio como se desfilasse em uma passarela, colocando uma lupa na impressão de artificialidade do resto do conjunto.

Justiça seja feita, quem merece mesmo a coroa da afetação é o ex-Kids Eduardo. Histriônico no pior sentido da palavra, a cada vez que surgia em novo depoimento parecia um personagem fugido do Castelo Rá-tim-bum. Se está atuando, atua mal; se não está, é sinal de que precisa de ajuda profissional.   

Nominados os erros, o programa também circulou perigosamente pelo terreno do que é inadmissível em um programa de televisão. Se não a própria seleção do empresário Bernardo, com certeza o tipo de mensagem passada por ele durante a breve e infeliz participação. Ao incorporá-lo à disputa, renegou-se o discurso abraçado pelo programa desde a primeira temporada.

Entre todo material gravado, selecionaram justamente um trecho de depoimento em que o homem diz andar armado – como se isso fosse corriqueiro e natural. Junte a isso a irresponsabilidade de permitirem que usasse uma camiseta com a estampa em inglês com os dizeres: “tenho um sniper pronto para atirar em você agora”. Ponto alto da noite, pelo menos foi ele o primeiro eliminado.

Se tem uma coisa que não combina com culinária e gastronomia é apologia à violência.  Depois de tantos anos de estrada, a direção do programa, e mesmo da Band, tinha a obrigação de estar mais atenta.

Houve também participantes sendo excluídos aleatoriamente da prova, sem sorteio nem nada; um skill test de degustação chupado do Hell’s Kitchen; e uma concorrente afirmando que abriu mão de muita coisa para estar ali, deixando para trás a cachorrinha doente – mais um exemplo de depoimento sem noção.

O convidado especial da estreia representa bem o desvario desse novo Masterchef. Perguntado se já havia cozinhado os peixes de água doce que entrou carregando, o sambista Diogo Nogueira foi tão categórico quanto descuidado e a resposta foi um sonoro não. Se o rapaz nunca trabalhou com aquela proteína, estava fazendo o quê ali?   

Com tantas mudanças desnecessárias, tropeços e erros, foi um alento os jurados remanescentes não decepcionarem, seguindo os mesmos de sempre, inclusive nos intervalos. Ao contrário de Paola, que sempre se mostrou impermeável ao canto da sereia dos reclames publicitários, com seus ex-companheiros a conversa é outra. Sem cerimônia nenhuma, Fogaça agora está anunciando até remédio para o fígado.

Por mais que ainda haja tempo de corrigir o curso em várias coisas (afinal, a temporada apenas começou), é triste ver um programa perdendo a identidade. (por Alexis Parrot)

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