Ocupação da Seduc vira símbolo de resistência indígena e crise política no Pará
Há 15 dias, a Secretaria de Educação do Pará (Seduc) virou palco de um embate que transcende a luta por direitos: mais de 300 indígenas, apoiados por professores e movimentos sociais, ocupam o prédio em Belém exigindo a revogação da Lei 10.820/2024 e a exoneração do secretário Rossieli Soares. O governo de Helder Barbalho (MDB), porém, mantém-se irredutível, recusando diálogo direto e acusando os manifestantes de disseminar “fake news“. A crise, que já envolve até a ministra Sonia Guajajara, revela tensões históricas sobre educação indígena, direitos trabalhistas e a aplicação de tratados internacionais no Brasil.
O estopim: uma lei que “desmonta” a educação pública
Aprovada em dezembro de 2024 pela Assembleia Legislativa do Pará (Alepa), a Lei 10.820/2024 amplia o ensino modular à distância (Some e Somei) e revoga cinco normas que garantiam direitos a professores, como o Estatuto do Magistério e o Plano de Cargos e Carreiras (PCCR). Para indígenas, quilombolas e comunidades rurais, a medida significa o fim da educação presencial adaptada às suas realidades. “Não se faz lei sem consultar os povos. Isso desrespeita a Convenção 169 da OIT”, afirma Lidiane Borari, professora indígena e mestre em Educação Escolar Indígena.
O governo alega que a contratação de antenas da Starlink visa garantir internet em regiões remotas, mas os indígenas denunciam falta de transparência e “sucateamento” da educação. “Somos tratados como criminosos, mas só queremos escolas dignas para nossos filhos”, diz o cacique Dadá Borari, uma das vozes da ocupação.
Negociações fracassadas e revolta com a postura do governo
Na noite desta terça-feira (28), após cinco horas de reunião tensa no Palácio dos Despachos, indígenas saíram sem acordo. O governador Helder Barbalho recusou-se a revogar a lei ou demitir Rossieli Soares, oferecendo apenas ajustes por decreto na parte indígena. Lideranças relataram humilhação: celulares confiscados, escolta policial ostensiva e acusações de “fake news“. “Ele não quis ouvir. Estamos lutando por direitos, não por privilégios”, desabafou Auricélia Arapiun, líder impedida de entrar na reunião inicialmente.
A postura do governo incluiu até a criação de um Grupo de Trabalho (GT) para uma política estadual de educação indígena, criticado por excluir representantes de etnias e repetir erros do passado. O Ministério Público Federal (MPF) recomendou a suspensão do GT, destacando violações à Convenção 169.
O papel de Sonia Guajajara e a esperança por mediação de Lula
A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, intermediou o diálogo, mas sua sugestão de alterar apenas partes da lei foi rejeitada. “Queremos revogação total”, reforçaram os manifestantes. A secretária estadual de Povos Indígenas, Puyr Tembé, também foi alvo de críticas por sua “inoperância” e falta de apoio ao movimento.
Com o impasse, os indígenas pedem a intervenção do presidente Lula. “Se Helder não revoga a lei, que Lula venha aqui”, exigiu Miriam Tembé, liderança que destacou a ironia de um governo aliado nacionalmente ignorar demandas locais. Enquanto isso, ocupações se espalham: BR-163 em Santarém, BR-153 na divisa com Tocantins e até a prefeitura de Tomé-Açu foram tomadas em solidariedade.
O que diz o governo do Pará?
Em nota, a Secretaria de Comunicação (Secom) afirmou que o governo “mantém-se aberto ao diálogo” e listou propostas como concurso público específico para indígenas e criação de um Conselho Estadual de Educação Indígena. Helder Barbalho nega o fim do ensino presencial e ressalta que o Pará paga “o maior salário médio do país a professores” (R$ 11.447,48). Os manifestantes, porém, rejeitam as alegações: “Isso é cortina de fumaça. Querem dividir nossa luta”, rebateu Dadá Borari.
Um conflito com raízes profundas
A crise no Pará reflete disputas históricas:
- Falta de consulta prévia: A Lei 10.820/2024 foi aprovada sem ouvir comunidades, violando a Convenção 169 da OIT.
- Criminalização de movimentos: Professores relatam repressão policial desde dezembro, incluindo spray de pimenta em banheiros durante protestos.
- Fratura política: Após anos de aliança, PT e PSOL romperam com Helder Barbalho, acusando-o de trair pautas sociais.
Enquanto o governo insiste em “normalizar” o ano letivo para 500 mil estudantes, indígenas juram permanecer na Seduc até suas vozes serem ouvidas. “Não estamos aqui por guerra, mas por justiça”, concluiu Lidiane Borari.
Enquanto o governo do Pará fala em ‘fake news‘, indígenas ocupam a Seduc há 15 dias por escolas dignas. Até quando o diálogo será negado? #EducaçãoIndígena #ParáEmCrise #JustiçaSocial.