Para a tradição liberal a pobreza foi privatizada e não é obrigação do Estado socorrer aos necessitados
Vários autores considerados liberais justificam a necessidade de um governo despótico, com a finalidade de impor a ordem que, em verdade, em se tratado de liberalismo, é a manutenção da classe dominante no poder, em detrimento do pobre.
Portanto, em vez do diálogo, se necessário, o poder sustentado pela baioneta. Revolução nem pensar, considerando que é coisa de bárbaros. Porém, quem define o que é bárbaro ou não é a comunidade dos livres, que pretendeu manter excluída dela os pobres, os iletrados, os colonos, os indígenas e os operários, em razão de serem pessoas que não gostam ou não tem condições de pensar e vivem em uma eterna menoridade. São considerados trabalhadores bípedes. Homens/máquinas.
Aliás, para a tradição liberal a pobreza foi privatizada e não é obrigação do Estado socorrer aos necessitados, com caridade pública. A miséria, para os liberais e afortunados, é uma demonstração de que Deus assim a quis e, portanto, não compete ao governo intrometer nesta seara. A caridade ou é privada ou pobre deve mesmo é morrer na inanição. Solidariedade e igualdade estão bem distantes deste pensamento liberal desumano.
Não obstante os liberais serem sempre contra o Estado social e, consequência da então necessária Revolução Francesa, por eles criticada, o Estado socorrista dos pobres acabou advindo e os liberais pretendem destruí-lo, mundo afora, como acontece no Brasil, com o Estado cada vez mais privatizado e com a diminuição dos direitos econômicos e sociais.
No incipiente Estados Unidos da América Lieber admite, claramente, a possibilidade de recorrer à “lei marcial” para enfrentar um eventual Estado de Exceção e ainda concorda com o Presidente americano, na afirmação logo abaixo lançada. Portanto, é possível a suspensão do habeas corpus, para prisão, até mesmo sem causa, de qualquer pessoa, e o próprio Lincoln, o Presidente liberal e proprietário de escravos, declara: Devo mandar fuzilar um simples garoto-soldado que deserta, enquanto não devo sequer tocar um fio de cabelo de um covarde agitador que o induz a desertar? ”.
E o renomado Tocqueville, que escreveu, dentre tantos outros livros, a Democracia na América, numa visão tendenciosa, posto que não considerasse a dizimação dos peles-vermelhas e nem a escravidão negra naquele país, ao afirmar que a liberdade reinava nos EUA, ele também um liberal, com absurdas teses contrárias aos pobres, acaba por naturalizar a pobreza, e que é contra a Revolução Francesa, por entendê-la encampadora das ideias socialistas, preferiu que a revolução, para dar certo, fosse realizada por um despostas e não pelo povo em nome da soberania popular. Pretendeu que fosse um príncipe absoluto, que teria sido um inovador menos perigoso.
Aliás, este príncipe absoluto antidemocrático, conservador e elitista, de Tocqueville, com relação “à aristocracia feudal mais reacionária, poderia ter exercido o despotismo temporário invocado por Smith contra os proprietários de escravos. A ditadura modernizadora não é evocada por Tocqueville só com os olhos voltados ao passado: o liberal francês pergunta-se, e pergunta a um interlocutor inglês, se “uma ditadura temporária, exercida de modo firme e iluminado, como a de Bonaparte depois do 18 de Brumário, não seria o único meio para salvar a Irlanda”. (Ver Domenico Losurdo, Contra História do Liberalismo, 2006,p. 297)
Verifica-se que Tocqueville defende ao que tudo indica um poder imposto por Londres “e que deverias estar acima das partes (camponeses católicos e proprietários anglo-protestantes), assim como em Smith o “despotismo” é chamado a se colocar acima tanto dos proprietários como dos seus escravos.” (Losurdo, p. 297).
Portanto, ambos os teórico acima mencionados são favoráveis a uma ditatura temporária e que será exercida pelo poder executivo que, inclusive, poderá estendê-la eternamente. Olvidaram os ilustres doutrinadores que a saída para as crises da República devem ser encontradas exclusivamente na Constituição, democraticamente construída, sem fortalecimento de um poder em detrimento dos demais.
E essa aludida ditadura temporária também é encampada por Mill ao afirmar que: “Está longe de mim recriminar que, em caso de urgente necessidade, se recorra ao poder absoluto na forma de ditadura temporária ”; o ditador, “por um tempo estritamente limitado”, pode empregar “todo o poder que lhe é conferido para derrubar os obstáculos que se colocam entre a nação e a liberdade”. (Losurdo, p. 297).
Acontece que essa liberdade é somente para a autoproclamada comunidade dos livres e de tradição liberal, com exclusão dos indígenas, dos negros, dos colonizados e também dos pobres. Portanto, qualquer insurgência por parte desses excluídos, era fundamento para a implantação da ditadura temporária. Temporária, porém suficiente para trazer as coisas ao estado anterior, para à “normalidade”, com a dizimação dos revoltosos.
Também outros autores, fora da tradição liberal, são adeptos da ditadura, infelizmente, como Mazzini ao afirmar que “um Poder ditatorial, fortemente centralizado”, que implementa a “suspensão“ da carta dos direitos, e que esgota a sua função só com a conquista da independência nacional. Marx considera válida esta possibilidade para a revolução nacional e também para a revolução social. Em ambos os casos pensa-se em uma ditadura que emana da onda de uma revolução popular de baixo; mas para Tocqueville (e para a tradição liberal no seu conjunto), exatamente a “ditadura revolucionária” de baixo é “a mais hostil para a liberdade” (Losurd9o, p. 298).
Assim, necessário é superar estas ideias que deixam o executivo forte e que acabam com os demais poderes, mesmo que por tempo limitado. Ditadura é a ausência do diálogo, de compartilhamento de ideias. Assim, temporária ou definitiva, ditadura é um instituto que deve ser impensável em qualquer ordenamento jurídico.
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