Cali: O epicentro dos protestos populares contra governo da Colômbia

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Evandro Oliveira
Evandro Oliveira
PÓS GRADUADO EM GESTÃO E DIREÇÃO ESCOLAR; ESPECIALISTA EM "POLÍTICAS DA IGUALDADE RACIAL NA ESCOLA", SABERES AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA AMAZÕNIA - PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA); GRADUADO CIÊNCIAS SOCIAIS COM ÊNFASE EM SOCIOLOGIA - UFPA; ATUA COMO PROFESSOR DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NA REDE PÚBLICA E COMO PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR E CURSOS PRÉ-VESTIBULARES.
Manifestações contra o presidente Iván Duque e sua proposta de reforma tributária levaram a distúrbios na capital de Valle del Cauca e no município vizinho de Palmira

As noites se tornaram um pesadelo em Cali. A violência dos protestos contra o governo colombiano estourou na cidade, onde convergem os males de um país mergulhado em seis décadas de guerra civil. Na chamada “capital do pós-conflito”, o acordo de paz assinado com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), em 2016, não trouxe a calma esperada.

Desde o início, as manifestações contra o presidente Iván Duque e sua proposta de reforma tributária – já retirada – levaram a distúrbios na capital de Valle del Cauca, com 2,2 milhões de habitantes, e no município vizinho de Palmira. Os protestos, duramente reprimidos, deixaram 32 mortos em Cali, “7 relacionados às marchas”, segundo a prefeitura.

Durante os anos de conflito armado, a cidade recebeu migrantes camponeses pobres que não foram integrados plenamente, provocando “muita desigualdade”, descreve Edgar Barrios, reitor da Universidad del Valle.

A situação foi agravada pela crise econômica desencadeada pela pandemia – que afetou a indústria, o comércio e a agricultura em Cali, cidade do sudoeste do país, onde a violência se intensificou após o acordo de paz. Há um somatório de descontentamento social, pobreza, “economia do tráfico ilegal de drogas” e “diferentes formas de criminalidade”, diz Barrios.

Desabastecimento

Aos bloqueios de estradas, que provocaram desabastecimento de gasolina e de medicamentos em vários cidades em plena pandemia, o governo colombiano respondeu militarizando toda a cidade.

Kevin Agudelo, de 22 anos, participou, na segunda-feira (3), de uma vigília em Siloé, uma favela de Cali. Sua mãe lembra que ele prometeu não se aproximar dos “tumultos”. “Ele disse que marcharia pelo bem-estar da Colômbia”, disse Angela Jiménez, entre soluços. Foi a última vez que ela viu o filho vivo.

As mortes estão sendo investigadas. A ONU disse estar “profundamente alarmada” com os excessos da polícia em Cali, que “abriu fogo contra os manifestantes, matando e ferindo várias pessoas”.

Na mesma noite, Daniela León foi pega no meio de confrontos entre as forças de segurança e manifestantes que tentavam tomar um pedágio em Palmira. “O confronto ocorreu no momento em que eles estavam a cerca de 500 metros do pedágio e todo o pelotão (de choque) saiu e atacou”, disse a ativista da rede Francisco Isaías Fuentes.

Segundo Daniela, os manifestantes “entraram no mato para se proteger dos gases”. Dezessete pessoas continuam desaparecidas, segundo números oficiais. Para ela, além dos tiros e das denúncias de abusos sexuais, o mais grave foi seu modus operandi: atacar à noite “para criar pânico”.

Alvos

Os policiais também são alvos da violência nas ruas de Cali, onde a pobreza afeta 36,3% da população e a taxa de homicídios é de 43,2 mortes por 100 mil habitantes – o índice nacional é de 23,79. Na periferia da cidade, gangues armadas atacaram a polícia, deixando 176 soldados feridos, 10 por arma de fogo, segundo autoridades.

Para Carlos Alfonso Velásquez, coronel aposentado e analista da Universidad de la Sabana, pode haver agentes infiltrados de grupos “dispostos à rebeldia” nos protestos na Colômbia.

As manifestações entraram nessa quinta-feira no nono dia. Em Medellín, cerca de 12 mil pessoas saíram às ruas e houve confrontos no final da tarde. Os manifestantes pedem melhores condições na saúde e educação, mais segurança e o fim do abuso e da violência policial. 

Governo pede ‘diálogo’

Nessa quinta-feira (6), o governo colombiano pediu um diálogo entre “aqueles que marcham” e “aqueles que não marcham” nos violentos protestos contra o presidente Iván Duque, que deixaram 24 mortos em nove dias.

“Devemos ouvir todos os setores do país, mas o país também deve ouvir o governo. Isso inclui quem marcha, mas também quem não marcha”, disse o conselheiro presidencial Miguel Ceballos, mediador do governo junto aos manifestantes.

As conversas começaram na quarta-feira (5) com a liderança do conselheiro e a participação do Ministério Público, Defensoria do Povo e sindicatos econômicos.

Ceballos garantiu que se reunirá com os líderes dos protestos na segunda-feira, em um local fora da sede da presidência, mas não quis confirmar a participação de Duque. “A vontade do governo era convidar primeiro aqueles que organizam o Comitê Nacional de Greve, mas entendendo que essas mobilizações não se limitam a esse grupo”, acrescentou.

Desde 2019, o presidente enfrenta protestos massivos em todo o país, que voltaram com força no dia 28 de abril em repúdio a uma reforma tributária já retirada. Sindicatos, estudantes, indígenas, ambientalistas, entre outros setores se reuniram em torno do chamado Comitê Nacional de Greve para exigir mudanças nas políticas do governo conservador.

“O governo tem que dialogar com quem está nas ruas, que são os jovens”, disse Claudia López, prefeita de Bogotá, um dos focos dos protestos. Líderes das mobilizações disseram estar abertos ao diálogo direto com Duque, sem intermediários.

Os protestos têm sido, em sua maioria, pacíficos e festivos. Em algumas cidades, ocorreram distúrbios e confrontos com as forças públicas que deixaram 24 mortos e mais de 800 feridos.

Durante entrevista coletiva virtual para jornalistas em Washington nessa quinta-feira, o ministro da Defesa, Diego Molano, atribuiu o “vandalismo” nas ruas aos dissidentes das FARC, que se afastaram do acordo de paz assinado em 2016, e do ELN, última guerrilha reconhecida na Colômbia.

A ONU, a União Europeia, os Estados Unidos e organizações de direitos humanos rejeitaram os abusos da polícia durante as manifestações. “Se houve uso excessivo da força, que haja responsabilização”, concedeu o ministro do Interior, Daniel Palacios, durante a coletiva de imprensa virtual.

AFP – Brasil

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