Bolsonaro sufoca as instituições que poderiam detê-lo, diz sociólogo

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
Pesquisador Raul Nunes afirma que eleições dependem do impacto da vacinação em massa e da recuperação econômica na política

O novo aumento recorde das desigualdades sociais no Brasil ao longo da crise pandêmica, conforme indicam os novos dados do Índice de Gini, “tem um reflexo na avaliação da gestão e na imaginação de futuros possíveis”, adverte o sociólogo Raul Nunes em entrevista concedida por e-mail.

Nas eleições gerais que ocorreram no Peru recentemente, exemplifica, “é impossível não relacionar as filas nas praças para compra de oxigênio com a eleição do candidato que propunha mudar o modelo econômico”. Já no caso brasileiro, em que as eleições presidenciais estão previstas para o próximo ano, “a disputa passará menos pelo reconhecimento das desigualdades e mais pela responsabilização sobre quem as produziu: a orientação econômica dos últimos cinco anos, dos 13 anos de PT ou o próprio modelo econômico? Cada ator construirá uma narrativa para encontrar culpados e prometer soluções”, afirma o pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp/Uerj).

A seguir, Nunes comenta o ciberativismo político nas redes sociais e reflete sobre o projeto de poder do presidente Bolsonaro, sua implicação nas instituições democráticas e as possíveis consequências da vacinação contra a Covid-19 e do crescimento econômico no futuro político e social do país. “O procurador-geral da República (PGR) se converteu em sabotador geral de investigações, o Congresso dá estabilidade ao governo por consonância na pauta econômica e porque é pago para isso, as Forças Armadas já são praticamente uma instituição de governo e assistimos a uma tentativa crescente de incorporar as polícias na coalizão e enfraquecer os governadores. Por outro lado, o presidente carrega a responsabilidade por 500 mil mortes, pauta que é amplificada pela CPI e pelos protestos de rua. Resta saber em que medida a vacinação em massa e a recuperação econômica conseguirão reverter essa imagem negativa”, pontua.

Trump questionou o resultado das eleições após a vitória de Biden. No Peru, assistiu-se ao mesmo drama: Keiko Fujimori contestou a vitória de Pedro Castillo. Quais são os efeitos dessa postura para a democracia e os processos eleitorais?

O funcionamento da democracia representativa está baseado em dois pilares: a incerteza do resultado e a confiança no processo. Quando os perdedores alimentam o descrédito na forma de escolha, estão erodindo o pacto democrático. Tanto no caso estadunidense como no peruano, os derrotados querem fazer crer que não houve derrota, mas fraude. E isso é perigoso porque afeta a legitimidade do eleito e abre espaço para insurgências violentas, como foi a invasão do Capitólio. No limite, pode ser um chamado a golpe de Estado.

Na América Latina, depois de alguns anos de governos de esquerda, volta-se a eleger políticos alinhados com um discurso mais linha dura. Como analisa o desenvolvimento político na América Latina? A que atribui essa mudança oriunda do voto?

Creio que é natural que haja alternância de poder. Contudo, parece que estamos vendo dois processos. O primeiro é que a “onda rosa” na América Latina teve como foco o combate à pobreza e certa inclusão social e política de alguns grupos. O que é importante, mas não suficiente. As esquerdas tiveram dificuldade em incorporar em seus programas as mudanças no mundo do trabalho e também a crescente reação de grupos religiosos às conquistas de minorias. É aí que entra o segundo ponto: a direita passou a se organizar mais e a ofertar posicionamentos nesse sentido, vendendo uma liberdade empreendedora associada à defesa de valores tidos como naturais, como a família heterossexual.

No Brasil, em particular, chama-se a atenção para o projeto pessoal de poder do presidente Bolsonaro, especialmente tendo em vista as próximas eleições. Nos últimos anos, assistimos, igualmente, mais de uma década de um único governo. Quais são os riscos desses projetos de poder para a democracia e como sair dessa encruzilhada?

Projeto de poder também é natural numa democracia. A questão é saber se esse poder é conquistado e exercido dentro dos limites da própria democracia. No Brasil, o risco atual se dá porque o governo coopta as instituições de controle e consegue passar incólume. O presidente teve a coragem de nomear um procurador-geral da República (PGR) fora da lista tríplice e interferir na Polícia Federal. Não só incorpora os militares, mas submete publicamente as Forças Armadas a seu jugo. Conseguiu também neutralizar o Congresso. Ou seja, sobrou apenas o Judiciário. Não é banal que os ataques do presidente e seus apoiadores ao Congresso tenham diminuído com a saída de Maia: o que não conseguem capturar, buscam acossar.

Desde a eleição de Bolsonaro, a atuação de grupos de direita tem sido tema de muitas análises. Entretanto, o ciberativismo existia antes disso. Quais são as particularidades do ciberativismo no Brasil e como ele tem se manifestado nas práticas dos atores e grupos políticos de diferentes espectros políticos?

As pessoas tendem a achar que tudo na internet é novidade, mas não, o ativismo que vemos hoje foi construído por décadas. O próprio Olavo de Carvalho, hoje guru do governo, tem um blog muito ativo desde o fim dos anos 1990. E de lá para cá passou por muitas fases: foi voz solitária, construiu uma blogosfera de apoiadores, virou tema de debate nos grupos do Orkut e ganhou cada vez mais visibilidade, produzindo convertidos. No Brasil, os governos petistas são marcantes para o ciberativismo. De um lado, essa direita radical que inclui o Olavo, mas também atores como o Escola Sem Partido, via no Lula um autoritário de fato que não era enfrentado pela imprensa. Do outro, a cobertura do Mensalão fez com que a esquerda criasse sua própria blogosfera para proteger o governo de ataques midiáticos. Então o ciberativismo brasileiro se consolida em relação aos governos petistas e sob a percepção de ausência de espaço para dissonância nos veículos de imprensa.

Hoje, discutem-se novas formas de participação política e de atuação dos movimentos sociais e coletivos para fazer frente à redução dos direitos sociais. Como os movimentos sociais têm se renovado e de que modo podem propor alternativas à política partidária?

Na prática, movimentos sociais e partidos estão em constante interação e, muitas vezes, podem até se confundir em meio às disputas políticas. De todo modo, quando um sistema político se torna muito oligárquico, mobilizações sociais podem produzir novos atores e formas mais porosas de relação entre a sociedade e o sistema político. Os partidos podem incorporar em seus quadros lutadores sociais, investir na democracia interna para a tomada de decisões, promover fóruns de interlocução e participação com a sociedade civil, ou mesmo novos partidos podem ser criados. Além disso, os movimentos sociais podem pressionar por pautas que têm pouca entrada no sistema político ou se organizar para além dele. Aqui penso, por exemplo, nas ações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), que reforçam solidariedade e coletividade.

AFPAFP

Que cenário político vislumbra para o Brasil, especialmente tendo em vista as próximas eleições?

A situação do Brasil é preocupante porque temos um dos piores líderes do mundo e que a cada dia sufoca mais as instituições que poderiam detê-lo. O PGR se converteu em sabotador geral de investigações, o Congresso dá estabilidade ao governo por consonância na pauta econômica e porque é pago para isso, as Forças Armadas já são praticamente uma instituição de governo e assistimos a uma tentativa crescente de incorporar as polícias na coalizão e enfraquecer os governadores. Para piorar, atores democratas resolveram apoiar a pauta do voto impresso, o que nesse momento só serve para aumentar o conspiracionismo sobre o processo eleitoral. Por outro lado, o presidente carrega a responsabilidade por 500 mil mortes, pauta que é amplificada pela CPI e pelos protestos de rua. Resta saber em que medida a vacinação em massa e a recuperação econômica conseguirão reverter essa imagem negativa.

De que modo os dados do índice de Gini, que registram novamente um aumento recorde das desigualdades no Brasil, podem impactar as eleições presidenciais do próximo ano?

A pandemia aprofundou e escancarou as desigualdades sociais e isso tem um reflexo na avaliação da gestão e na imaginação de futuros possíveis. No caso do Peru, por exemplo, é impossível não relacionar as filas nas praças para compra de oxigênio com a eleição do candidato que propunha mudar o modelo econômico. No Brasil, a disputa passará menos pelo reconhecimento das desigualdades e mais pela responsabilização sobre quem as produziu: a orientação econômica dos últimos cinco anos, dos 13 anos de PT ou o próprio modelo econômico? Cada ator construirá uma narrativa para encontrar culpados e prometer soluções.

Como repensar a democracia, tendo em vista o enfrentamento da pobreza e das desigualdades nos dias de hoje?

Em primeiro lugar, a democracia brasileira sofre de baixa representatividade em termos descritivos. Quer dizer, alguns grupos sociais, como negros e mulheres, são sub-representados nos três poderes. A obrigatoriedade de lançar e financiar candidatos desses grupos é um passo importante, e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem agido nesse sentido, mas essas medidas mostraram pouca efetividade até aqui. Neste ano, Peru e Chile tiveram resultados surpreendentes em termos de inclusão política: no primeiro caso, com paridade e alternância na lista de candidatos; no segundo, com reserva de cadeiras. Além disso, as elites econômicas têm muito poder na formação das elites políticas, o que deixa pouca margem para a negociação de pautas que contrariam seus interesses. O fim do financiamento empresarial e a criação do fundo eleitoral não deram conta de equilibrar o jogo e há muita distorção mesmo na forma de financiamento, a começar pela vinculação do limite de doação à renda, além do elevado teto de gastos nas campanhas a nível estadual e federal.

Entrevista originalmente publicada em IHU On-Line

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