Esperava-se grandes surtos da doença no continente, mas após dois anos, morreram 12 vezes menos africanos que europeus. Doença alcançou ao menos 65%. Houve subnotificação, mas a população perceptivelmente morreu menos
Dois anos depois do início da crise sanitária, uma ironia: morreram quase sete vezes mais europeus que africanos, em números totais – 12 vezes mais, se a comparação levar em conta o tamanho de suas populações. A diferença surpreende por diversos fatores, mas o que mais espanta é que a União Europeia tem 387,2 doutores por 100 mil habitantes – quase 20 vezes mais que a África subsaariana. E ainda hoje não há explicação exata para essa discrepância.
Há apenas hipóteses. Uma das principais é a subnotificação, segundo reportagem do New York Times que tenta desvendar esse mistério. Que há menos registros do que o número real de casos e mortes por covid, parece não haver dúvida. Um estudo na África do Sul demonstrou que a mortalidade em excesso entre maio de 2020 e setembro de 2021, em comparação com o mesmo período em anos anteriores, foi de 250 mil – quase o dobro dos 87 mil óbitos por covid registrados oficialmente. Se isso acontece no país onde há melhor registro epidemiológico no continente, há de se imaginar que em nações como a Zâmbia, com menos estrutura, também tenha perdido muitos cidadãos. É o que argumenta Lawrence Mwananyanda, epidemiologista que aconselha o presidente zambiano.
Mas especialistas africanos argumentam que não seria possível haver um número tão imenso de mortes que não tenha sido percebido pela população. “Uma morte na África nunca passa despercebida, por mais que sejamos ruins em manter registros”, disse o Dr. Abdhalah Ziraba, epidemiologista do Centro Africano de Pesquisa em População e Saúde em Nairóbi, Quênia. Habitantes de Serra Leoa sofreram muito com a epidemia de ebola, que matou 4 mil pessoas em dois anos. “Desde então, os cidadãos estão em alerta para um agente infeccioso que pode estar matando pessoas em suas comunidades. Eles não continuariam a participar de eventos se esse fosse o caso”, afirmou o ministro da Saúde do país, Austin Demby.
Outra hipótese razoável que não funciona: não é verdade que o vírus não está se espalhando tanto na África como em outras partes do globo. Uma análise da Organização Mundial da Saúde (OMS) sintetizou pesquisas feitas no continente e descobriu que 65% dos africanos já conservavam anticorpos – portanto haviam contraído o vírus – até meados de setembro passado. Outro fator relevante que poderia explicar a baixa taxa de mortalidade por covid é a idade média: enquanto na África ela está em 19 anos, a da Europa é de 43. Jovens não são tão fortemente afetados pela doença, e morrem menos também. Mas se esse fato explicasse tudo, que dizer da Índia, país em que a população também é bastante jovem e registrou milhões de mortes durante o surto da variante Delta?
Há quem diga que a campanha de vacinação contra covid deveria receber menos recursos, na África. Outras doenças como malária, HIV, tuberculose e subnutrição precisam de mais atenção no momento. Isso aliviaria a barra dos países ricos, que continuam a atrasar a doação de vacinas prometida pela OMS ao continente. Mas especialistas repudiam esse pensamento: é um grande perigo presumir que a África estará segura e deixá-la desassistida – correndo o risco de enfrentar crise semelhante à que dizimou milhões na Índia em 2021.
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