Mensagens reveladas pelo UOL mostram temor de que caso fosse comparado ao de Flávio Bolsonaro
UOL – Conversas interceptadas pela Polícia Federal (PF) revelam trocas de mensagens realizadas entre o ex-Ajudante de Ordens da Presidência de Jair Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, e duas assessoras de Michelle Bolsonaro que apontam a existência de uma orientação para o pagamento em dinheiro em espécie das despesas da ex-primeira-dama. De acordo com a transcrição dos áudios de WhatsApp que constam na intercepção obtida pelo portal UOL, Cid demonstrava preocupação de que o mecanismo fosse descoberto. O ex-ajudante foi preso na semana passada por suspeitas de fraude em cartões de vacinação.
A quebra de sigilo, determinada pela Justiça, mostra temor de Cid de que os gastos em dinheiro vivo viessem à tona e fossem interpretados como um esquema de rachadinha, a exemplo da investigação envolvendo o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) no Ministério Público do Rio de Janeiro. “É a mesma coisa do Flávio”, disse Cid, sobre os desembolsos em espécie, em áudio para a assessora Giselle dos Santos Carneiro, que trabalhava com a ex-primeira-dama.
Em resposta à publicação, o ex-secretário de Comunicação do governo Bolsonaro, Fabio Wajngarten, disse que “não há nada de ilegal nas transações efetuadas”.
Em janeiro, reportagem do portal Metrópoles já apontava o ex-ajudante como o responsável por pagar as contas do clã presidencial em dinheiro vivo, e a tentativa de apurar se Cid operava uma espécie de “caixa paralelo” por meio de saques de recursos dos cartões corporativos. À época, o esquema foi é negado por Bolsonaro.
A investigação apurou que Michelle usava um cartão de crédito vinculado à conta de Rosimary Cardoso Cordeiro, assessora parlamentar no Senado e amiga de longa data da ex-primeira-dama — ambas trabalharam como assessoras de deputados na Câmara. Cid pagava a fatura do cartão em dinheiro vivo, em uma agência do Banco do Brasil dentro do Palácio do Planalto.
Nos áudios revelados agora, as assessoras de Michelle, Cintia Borba Nogueira e Giselle dos Santos Carneiro da Silva, conversam com Cid sobre o pagamento das despesas da ex-primeira-dama. As duas afirmam que tentam convencer Michelle a parar de usar o cartão de crédito da amiga.
“Então hoje é essa situação do cartão realmente é um pouco preocupante. O que eu sugiro para você é o seguinte. No momento que você for despachar com ela, é esse assunto. Você pode falar com ela assim sutilmente, né? (…) Mas eu acho que você poderia falar assim: dona Michelle, que é que a senhora acha da gente fazer um cartão para a senhora? Um cartão independente da Caixa. Pra evitar que a gente fique na dependência da Rosy. E aí a gente pode controlar melhor aqui as contas (….). Pode alertá-las o seguinte, que isso pode dar problema futuramente, se algum dia, Deus o livre, a imprensa descobre que ela é dependente da Rose, pode gerar algum problema”, diz Cintia Borba em áudio enviado à colega Giselle Nogueira em 30 de outubro de 2020.
Em outro áudio, Giselle conta a Mauro Cid ter conversado com uma pessoa próxima a Michelle — Adriana —, e que a ex-primeira-dama ficou “pensativa”, mas que continuaria a usar o cartão de Rosimary. Mauro Cid responde o áudio de Giselle e cita o nome de Flávio Bolsonaro: “Giselle, mas ainda não é o ideal isso não tá? (o uso do cartão de Rosimary). O Cordeiro conversou com ela (Michelle), tá, também. E ela ficou com a pulga atrás da orelha mesmo: tá, é? É. É a mesma coisa do Flávio. O problema não é quando! É como deputado, rachadinha, essas coisas”, respondeu.
Cid continua a explicação para Giselle: “Se ela perguntar pra você ou falar alguma coisa ou comentar, é importante ressaltar com ela que é o comprovante que ela tem. É um comprovante de depósito, é comprovante de pagamento. Não é um comprovante dela pagando nem do presidente pagando. Entendeu? É um comprovante que alguém tá pagando. Tanto que a gente saca o dinheiro e dá pra ela pagar ou sei lá quem paga ali. Então não tem como comprovar que esse dinheiro efetivamente sai da conta do presidente. O Ministério Público, quando pegar isso aí, vai fazer a mesma coisa que fez com o Flávio, vai dizer que tem uma assessora de um senador aliado do presidente, que está dando rachadinha, tá dando a parte do dinheiro para Michelle”.
Mauro Cid ainda envia um terceiro áudio temendo que o caso vá à público: “E isso sem contar a imprensa que quando a imprensa caiu de pau em cima, vai vender essa narrativa. Pode ser que nunca aconteça? Pode. Mas pode ser que amanhã, um mês, um ano ou quando ele terminar o mandato dele, isso venha à tona”, disse o ex-ajudante em novembro de 2022.
Flores para filha de Silvio Santos
A troca de áudios demonstra também que o esquema evitava transferências bancárias e efetuava pagamentos sempre em espécie. Em uma conversa de 8 de novembro de 2021 entre a assessora de Michelle Cintia Borba e o Osmar Crivelatti, militar subordinado a Mauro Cid, os dois combinam como pagar as flores para Patrícia Abravanel, apresentadora de TV e filha de Silvio Santos.
“E sobre as flores da Patrícia Abravanel, ela falou que é para o Cid fazer o pagamento. Mas ele tinha me falado na semana passada que quando for esses pagamentos de terceiros, é pra gente pegar o dinheiro com ele e fazer o pagamento por aqui, tá? Então eu vou pedir para ele para sacar esse dinheiro e peço o Vanderlei para pegar lá para a gente fazer o… Vai ter que ser feito um depósito, né? No número daquela conta que você me passou, tá?”, diz Cintia em áudio para Crivelatti.
Em um áudio de Giselle a uma pessoa identificada com Vanderlei, a assessora comenta sobre a necessidade de fazer os pagamentos “em depósito”: “Boa noite, Vand e Cintía. PD (Primeira-dama) falou, eu perguntei para ela se ela queria transferir Pix, né? Tanto para Bia. Daí, ela falou: não, vamos fazer agora tudo depósito, que, aí pede pro Vanderlei fazer o depósito, a gente consegue o dinheiro e faz o depósito. Só que ela não falou como conseguiu o dinheiro, se o dinheiro está com ela, se a gente pega na AJO. Não falou, tá? Ela falou que assim não fica registrado nada, vamos fazer depósito. Então a gente tem que começar a ter esse hábito do depósito, então né?”, disse Giselle.
Defesa
Em resposta ao portal Uol, a defesa de Mauro Cid disse que só vai se manifestar sobre o caso nos autos do processo. Fabio Wajngarten, que tem respondido sobre casos envolvendo Bolsonaro nas últimas semanas, rebateu a publicação afirmando que “os pagamentos de fornecedores informais, pequenos prestadores de serviços, eram feitos em dinheiro afim de proteger dados do Presidente”. “Seria bom e justo incluir na matéria os valores encontrados. Seria bom também a matéria dizer como dados não relacionados ao que resultou na quebra telemática dos envolvidos foram publicitados. Não há nada de ilegal nas transações efetuadas”, diz Wajngarten.
Em janeiro deste ano, quando as denúncias sobre o uso do cartão de uma amiga da Michelle foram divulgados, Bolsonaro respondeu ao caso dizendo que a esposa usava por não possuir “limites de créditos disponíveis“.
Madeireira envolvida
Ainda de acordo com apuração do portal UOL, uma empresa com contratos públicos do período da gestão de Bolsonaro teria realizado uma série de transferências a um militar que trabalhava com Mauro Cid. O segundo-sargento Luis Marcos dos Reis fez ao menos 12 depósitos em dinheiro em conta de uma tia da então primeira-dama, de acordo com as investigações da PF. Os pagamentos teriam ocorrido até julho de 2022.
A empresa Cedro do Líbano Comércio de Madeiras e Materiais para Construção, com sede em Goiânia (GO), capital a pouco mais de 200 km do Distrito Federal, tem contratos com o governo federal. A madeireira seria a origem de R$ 25.360 que constam na conta bancária do sargento que trabalhava com Cid.
De acordo com informações da PF obtidas pelo UOL, o dinheiro era depositado pelo pai da sócia da empresa, Vanderlei Cardoso de Barros. Em ao menos uma ocasião, o dinheiro foi transferido de conta bancária da Cedro. Ao cair na conta, o sargento a serviço de Cid sacava as notas em um caixa eletrônico. Ainda segundo a PF, Dos Reis era responsável pelos pagamentos de despesas da ex-primeira-dama Michelle.
Vanderlei Cardoso disse ao UOL que é amigo do militar e que o dinheiro foi um “empréstimo”, e que não sabia como o valor seria usado. As defesas de Bolsonaro e de Michelle negaram que os recursos tenham pago despesas da ex-primeira-dama.