Os seres humanos são agentes da saúde e das enfermidades do planeta (Imagen: Quino)
Isaac Asimov, cientista russo, famoso por seus livros de divulgação científica, a pedido da revista New York Times, (do dia 9 de outubro de 1982) por ocasião da celebração dos 25 anos do lançamento do Sputinik que inaugurou a era espacial, escreveu um artigo sobre o legado deste quarto de século espacial.
O primeiro legado, disse ele, é a percepção de que, na perspectiva das naves espaciais, a Terra e a humanidade formam uma única entidade, vale dizer, um único ser, complexo, diverso, contraditório e dotado de grande dinamismo.
O segundo legado é a irrupção da consciência planetária: construir a Terra e não simplesmente as nações é o grande projeto e desafio humano.Terra e Humanidade possuem um destino comum. O que se passa num, se passa também no outro. Adoece a Terra, adoece juntamente o ser humano; adoece o ser humano, adoece também a Terra. Estamos unidos pelo bem e pelo mal.
No atual momento, a Terra inteira e cada pessoa estamos sendo atacados pelo Covid-19, especialmente o Brasil, vítima de um chefe de estado insano que não se preocupa com a vida de seu povo. Todos, de uma forma ou de outra, nos sentimos doentes física, psíquica e espiritualmente.
Como chegamos a isso? A razão reside no Covid-19. É errôneo vê-lo isoladamente sem seu contexto. O contexto está na forma como organizamos já há três séculos nossa sociedade: na pilhagem ilimitada dos bens e serviços da Terra para proveito e enriquecimento humano. Este propósito levou a ocupar 83% do planeta, desflorestando, poluindo o ar, a água e os solos. Nas palavras do pensador francês Michel Serres, movemos uma guerra total contra Gaia, atacando-a em todas as frentes sem nenhuma chance de vencê-la. A consequência foi a destruição dos habitats das milhares de espécies de vírus. Para sobreviver saltaram para outros animais e destes para nós.
O Covid-19 representa um contra-ataque da Terra contra a sistemática agressão montada contra ela. A Terra adoeceu e repassou sua doença a nós mediante uma gama de vírus como o zika, a chicungunya, o ebola, a gripe aviária e outros. Como formamos uma complexa unidade com a Terra, adoecemos junto com ela. E nós doentes, acabamos também por adoecê-la O coronavírus representa esta simbiose sinistra e letal.
De modo geral devemos entender que a reação da Terra à nossa violência se mostra pela febre (aquecimento global), que não é uma doença, mas aponta para uma doença: o alto nível de contaminação de gases de efeito estufa que ela não consegue digerir e sua incapacidade de continuar nos oferecer seus bens e serviços naturais. A partir de 22 de setembro de 2019 ocorreu a Sobrecarga da Terra, vale dizer, as reservas de bens e serviços naturais, necessários ao sistema-vida, chegaram ao fundo do poço. Entramos no vermelho e no xeque especial.
Para termos o necessário e, pior, para mantermos o consumo suntuário e o desperdício dos países ricos, devemos arrancar à força seus “recursos” para atender as demanda dos consumistas. Até quando a Terra aguentará?
Sabemos que há nove fronteiras planetárias que não podem ser rompidas sem ameaçar a vida e nosso projeto civilizatório. Quatro delas já foram rompidas A consequência é termos menos água, menos nutrientes, menos safras mais desertificação, maior erosão da biodiversidade e os demais itens indispensáveis para a vida. Portanto, nosso tipo de relação é anti-vida e é a causa principal da doença da Terra que, por sua vez, nos torna também doentes.
Por esta razão, quase todos nós, especialmente por causa do isolamento social e das medidas higiênicas, nos sentimos prostrados, desvitalizados, irritadiços, numa palavra, tomados por um pesadelo que não sabemos quando vai acabar. Os milhares de mortos de entes queridos, sem poder acompanhá-los e prestar-lhes a última despedida por um luto imprescindível nos acabrunham e põem em cheque o sentido da vida e o futuro de nossa convivência nesse planeta.
Por outro lado, a muito custo, estamos aprendendo que o que nos está salvando não são os mantras do capitalismo e do neoliberalismo: o lucro, a concorrência, o individualismo, a ilimitada exploração da natureza, a exigência de um Estado mínimo e a centralidade do mercado. Se tivéssemos seguido estes “valores” seríamos quase todos vitimados. O que nos está salvando é o valor central da vida, a solidariedade, a interdependência de todos com todos, o cuidado da natureza, um Estado bem apetrechado para atender as demandas sociais, especialmente dos mais carentes, a coesão da sociedade acima do mercado.
Damo-nos conta de que cuidando melhor de tudo, recuperando a vitalidade dos ecossistemas, melhorando nossos alimentos, orgânicos, despoluindo o ar, preservando as águas e as florestas nos sentimos mais saudáveis e com isso fazemos a Terra também mais saudável e revitalizada.
O que o Covid-19 nos veio mostrar de uma forma brutal que esse equilíbrio Terra e Humanidade foi rompido. Tornamo-nos demasiadamente vorazes, arrancando da Terra o que ela já não nos pode mais dar. Não respeitamos os limites de um planeta pequeno e com bens e serviços limitados. Antes, nossa cultura criou um projeto irracional de crescimento ilimitado como se os bens e serviços da Terra também fossem ilimitados. Essa é a ilusão que perdura em quase todas as mentes dos empresários e dos chefes de Estado.
O Covid-19 nos faz recuperar nossa verdadeira humanidade, embora por natureza ambigua. Ela é feita de amor, de solidariedade, de empatia, de colaboração e da dimensão humano-espiritual que dá o devido valor aos bens materiais sem absolutizá-los, mas dá muito mais mais valor aos bens intangíveis como os acima citados. Os materiais os deixamos para trás, os humano-espirituais os levamos para além da morte, pois constituem nossa identidade definitiva.
Quanto mais nossas relações para com a natureza forem amigáveis e entre nós cooperativas, mais a Terra se vitaliza. A Terra revitalizada nos faz também saudáveis. Curamo-nos juntos e juntos celebramos a nossa convivência terrenal.
por Leonardo Boff
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