Articulação entre secretarias estaduais e movimentos sociais reforça combate contra preconceitos sexuais e de gênero

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.

No Dia Internacional de Combate à LGBTFobia, uma data que não pode ser considerada comemorativa, mas de reforço à necessidade de combate a todo tipo de preconceito a pessoas não-heterossexuais, o governo do Estado destaca a importante articulação entre movimentos sociais organizados e instituições, como é o caso da Polícia Civil, Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa), Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh), dentre outras, que atuam diariamente e em conjunto para garantir respeito e preservação do direto de todos.

Considerada uma porta de entrada ao acolhimento de todo e qualquer tipo de violência direcionada a lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, queer, intersexuais e assexuais, a Sejudh conta com a Gerência de Proteção à Livre Orientação Sexual (Glos), que tem à frente o militante Raffa Carmo, de 28 anos. Ele é homem trans, faz parte do Conselho da Diversidade Estadual da Diversidade Sexual e da vice-coordenação do Comitê Gestor de Enfretamento da LGBTIFobia do Estado do Pará, e pelo histórico de atuação na causa foi chamado a assumir a Glos há cinco meses.

Foto: Ricardo Amanajás / Ascom Seac

“Temos construído, para este enfrentamento, um plano de ação estadual no sentido de descentralizar os registros dos casos de LGBTfobia, prevendo a formação dos agentes de Segurança Pública. A sociedade civil tem participado dessa construção, até mesmo nos trazendo demandas que nos auxiliam a criar políticas públicas que de fato atendam a população”, explica Raffa.

Ele reforça a ponte que a Sejudh faz com outras pastas – da Segurança Pública, da Saúde, da Educação, sempre com foco nos Direitos Humanos – no sentido de garantir assistência, integridade da cidadania e principalmente um acesso humanizado. “Não é só o acesso pelo acesso, é com respeito à orientação sexual e identidade de gênero”, justifica o gerente.

Nesse trabalho combativo também são previstas ações construtivas, como os avanços nos debates sobre respeito às vivências, à representatividade positiva, e não pejorativa, para que as pessoas possam se enxergar como pertencentes a uma sociedade – daí a enorme importância de tudo ser feito em parceria entre gestão pública e movimentos sociais.

Toda vez que um caso de violência chega à Glos, é feito o contato com a Segup, que monitora os casos de agressão e morte relacionados à LGBTfobia. “Sempre aconselhamos para que a vítima faça o registro, para que a gente comece a construir dados e estatísticas que, lá na frente, serão fundamentais para direcionar as políticas públicas voltadas a esse combate”, explica Raffa.

Parceria – Foi nessa atuação que Raffa conheceu Isabella Santorinni, 30 anos, servidora pública do município, e com quem mantém uma relação estável há seis anos. Ela também mulher trans, e embora hoje conte com todo apoio e acolhimento não só de sua família mas também com a da família do companheiro, nem sempre foi assim.

“Estou na militância há mais de dez anos, mas foi um bom tempo até eu assumir a identidade de gênero, pois tinha medo que minha mãe não entendesse. Então primeiro me assumi gay, embora eu soubesse que não era só isso. Conheci o Raffa na Marcha de Todas as Famílias e logo iniciamos nosso relacionamento”, lembra Isabella.

Foto: Ricardo Amanajás / Ascom Seac

Desde 2017, Raffa passou a frequentar o serviço ofertado pela Sespa a pessoas trans, e foi a primeira pessoa atendida pelo Hospital Jean Bittar para a cirurgia de redesignação sexual. Porém, como os dois planejam ter filhos, ele realizou somente a mastectomia masculinizadora, com a reconstrução de um peitoral masculino, e optou pela não retirada do útero, para poder gestar a criança. Por conta da pandemia, os planos estão adiados.

“Temos muita vontade de ter filhos biológicos, mas vamos esperar pelo menos até 2022, vamos ver como estarão as coisas até lá. Alguns nos questionam sobre a amamentação, mas lembramos que poderemos contar com o banco de leita para alimentar o bebê”, cita. “O dia de hoje não é comemoração, e sim de luta. LGBTfobia não é só matar ou agredir. É impedir de usar o banheiro, o nome social, de viver aquilo que é de direito, como qualquer outra pessoa. Esse trabalho em conjunto com o governo traz ganhos para todos, porque entramos com a experiência, com as demandas, e o Estado com os equipamentos que ajudam a dar visibilidade à causa”, reconhece a servidora pública. 

Para lembrar o Dia Internacional de Combate à LGBTIfobia, a Sejudh, em parceria com os órgãos estaduais, ONGs e entidades da sociedade civil que lutam pelos direitos da população LGBTI+, promove, durante todo o dia de hoje, a “Ação de Cidadania, Direitos Humanos e Cultura”, com o tema “Cidadania e resistência para a nossa existência”, das 9h às 18h, na Fundação Cultural do Pará (FCP). Seguindo os protocolos de prevenção contra a Covid-19, a programação ofertará diversos serviços para garantir acesso aos direitos básicos da população LBGTI.  

Saúde – Flávia Cunha, doutora em Disforia de Gênero, é médica coordenadora do Ambulatório de Transgêneros do hospital Jean Bittar, onde Raffa foi atendido. Ela conta que o atendimento a pessoas trans na rede pública do Pará surgiu com a Unidade de Referência Especializada em Doenças Infecciosas Parasitárias Especiais (Uredipe), em 2015, após identificação da necessidade de acolhimento e tratamento à população transgênero. 

Dois anos depois, em 2017, a equipe de endocrinologia do Centro de Diabetes e Endocrinologia do Pará (Cedepa), em parceria com o Jean Bitar, identificou a necessidade de oferecer a esse público as cirurgias de adequação de gênero e fundaram o ambulatório de Indivíduos Transgênero. Atualmente, são oferecidas no as cirurgias de mastectomia masculinizadora e histerectomia total com salpingo-ooforectomia bilateral para os homens trans, e colocação de prótese mamária de silicone para as mulheres trans. 

“O objetivo desse serviço é receber pacientes que já passaram pela etapa inicial preparatória na Uredipe para realizar a etapa cirúrgica”, detalha Flavia. Atualmente são 50 pacientes em acompanhamento no HJB. A maioria dos pacientes é da região Norte e do próprio estado do Pará, mas já houve atendimento de pacientes de outros estados, inclusive de São Paulo, que vieram morar no Pará e procuraram o atendimento. 

Para realizar o acompanhamento e tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS), as pessoas com incongruência de gênero devem procurar o serviço da Uredipe, no bairro do Telégrafo. Todo o tratamento inicial é feito por lá. O paciente terá o acompanhamento da Psicologia, Serviço Social, Nutrição, Fonoaudiologia e Endocrinologia. 

Após completar essa fase inicial, o paciente que desejar realizar as cirurgias de adequação de gênero e estiver psicologicamente e socialmente preparado, segundo avaliação da equipe multidisciplinar da Uredipe, será encaminhado para iniciar o tratamento no hospital Jean Bitar. O hospital oferece a avaliação psiquiátrica, o tratamento endocrinológico e as cirurgias de adequação de gênero citadas acima.  

“Este assunto é extremamente importante, inclusive a ideia de fundar o serviço de atendimento às pessoas trans no hospital Jean Bitar foi uma escolha propositalmente estratégica, visto que trata-se de um hospital-escola, onde funciona a residência médica da Universidade do Estado do Pará (Uepa), onde se formam médicos especialistas que vão atuar no mercado de trabalho paraense. Então um dos objetivos do programa é também qualificar novos médicos especialistas para o atendimento às pessoas trans. Isso é fundamental dada a escassez de especialistas da área da saúde com preparo técnico para o atendimento a essa população”, analisa a médica coordenadora. 

Lei – Pela Polícia Civil, é possível denunciar crimes à Delegacia de Combate a Crimes Discriminatórios e Homofóbicos (DCCDH). Criada em 2009 pela necessidade de um tratamento especializado no que tange às camadas mais frágeis da sociedade, representa também a resposta a um anseio das comunidades LGTQI+ em se fortalecer perante os desconfortos sociais. Os canais de denúncia são 181 e Disque 100, e ambos garantem o anonimato.

De acordo com a delegada titular, Leilane Reis, no ano passado foram registrados na 20 casos de discriminação em virtude da orientação sexual, contra 22 neste ano de 2021. “Esse aumento se deve ao encorajamento das pessoas em denunciar, pois sabem que haverá procedimentos judiciais, e os acusados serão punidos. Sabemos que há vários casos de subnotificação, já que algumas pessoas ainda possuem muito medo em denunciar, outros alegam que as penalidades são muito brandas”, avalia a autoridade policial. Entre os crimes mais frequentes estão a injúria, a discriminação e a lesão corporal. 

Serviço de saúde: a Uredipe está localizada na Av. Magno de Araújo, Pass. Izabel, s/nº, bairro do Telégrafo, em Belém. Horário de atendimento: manhã e tarde Telefone: (91) 3244-3535 E-mail: uredipe@gmail.com.

Agência Pará

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