Além dos jogos vorazes de Tóquio

Leia mais

Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
Pequeno guia olímpico do streaming

Depois do realismo da aclamada Chernobyl, estreia esta semana a mais nova série do gênero catástrofe – também baseada em fatos reais e igualmente destinada a entrar para a história da televisão. São as Olimpíadas de Tóquio, que insistem em se realizar em meio à ainda resistente pandemia do coronavírus. Antes mesmo que pudessem acender a pira olímpica, a competição já realizou a proeza de conquistar medalha de ouro na modalidade tiro no pé.

O que veremos pela TV nos próximos vinte dias é uma mistura de Black Mirror com The last man on earth (filmada em tempo real, como as aventuras de Jack Bauer na série 24 horas) com a nata do esporte mundial medindo forças em deprimentes estádios desertos. Sem torcidas nas arquibancadas, a festa ficará por conta do coronavírus e suas mais competitivas variantes, espalhando-se pela vila olímpica e fincando novas raízes em solo japonês.

O clima para celebrações e festividades é tão impróprio que, neste momento pré-olímpico, só ouvimos falar das reclamações de Gabriel Medina. Impedido pelo comitê local de levar a mulher Yasmin Brunet para a terra de Hirohito, a pirraça do surfista conseguiu transformar o noticiário de esportes em coluna social de fofocas – mais uma prova do verdadeiro desacontecimento dos jogos olímpicos.

Como qualquer grande evento televisivo, estas olimpíadas já mereceram até prequel: a Copa América, realizada recentemente no Brasil. Foi ignorada a reprovação massiva da comunidade científica e da população em nome de interesses políticos incertos e o ganho financeiro de poucos. Com esses dirigentes da Conmebol e do COI aliados ao oportunismo de governos como o brasileiro e o japonês, quem precisa daqueles bioterroristas de Doze macacos? Com a COVID ainda firme em campo, a marca de mais de 4 milhões de mortos parece ser apenas outro recorde a ser quebrado.   

Por falar em surfe, é a estreia da modalidade em olimpíadas, junto ao skate e à escalada. Tiveram sorte diferente do xadrez que, há décadas, vem tentando o feito, sem sucesso. Sem a chance do pódio, para os amantes do mais cerebral dos esportes (sim, é um esporte), vale ver ou rever O gambito da rainha, cheque-mate da Netflix. E para todos aqueles que ainda acreditam no espírito olímpico como utopia e não distopia, listo abaixo outras boas opções pinçadas aqui e acolá pelos streamings da vida.

O dia em que o esporte parou (HBO Max)

O grande contraponto à realização destas olimpíadas que se aproximam, dirigido por Antoine Fuqua (de Dia de treinamento) e produzido por Ron Howard (diretor de Apollo 13 e Uma mente brilhante). O documentário produz uma reflexão sobre as mudanças políticas que a pandemia trouxe para o esporte nos EUA, após a completa paralisação de jogos e campeonatos em março de 2020. Efeitos imediatos são destacados, como o envolvimento público de grandes atletas em causas como o Black lives matter. Após assistir, impossível não questionar que tipo de legado Tóquio deixará para o futuro do esporte.  

Jamaica abaixo de zero (Disney+)

Filme baseado na história real do time de trenó na neve da Jamaica que conseguiu se classificar para as Olimpíadas de Inverno de 1988. Esta Armata Brancaleone tropical trata com muito bom humor de temas como espírito esportivo, a tão em voga superação e a nunca fora de moda redenção. A chance de sucesso desta equipe de adoráveis losers é inversamente proporcional à possibilidade de uma tempestade de neve no Caribe – e aí reside todo o seu charme. Como bonus track, o filme ainda traz no elenco a presença do comediante John Candy em uma de suas últimas aparições no cinema.

Sete dias no inferno e Tour do dopping (HBO Max)

O ex-Saturday Night Live e atual titular do sucesso Brooklyn nine-nine Andy Samberg estrela estes dois falsos documentários, o primeiro sobre um fictício jogo de tênis épico e o outro enfocando os bastidores do ciclismo. As produções conseguem tirar humor dos detalhes e clichês de cada modalidade sem preciosismo, garantindo diversão para aficionados e leigos, indiscriminadamente.   

Apesar de pouco explorado no Brasil, o mockumentary é uma verdadeira febre nos EUA e Inglaterra, principalmente após a recepção acalorada do cult This is Spinal Tap. O filme acompanha a turnê de uma fictícia banda inglesa de rock e deslanchou a carreira de Rob Reiner como diretor em 1984. O australiano O que fazemos nas sombrasfake doc sobre vampiros, é o exemplo mais recente de sucesso do gênero. Virou série e catapultou seu criador Taika Waititi para as estrelas. 

Team Foxcatcher (Netflix) e Foxcatcher – uma história que chocou o mundo (Amazon Prime)

Mais uma história real, agora em duas versões. Após associar-se com um mecenas milionário, o campeão olímpico de luta greco-romana Mark Schultz praticamente convidou a tragédia para entrar em sua vida. A história é tão bizarra que só poderia mesmo virar filme, nesse caso, dois – uma ficção e um documentário. Quanto mais conhecemos o perturbado John du Pont, mais enxergamos o brilhantismo da interpretação pouco ou nada realista de Steve Carell ao encarná-lo, digna da indicação ao Oscar que recebeu.

Um banho de vida (Netflix) e Nadando com homens (HBO Max)

Dois filmes de ficção inspirados na hitória real (mais uma) de um time de nado sincronizado masculino sueco composto de quarentões, cuja trajetória foi apresentada ao mundo em um documentário de 2010. Assistir às duas versões é verdadeira lição de comédia e alteridade, uma vez que Banho de vida é francês e Nadando com homens uma produção inglesa. A possibilidade de vislumbrar em paralelo duas visões de mundo tão distintas culturalmente sobre um mesmo objeto é oportunidade que não deve ser desperdiçada. Igualmente excelentes os dois filmes, é  evidente que cada um irá eleger o seu favorito – mas isso dirá mais de quem assistiu do que propriamente de cada obra.  

Futebol

Para rolar a bola, a Netflix oferece a minissérie corretinha (mas empertigada) The english game, co-criada (mas sem muito esforço, é importante dizer) por Julian Fellowes, a mente responsável por Downton Abbey. A luta de classes tão cara a Fellowes dá as caras novamente, agora no território do início da profissionalização do futebol na Inglaterra do final do século XIX. Para saudosistas de Downton, é melhor não ir com tanta sede ao pote; para amantes do futebol, o conselho é o mesmo.

Nesta modalidade, quem faz mais a geral vibrar é o Amazon Prime, com os inusitados Um time show de bola e Santo time, ambos de língua espanhola. O primeiro é uma animação dirigida pelo ganhador do Oscar Juan José Campanella em que a competição se dá entre as quatro linhas do campo de uma mesa de totó (ou pebolim, como o freguês preferir). O amor de Campanella pelo esporte já estava declarado na magnífica cena em plano sequência de O segredo dos seus olhos, filmada em um estádio de futebol lotado durante uma partida.

Já Santo time conquista pelo que de singelo carrega. Monges espanhóis correndo atrás de uma bola em um campo de futebol já é uma imagem engraçada por si só. Salta aos olhos como algo incompatível, lembrando peças de um quebra-cabeças que não se encaixam. Desse deslocamento nasce o humor do filme – que nos deixa com um sorriso no rosto após assisti-lo.

No Globoplay uma curiosa surpresa: Kaiser – o jogador de futebol que nunca jogou. Trata-se de uma doc biografia inglesa sobre Carlos Kaiser, um malandro carioca que jogou em times de projeção durante mais de vinte anos e mal tocou na bola durante todo esse tempo. A história surreal aliada à visão do diretor e produtores ingleses sobre o Brasil (cheia de lugares comuns e mitos de como os gringos nos enxergam) tornam a aventura mais bizarra ainda.

Melhor que o Kaiser, só mesmo Mauro Shampoo, jogador do Ibis de Pernambuco, publicizado como o pior time do mundo. Este sim jogava – mal, mas jogava. Seu legado foi imortalizada no curta documentário de 2005, Mauro Shampoo – jogador, cabeleireiro e homem. O título pode até ser alvo de críticas hoje em dia, mas o filme é certeiro na construção de seu personagem. Disponível no youtube, de toda a lista é a dica mais democrática e acessível – e uma das melhores no retrato do tão falado espírito esportivo.(por Alexis Parrot)

VOZ DO PARÁ: Essencial todo dia!

Artigo anterior
Próximo artigo
- Publicidade -spot_img

More articles

- Publicidade -spot_img

Últimas notíciais