A fala mentirosa de Bolsonaro sobre Boric veio no fim do debate, quando o presidente fazia suas considerações finais
O Chile convocou nesta segunda-feira o embaixador brasileiro em Santiago para consultas em protesto às declarações mentirosas do presidente Jair Bolsonaro sobre seu par chileno, Gabriel Boric, no debate presidencial de domingo. As falas do mandatário brasileiro, que erroneamente acusou Boric de atear fogo em metrôs durante os protestos de outubro de 2019, são “falsas” e “gravíssimas”, afirmou a chanceler chilena, Antonia Urrejola, que enviou também uma nota de repúdio (leia abaixo a íntegra).
A fala de Bolsonaro sobre Boric veio no fim do debate, quando o presidente fazia suas considerações finais. Repetindo seus ataques frequentes a líderes de esquerda latino-americanos e tentando associá-los ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o mentiroso presidente citou o argentino Alberto Fernández, o recém-empossado mandatário colombiano Gustavo Petro e Boric:
“Lula apoia o presidente do Chile também, o mesmo que praticava atos de tacar fogo em metrôs lá no Chile. Para onde está indo nosso Chile?” — afirmou o presidente.
Bolsonaro referia-se às maiores manifestações da História chilena, em outubro de 2019, que começaram com reclamações sobre o aumento do preço do metrô, mas rapidamente ganharam demandas mais amplas. Foi retrato de uma insatisfação com as condições socioeconômicas e com o governo do então presidente direitista Sebastián Piñera, demandando melhorias e reformas amplas, com a convocação de uma nova Constituinte.
Boric, à época, era deputado e atuou como um dos principais mediadores entre os manifestantes e o Legislativo chileno. Ao contrário do que diz o presidente brasileiro, o líder chileno não participou da destruição de patrimônios públicos.
“Como governo nos parece que essas declarações são gravíssimas, obviamente são absolutamente falsas (…). Lamentamos tirem proveito do contexto eleitoral para polarizarem as relações bilaterais através da desinformação e das notícias falsas”, disse a chanceler.
O governo chileno, disse Urrejola, está “absolutamente convencido de que esta não é a maneira correta de fazer política quanto se trata de dois chefes de Estado democraticamente eleitos”. Ela classificou a relação de Bolsonaro e Boric como “respeitosa, apesar da diferença ideológica”, mas disse que a desinformação “erosiona a democracia, mas neste caso também a relação bilateral”.
Em uma nota emitida logo em seguida, a Chancelaria chilena ressaltou os comentários de Urrejola, afirmando que os comentários de Bolsonaro “são inaceitáveis”. O comunicado diz que Boric “já manifestou publicamente as diferenças que o separam do presidente Bolsonaro, mas ao mesmo tempo sinaliza a importância de manter a relação bilateral”.
No ano passado, o Chile foi o quinto maior comprador das exportações brasileiras, segundo dados do Ministério da Economia, ficando atrás apenas de China, Estados Unidos, Argentina e Holanda. As vendas, ao todo, somaram quase US$ 7 bilhões, em sua maior parte petróleo e carnes. O intercâmbio comercial entre os dois países teve seu melhor resultado no ano passado, quando um acordo de livre-comércio firmado em 2018 entrou em vigor.
Leia abaixo a íntegra do comunicado de imprensa emitido pela Chancelaria Chilena:
“O governo do Chile considera que as declarações formuladas contra o presidente Gabriel Boric pelo presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, durante um debate presidencial realizado no dia de ontem são inaceitáveis e não condizem com o trato respeituoso que deve haver entre chefes de Estado e nem com a relação fraterna entre dois países latino-americanos.
A utilização política da relação bilateral com fins eleitorais, com base em mentiras, desinformação e deturpações erosiona não apenas o vínculo entre nossos países, mas também a democracia, prejudicando a confiança e afetando a irmandade entre os povos.
O presidente Boric manifestou publicamente suas diferenças que o separam do presidente Bolsonaro, mas ao mesmo tempo sinalizou a importância de manter as boas relações entre os Estados do Brasil e do Chile.
Apesar das declarações infelizes, o governo do Chile manifesta sua convicção de que o nosso país e o Brasil tem não apenas uma História comum, mas também enormes desafios para enfrentarem de maneira colaborativa, razão pela qual esperar continuar a fortalecer os permanentes vínculos de amizade e cooperação entre nossos países.”