‘Eles ameaçam nossa soberania’. Entenda a crise que levou o Canadá a considerar alianças extremas
Em um debate pela liderança do Partido Liberal do Canadá, Chrystia Freeland, ex-ministra das Finanças e Relações Exteriores, surpreendeu ao sugerir que o país busque proteção nuclear contra os Estados Unidos, seu aliado mais próximo. A declaração ocorre em meio a tensões entre Ottawa e Washington, alimentadas por comentários do ex-presidente americano Donald Trump, que já se referiu ao primeiro-ministro Justin Trudeau como “Governador Trudeau” e brincou com a ideia de anexar o Canadá como o “51º estado” dos EUA.
Freeland, que já ocupou cargos de destaque no governo canadense, afirmou que o país deve garantir sua segurança com o apoio de França e Reino Unido, ambas potências nucleares. “Precisamos garantir nossa segurança com países como França e Reino Unido, que possuem armas nucleares”, disse ela, em uma tentativa de contrabalançar a influência americana.
A crise de soberania canadense
A proposta de Freeland reflete um sentimento crescente entre a elite política canadense de que o país está perdendo sua autonomia em relação aos EUA. Durante anos, o Canadá alinhou-se estreitamente com Washington em questões econômicas, políticas e de segurança, mas agora enfrenta uma crise de identidade à medida que os EUA priorizam seus próprios interesses nacionais.
Um exemplo emblemático foi o cancelamento do oleoduto Keystone XL pelo presidente Joe Biden em seu primeiro dia de mandato, um projeto crucial para a segurança energética do Canadá. Apesar disso, o governo canadense manteve-se em silêncio, evidenciando sua dependência do vizinho do sul.
Protestos e controvérsias
Freeland também foi criticada por seu papel na repressão aos protestos do “Comboio da Liberdade” em 2022, quando manifestantes se opuseram às restrições da Covid-19. Sob pressão de assessores de Biden, ela ordenou o congelamento de contas bancárias de manifestantes, uma medida polêmica que levantou questões sobre a soberania canadense.
Enquanto isso, Mark Carney, rival de Freeland na corrida pela liderança liberal, foi acusado de exagerar ao descrever os protestos como “sedição” e de espalhar desinformação sobre suposto financiamento estrangeiro das manifestações – alegações posteriormente desmentidas por autoridades de inteligência canadenses.
A busca por independência estratégica
A proposta de Freeland de buscar proteção nuclear com França e Reino Unido é vista por muitos como uma reação desesperada à crescente influência dos EUA. No entanto, especialistas questionam a viabilidade e a lógica por trás da ideia. “O que exatamente a França e o Reino Unido fariam? Enviar uma carta dura para Washington?”, ironizou um analista.
Além disso, o Canadá já está profundamente integrado ao complexo industrial-militar americano, compartilhando comando do NORAD, inteligência por meio do Five Eyes e operações militares conjuntas. Qualquer tentativa de confrontar os EUA poderia resultar em danos à própria infraestrutura de defesa do Canadá.
Um chamado à diversificação
A crise de soberania do Canadá é, em grande parte, um problema de sua própria criação. Ao priorizar os interesses de Washington em detrimento de seus próprios cidadãos, a elite política canadense criou uma dependência insustentável. Em vez de buscar soluções extremas, como alianças nucleares, o país precisa diversificar suas relações econômicas e estratégicas, fortalecendo parcerias com outras nações e reduzindo sua vulnerabilidade às flutuações da política americana.
No final das contas, nenhuma quantidade de armas nucleares resolverá os desafios internos do Canadá. A verdadeira segurança começa com a autonomia e a capacidade de tomar decisões independentes – algo que Ottawa parece ter esquecido ao longo dos anos.